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Direito e Agronegócio

21 de dezembro de 2016

Marcus Vinicius Furtado Coêlho Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB / Membro do Conselho Editorial da Revista Justiça & Cidadania

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Marcus ViniciusO Agronegócio é hoje setor de importância fundamental na economia Brasileira, corresponde a 23% do PIB brasileiro[1], gera renda e é responsável por fazer do Brasil um dos maiores produtores de commodities agrícolas como soja, carne de gado, carne de frango e suco de laranja. A importância da atividade é ainda mais acentuada quando se verifica que está associada a cadeias produtivas complexas que são responsáveis por ganhos de competitividade e inovação da economia brasileira, desde a biotecnologia até a comunicação via satélite. Desse modo, tem contribuído como agente dinamizador da economia, produzindo alimentos tanto para o consumo das famílias brasileiras como para a exportação, sendo essencial para que a balança comercial brasileira alcance superávit nas relações com o resto do mundo.

Todavia, para que o setor continue sua pujante expansão e traga benefícios à sociedade brasileira há a necessidade da justa e eficiente resolução dos conflitos surgidos na área. Pois entre a cadeia seguida pelo alimento do campo até as prateleiras do consumidor surgem interesses divergentes, envolvendo desde o direito de propriedade até sofisticados instrumentos financeiros. Assim, o Direito se apresenta na sua função primordial de pacificar os conflitos sociais, devendo garantir ao jurisdicionado a confiança na aplicabilidade e correção das decisões que emite.

E, quando são analisados ramos do direito que dialogam diretamente com o setor empresarial, como o Direito do Agronegócio, deve ser dada especial atenção à segurança jurídica como um dos pilares desse subsistema jurídico, pois é sabido que a confiança dos investidores é requisito necessário para que um país atraia investimentos produtivos e possa se desenvolver.

Nesse contexto ressalta-se a importância de uma advocacia capacitada, que conheça o posicionamento do ordenamento jurídico quanto a temas relevantes desse Setor e possa prestar uma consultoria jurídica adequada. Pode-se até afirmar que, diante do grande plexo de normas nacionais e internacionais que abrangem o Agronegócio, uma assistência jurídica qualificada é um imperativo daqueles que pretendem ter sucesso. Essa premissa é corroborada pelo grande número de áreas jurídicas que possuem correlação direta com o Agronegócio e, consequentemente, exigem a assessoria de um advogado que dê uma interpretação segura das normas desses subsistemas jurídicos, por exemplo: Direito Agrário, Direito do Trabalho, Direito Ambiental, Direito Empresarial, Direito das Coisas, Direito Tributário, Direito Autoral, dentre outros.

Por seu turno, o grande número de subsistemas jurídicos que produzem efeitos no Agronegócio torna a defasagem legislativa um dos principais desafios do operador do Direito que lida com conflitos na área. É que naturalmente o Poder Legislativo, onde devem ser travados debates democráticos muitas vezes demorados e o processo legislativo possui diversas formalidades essenciais, não acompanha o ritmo da mudança em uma sociedade cada vez mais complexa e na qual o tempo se torna fator cada escasso, o que é facilmente verificável em um setor dinâmico e inovador como o Agronegócio. Exemplo cabal dessa defasagem é o Código Comercial, datado de 1850, que ainda está parcialmente vigor.

Logo, diante desse desafio, cabe ao operador do direito encontrar soluções para o caso concreto, sempre em consonância com os pilares jurídicos do ordenamento pátrio, em especial aqueles encartados na Carta Constitucional de 1988, como os Direitos ao livre exercício de atividade econômica e à um meio ambiente saudável e equilibrado.

Além da defasagem legislativa, destaca-se outra problemática recorrente no meio: a necessária clareza dos marcos regulatórios que, ou por não terem sido previamente acompanhados do debate devido ou pela redação legislativa imperfeita, terminam por gerar insegurança e dúvidas perniciosas quanto à sua aplicação. Nesse ponto ressalta-se o papel das Cortes do País em preencher as lacunas legais e dar interpretações às leis conforme à Constituição, sempre tentando visar a uniformização da jurisprudência para a consolidação da segurança jurídica que resulte em previsibilidade e crie as expectativas corretar naqueles que pretendem contribuir para o crescimento deste setor.

Basta ver que, recentemente, a 3a Turma do STJ decidiu que o Estatuto da Terra não é aplicável à empresa rural de grande porte. Entendeu a referida Turma que, por a empresa não ser parte hipossuficiente da relação, não lhe é aplicável o direito de preferência para a aquisição de imóvel arrendado, incidindo nesse caso os ditames do Código Civil. Se esse entendimento restar pacificado na jurisprudência pátria reforça-se ainda mais a necessidade de um diploma legal que aborde as peculiaridades do moderno Agronegócio, tendo em vista que a generalidade própria do Código Civil não o torna adequado para que seja indiscriminadamente aplicado a um setor que tem tantas especificidades. Ademais, é preciso esperar o amadurecimento do posicionamento da Corte quanto a interpretação de diversos diplomas legais como o Novo Código Florestal.

