Diversidade racial e o futuro da advocacia

10 de setembro de 2020

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As grandes bancas de advocacia são tradicionalmente vistas como um ambiente no qual a diversidade é pouco presente. Nos últimos anos, temos observado uma ampliação da participação de mulheres e LGBTs, inclusive com a criação de uma série de grupos de afinidade e uma crescente presença de mulheres como sócias em alguns dos maiores e mais tradicionais escritórios de advocacia.

Esses movimentos mostram uma evolução na gestão dos escritórios, conscientes da mudança do perfil de egressos dos cursos de Direito, sendo notável a presença de mulheres, sendo a ampla maioria entre os advogados com menos de 25 anos (64% do total) e majoritárias também entre os advogados com menos de 40 anos. Como consequência, o crescimento sustentável e perenidade dos escritórios de advocacia estão cada vez mais ligados à capacidade de captação e retenção dos melhores talentos femininos.

No entanto, apesar dos óbvios avanços realizados, ainda é evidente a falta de inserção profissional dos advogados negros. A percepção que era anedótica entre os profissionais, ganhou um retrato preciso com os resultados divulgados pela pesquisa do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), que após analisar a composição étnico-racial de nove das maiores bancas de advocacia de São Paulo em 2017 indicou que apenas 1% dos advogados nessas grandes bancas eram negros.

Essa participação baixíssima demonstra grande dificuldade das bancas em recrutar o talento negro, fato ainda mais relevante considerando a existência de cotas raciais nas universidades federais e em algumas das melhores universidades estaduais, havendo uma grande quantidade de estudantes altamente qualificados.

O avanço das pesquisas na área da administração de empresas aponta claramente que a diversidade é um elemento fundamental para a construção de companhias mais lucrativas, sendo especialmente esclarecedor o relatório da consultoria Mckinsey denominado Diversity wins: How inclusion matters. O relatório aponta que as companhias cuja composição da sua liderança é mais diversa têm maiores chances de superar a performance de seus pares menos diversos, sendo estimado que as companhias localizadas nos 25% mais diversos de seu setor possuam 25% mais chances de ter um resultado superior ao de seus pares exclusivamente em razão da diversidade.

Em relação exclusivamente à diversidade étnico-racial e cultural, o mesmo relatório da Mckinsey aponta que as companhias mais diversas foram 36% mais lucrativas que as menos diversas, sendo notado que a diversidade étnico-racial impacta mais a lucratividade que a diversidade de gênero.

Tais resultados são categóricos ao demonstrar que o aumento da diversidade nas empresas e escritórios de advocacia não é meramente uma questão de responsabilidade social corporativa, mas também um imperativo econômico. Assim a questão do nosso tempo é encontrar meios de tornar a advocacia mais diversa, permitindo a captação e manutenção dos talentos negros.

A adoção de tal postura, além dos benefícios diretos aos escritórios que as implementarem, como maior lucratividade, terá efeitos benéficos à sociedade brasileira, sendo o mais claro a redução da desigualdade, com a inserção de camadas da população tradicionalmente desprivilegiadas do ponto de vista socioeconômico.

Diante de um desafio como o proposto, a comparação com os escritórios norte-americanos é muito útil. Segundo o relatório relativo a 2019 da American Bar Association sobre o perfil dos advogados norte-americanos, 5% dos advogados em grandes firmas são negros, enquanto representam apenas 12,5% da população dos Estados Unidos.

Se os negros tivéssemos a mesma inserção profissional na advocacia que nossos pares norte-americanos, teríamos cerca de 20% de advogados negros nos grandes escritórios brasileiros. Para tornarmos esse avanço possível, é crucial que todos os stakeholders relevantes (faculdades de Direito, escritórios, empresas e sociedade civil) concatenem esforços para sanar as deficiências reais e/ou percebidas na formação desses jovens.

Exemplar das políticas já implementadas para a ampliação da diversidade racial na advocacia, citamos o projeto Incluir Direito, patrocinado pelo Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), cujo objetivo é preparar graduandos para estágios em grandes bancas, bem como iniciativas pontuais de escritórios também com o objetivo de dar a formação necessária para a participação em processos seletivos crescentemente competitivos.

Esperamos que essas iniciativas sejam adotadas em âmbito nacional e que se disseminem por escritórios dos mais diversos portes, criando uma advocacia verdadeiramente diversa e que acolha os talentos de todas as cores.

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