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Direito de integração no Mercosul: Uma proposta do CEAL/COPEDEM

23 de julho de 2012

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Mensagem de abertura do primeiro Seminário – Diireito de Integração no Mercosul, proferida em 24 de maio de 2012

“Nesta noite de outono, bem na porta de entrada do Pantanal Mato-Grossense, uma das maravilhas do Planeta Terra, todos aqui, conviventes da mesma estrutura, biofísica e ambiental, deparam-se com este espaço paradisíaco, onde permanecerão imersos, durante esta jornada de estudo sobre o Direito de Integração no MERCOSUL.

O Pantanal Mato-Grossense é a maior planície alagável do Planeta, com áreas contínuas secas, e localiza-se no núcleo central da América do Sul. Por força da política governamental brasileira para a proteção do meio ambiente, foi, em 1981, alçado ao status de Parque Nacional Pantanal Mato-Grossense. Mais recentemente, em 2000, foi declarado Patrimônio Natural da Humanidade.

A literatura sobre o assunto registra que o Pantanal Mato-Grassense teria sido formado de uma separação oceânica ocorrida há milhões de ano. Essa é a provável explicação para o fato de que nele se encontram espécies vegetais e animais típicos de ambientes marinhos. Essa seria também a explicação para seus diferentes ecossistemas, formados por cerrados e cerradões (áreas sem alagamentos e com vegetação – arbustos, em sua maior parte), superfícies alagadas permanentemente, áreas sujeitas a alagamentos temporários, além de lagoas de água doce ou salobra, rios, vazantes e corixos.

Em decorrência de sua baixa declividade, no sentido norte-sul e leste-oeste, a água que escoa das nascentes do rio Paraguai leva quatro meses para alcançar toda a extensão desta planície única. Por isso, está o Pantanal sujeito a dois ciclos bem distintos entre si: o da estação das águas, que ocorre entre outubro e abril, e o da estiagem, tempo em que sua biodiversidade fica mais à mostra, regularmente, de abril a setembro, período em que recebe turistas de todos os quadrantes da Terra.

Dois estados brasileiros dividem esse privilégio da natureza: Mato Grosso do Sul, que tem cerca de 65% da extensão do Pantanal em seu território, e os 35% restantes ficam neste Estado de Mato Grosso que abriga o chamado Portal do Pantanal, no qual se situa a cidade de Cáceres, já adentrando a Floresta Amazônica.

É, pois, esta Região, precisamente, no centro do continente sul-americano, o repositório das abundantes fauna e flora, de beleza colossal, resultante de quatro biomas: Amazônia, Cerrado, Chaco e Mata Atlântica. É justamente esta confluência da natureza que abriga este encontro da cultura.

Ainda que esta natureza, de beleza exuberante seja aparentemente perpétua, a realidade sociocultural e política de hoje não é mais a mesma de cinquenta anos atrás. Aliás, dada a velocidade das mudanças no mundo contemporâneo, parece que a história da humanidade transcorre em ritmo alucinante, tecida com as tramas das certezas e dos dogmas que se enredam nas teias das dúvidas, das inseguranças e das buscas intermináveis que, não obstante, apenas descortinam a miragem de mistérios insondáveis e horizontes inatingíveis que não se esgotam nas descobertas científicas, nem se consolidam nas novas tecnologias, superadas a cada segundo, rumo ao infinito.

A revolução das comunicações e a expansão do universo imagético promovem a aproximação entre o mundo real e mundo virtual, em tempo real, permitindo comparar e confrontar as culturas de diversos países, o que evidencia suas afinidades e seus conflitos de interesse.

Com a chancela dos fenômenos modernos, moderni­zantes e modernizadores, estabelece-se uma nova ordem mundial, em que se projetam novas formas atuantes de poder, tão fluidas quanto as fronteiras virtuais, todas abrigadas sob o manto da globalização, espécie de Deus ex-machina, senhor absoluto do solo movediço, sem fronteiras, da realidade virtual que se desloca, quiçá, rumo à conformação de um Estado mundial.

Nesse sentido, pode-se dizer que a globalização é uma nova versão do velho processo de supremacia dos mais fortes sobre os mais fracos, modelo oriundo da natureza, especialmente advindo dos seres vivos, e que se reproduz na cultura, ganhando materialidade ao promover a hegemonia das nações mais poderosas que açambarcam, política e economicamente, as que se encontram fragilizadas.

Enfim, a globalização é uma aplicação contemporânea e “civilizada” da lei do mais forte, travestida esta de moder­nidade e envolta nas inovações tecnológicas. Exemplo contundente desse processo devastador é a situação, por que passa a Grécia, mergulhada em profunda depressão econômica e em dívidas pós-olimpíadas impagáveis, sob o acosso demolidor dos países credores, membros da Comunidade Europeia, principalmente, da Alemanha.