Nessa enseada, podem ser vistas de forma positiva iniciativas legislativas que busquem ao mesmo tempo modernizar e dar segurança ao setor através de marcos regulatórios bem elaborados, em que seja ouvida a sociedade, principalmente, quanto à temas que geram debates mais acalorados como direitos trabalhistas e ambientais, e que abordem as questões necessárias ao bom funcionamento do Agronegócio brasileiro visando ao final a eficiência e a desburocratização.

O Novo Código de Processo Civil, em que pese a sua generalidade, modificou diversos mecanismos que refletem diretamente nas empresas do agronegócio. Por exemplo, o inegável incentivo à solução consensual dos conflitos através da mediação, arbitragem e conciliação que já eram frequentes no mundo empresarial, dado que este urge pela rápida solução dos conflitos em contraponto à morosidade do Judiciário para entrega da tutela definitiva. Inclusive, podem as partes, quando permitido, estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Já sob um enquadramento mais específico ao setor, a Lei no 13.288, publicada em maio deste ano, dispõe sobre os contratos de integração, obrigações e responsabilidades nas relações contratuais entre produtores integrados e integradores. Este importante Marco Legal cria um padrão de contratos que diminui divergências na cadeia produtiva agropecuária, contribuindo para a colaboração dos diferentes agentes envolvidos por meio de regras claras e maior segurança jurídica. Entretanto, frisa-se, não suprimiu a necessidade de uma Lei que abranja outros aspectos relevantes do Agronegócio.

Outros projetos de Lei que podem afetar diretamente aqueles que trabalham com o setor são os relacionados à regularização fundiária, um dos principais entraves ao pleno desenvolvimento da capacidade produtiva no Brasil pela falta de segurança que acarreta, já que mercado e tecnologia o Agronegócio brasileiro já demonstrou possuir. Igualmente necessárias são as alterações legislativas que facilitem a concessão de crédito privado para que haja a contínua modernização das práticas adotadas pelos produtores. Também vale destacar projetos no tocante à terceirização da mão-de-obra visto que o Agronegócio emprega mais de 30% da mão-de-obra nacional[2], quanto à questão logística e de transportes para o melhor escoamento nas cadeias produtivas brasileiras que estão repletas de gargalos logísticos, o que pode tornar interessante acompanhar o progresso do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) constante da Medida Provisória no 727/2016, e em relação à legislação fitossanitária para que se ateste a boa qualidade da produção em solo nacional para consumo interno e exportação.

De igual modo, é vital para um setor amplamente exportador que as normativas internacionais propiciem o comércio de produtos agrícolas através da eliminação de barreiras comerciais desnecessárias, da padronização de padrões de fiscalização e da justa distribuição dos ônus em matéria ambiental diante do díspare grau de desenvolvimento dos países ao redor do globo. Inclusive, nessa esfera é possível que o operador atue visando aos interesses do seu cliente mas termine por, indiretamente, beneficiar determinado setor de um país inteiro. Nesse ínterim, recomenda-se o acompanhamento do desenrolar do acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia e de Pactos para o Clima ante a imensa gama de oportunidades e desafios que podem ser concebidos.

Por fim, analisando-se o panorama da economia brasileira e internacional, verifica-se que o agronegócio apresentou crescimento constante em meio à recessão histórica que passa o Brasil, despertando o interesso do mundo jurídico na medida em que o Direito do Agronegócio é área ainda pouco explorada academicamente e cujo marco legal deve ser aperfeiçoado, suscitando debates necessários e apresentando boas chances de crescimento ao profissional jurídico que se dedique à área.

Em última instância, pode-se afirmar que os agentes do ordenamento jurídico que trabalham com o Direito aplicado ao Agronegócio contribuem para a promoção da dignidade humana em todo o planeta. Segundo a Organização para a Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) o Brasil terá de contribuir com um aumento de 40% da sua produção de alimentos até 2020 para suprir as necessidades da população mundial. Isto só ocorrerá com o apoio de um sistema jurídico eficaz que promova a segurança e incentive os investimentos que são essenciais para fazer o Brasil cumprir sua vocação de celeiro do mundo.

 

Notas___________________

1 Dados referentes ao ano de 2015 do Balanço realizado pela CNA (Confederação Nacional da Agricultura)

2 Dados do Portal do Agronegócio