Para Hegel, o dominado sustenta a dominação porque se submete ao dominador, na tensão dialética entre o poder e o não poder. Nesse diapasão, se o pretenso dominado opõe-lhe resistência sistemática, a tendência é estabelecer-se o equilíbrio das forças, contrárias e contraditórias, espaço em que se instalam o diálogo e as negociações. Em síntese, quer-se dizer que, via globalização, há que se estabelecer o equilíbrio em prol da interação produtiva entre os povos, pela convivência mais harmônica, dada pela aproximação dos interesses comuns e pelo respeito às diferenças.

Os conflitos de interesse entre as nações soberanas, na passagem para a modernidade, tendem a sair de seu espaço, antes preferencial, do campo de batalha, para serem mediados, administrados e resolvidos por organismos internacionais, como o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, integrado por representantes escolhidos por países membros. Nos litígios entre os diferentes países, tendo em vista problemas comerciais, medidas protecionistas de mercados internos com alta taxação de produtos estrangeiros, há a Câmara Internacional do Comércio que arbitra os litígios.

Outros interesses que envolvem questões jurídicas são apreciados e julgados pela Corte Internacional, constituída esta por magistrados cedidos pelos países membros. Isso não é novidade, portanto; ao contrário, vem de longa tradição, a começar pelos conflitos entre países europeus. Contudo, cada vez mais, na medida que se expande o processo de globalização, criam-se outros espaços jurisdicionais que atuam no julgamento de litígios mais concentrados entre países vizinhos ou entre países associados pelas suas respectivas histórias.

Dessa sorte, um dos maiores paradoxos da globalização talvez seja, exatamente, a necessidade de criar cortes internacionais para administrar conflitos entre países signatários de pactos continentais, regionais e econômicos, a exemplo da Corte Europeia.

Nessa perspectiva, o Centro de Estudos da América Latina – CEAL – promove, em seu primeiro seminário, debates sobre os interesses jurídicos comuns e os divergentes que transitam entre as nações latino-americanas, no intuito de, a partir das discussões suscitadas, traçar um modelo adequado à administração da justiça entre essas nações.

Como se sabe, o MERCOSUL representa um ponto de convergência de interesses prioritariamente merca­dológicos, que congrega alguns países do cone sul deste continente, mas não a totalidade dos 20 países integrantes da América Latina. Sua sobrevivência e sua expansão não têm sido tão tranquilas assim, apesar de constituir-se apenas de uma minoria, qual seja: países membros – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai; países associados – Chile e Bolívia. Esse viés também merece uma boa discussão.

Além disso, interesses políticos internos, de quando em vez, têm prevalecido, pondo em risco a convivência ordeira e pacífica com a vizinhança, tanto com as mais próximas (conflitos de terra, por exemplo, com invasão de propriedades adquiridas pelos vizinhos estrangeiros, nos espaços de fronteira entre Brasil e Paraguai, ou entre Brasil e Bolívia, tráfico de entorpecentes, etc), como as mais distantes (desapropriação e “nacionalização” de empresas estrangeiras, a exemplo do que ocorreu entre a Bolívia e o Brasil, envolvendo as instalações da PETROBRAS naquele país).

Diante do contexto atual dos agrupamentos de nações (países ricos, países pobres, países emergentes), a integração de alguns países em bloco de comunidades internacionais, regionais, no entanto, tem ganhado corpo. A necessidade de administrar a justiça nessa integração aponta na direção de que se estruturem os tribunais para fazer frente a essa nova exigência.

Nessa perspectiva, considerando os conceitos assentados, há que se ater ao fato de que o êxito do processo exige o respeito às diversidades de cada região e a busca de fórmulas inovadoras e renovadoras, porquanto existe uma grande discrepância na formação das comunidades latino-americanas, a se levar em conta, quando se fala de integração, para que se possa pensar na aproximação de todas elas, para um objetivo comum.

Assim, há considerar as diversidades socioculturais dadas pela existência das populações autóctones, as antigas sociedades indígenas de terras baixas, em que predomina a selva, a cultura guarani, o oriente boliviano e as terras do Uruguai, país do bloco, no qual o “problema indígena” foi “equacionado” com o genocídio dos sobreviventes da expansão de suas fronteiras.

Além disso, há a registrar ainda a influência dos jesuítas sobre a cultura guarani, com interferência na formação religiosa e política de tribos indígenas, o que terminou por criar-lhes repulsa à forma de atuação dos conquistadores europeus, na busca de mão de obra escrava entre os gentios. A expulsão dos jesuítas interrompeu esse ciclo, em meados do século XVIII, e os guaranis, despreparados para se autogovernar, ficaram entregues à própria sorte.

Por fim, acrescente-se ao caldeirão cultural latino-americano o ingrediente da mão de obra escrava, trazida da África e vendida nos mercados de escravos, juntamente com seus descendentes. O Brasil e o Caribe, fundamentalmente, representam os casos mais típicos.

Constata-se, pois, que os países latino-americanos tiveram formação bastante diferenciada, entre si, o que faz com que cada um possua características peculiares, determinando vieses de grande diversidade, ao se pensar em termos de integração. O tratamento a ser-lhes dado deve adequar-se a essas características. No caso da justiça, as cautelas não se podem economizar, posto que sua aplicação pressupõe  tratar igualmente os iguais e de forma desigual os desiguais, para que, na soma, se atinja um denominador comum.

Assim, pode-se adiantar que a diversidade de situações presentes e passadas torna difícil a coordenação de esforços para a integração política da América Latina. Dificuldade não significa impossibilidade, contudo. É muito provável que a integração seja facilitada, como em outras circunstâncias, pela crise nos grandes centros hegemônicos e pela necessidade de os países da região adotarem medidas políticas que afetem a totalidade ou grande parte desse múltiplo conjunto.

As barreiras socioeconômicas estão relacionadas às novas formas de subcultura da pobreza. Na América Latina, é possível comprovar essas barreiras por formas de discriminação encobertas no mercado de trabalho, nas dificuldades de instalação, alojamento, transporte e outras. Tudo isso implica um pesado sistema para a integração de certos grupos étnico-culturais. Explica também o surgimento de grupos neonazistas e tensões étnicas, a difusão de sectarismos religiosos e a severidade de certas políticas de controle de processos migratórios.

As fronteiras geopolíticas da América Latina, por sua vez, tanto no período colonial como em épocas mais recentes, nunca se apresentaram como barreiras ao intercâmbio, mesmo porque os Estados não conseguem impedir a livre circulação de pessoas, costumes e ideias, porquanto a fronteira atua como elemento de unidade, de continuidade, e não de separação.

Os fenômenos culturais, de outro modo, é que vêm rea­lizando, de maneira progressiva e irreversível, a integração. Há especificidades de países e regiões compondo a área latino-americana, embora na busca de traços comuns que permitam maior aproximação e cooperação. O conjunto de fatores externos, contudo, influi sobre ela e sobre outras regiões do mundo.

Há uma acentuada divergência em termos de desi­gualdades econômicas entre os países dos quais se pretende a integração. A maioria dessas Nações é pobre, com atividades centradas no setor primário da economia.

A par de contemplar outros aspectos da integração, mister recortar aqui a questão do modelo de funcionamento do sistema judicial adequado à integração latino-americana.

Após a uniformização das leis e do Direito em toda a região, será mais fácil chegar a acordos e consensos, deixando-se de lado a integração econômica, que visa ao mercado e ao lucro, não necessariamente ao bem-estar dos povos, da sociedade e da coletividade, para a solução dos graves problemas sociais.

Imagine-se a união de forças, visando a essa integração em todos os sentidos, cada país ajudando um ao outro em todos os momentos, na saúde, na educação, remanejando pessoal de um país para outro, profissionais excedentes encaminhados para regiões carentes, mas tudo sendo administrado como serviço público gratuito, longe da noção de capitalismo.

Nesse sentido, as organizações internacionais poderão ser gerenciadas por profissionais altamente qualificados e competentes, podem ter estabilidade administrativa e funcional, enfim, podem garantir cidadania, educação e saúde para todos os envolvidos na integração, independentemente das modificações políticas que ocorrem dentro dos Estados.

Acredita-se que este tipo de integração é o modelo ideal para os países pobres. Tem-se que integrar para alcançar soluções e resolver os problemas e não integrar para gerar lucros para as empresas. É o avanço de que a humanidade precisa.

Nessa perspectiva, o direito da integração latino-americana é algo viável, possível de realizar-se, desde que pensada e realizada, a integração, com os pés no chão, pactuando objetivos comuns e sensíveis aos olhos de qualquer bom observador, sobretudo pelas similaridades existentes na conformação dos 20 (vinte) países que compõem a América Latina.

Espera-se, pois, com o melhor dos propósitos, contribuir com a sociedade, não só regional e nacional, mas, lato sensu, latino-americana, no sentido de soma de esforços que visem à consecução de objetivos únicos e que sirvam de alicerce do desenvolvimento sustentável do entorno das Américas, evitando, sobretudo, que haja países mais pobres e mais ricos, mais desenvolvidos e menos desenvolvidos, mais subordinados e mais independentes.

Busca-se, pois, a unidade dos países latino-americanos, no sentido de que cresçam e desenvolvam-se unidos, com ajuda mútua, com a garantia jurídica dos atos e fatos, compondo um corpo único de países que lutam por um só ideal, a própria integração.

Estão aí as ideias que julguei útil agitar neste princípio de estudos.”