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Direito autoral nos meios de hospedagem – Parte Final

5 de setembro de 2005

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Posicionamento dos tribunais

O sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça (STJ), instância máxima para discussão de matérias legais infraconstitucionais, indica o seguinte posicionamento jurisprudencial sobre a cobrança de Direito Autoral em meios de hospedagem:

“Órgão Julgador: 2ª Sessão, 3ª Turma, 4ª Turma.

É ilegítima a cobrança de direitos autorais relativamente a aparelhos radioreceptores independentes instalados nos quartos de hotel ou motel, de livre acionamento e de escolha das estações pelos ocupantes dos apartamentos” (gov.br/SCON/jcomp)

Conforme informa ainda o referido sítio eletrônico este entendimento majoritário resultou da interpretação dos artigos 29, VIII e 95 da Lei nº 9.610/1998.

Por outro lado os Precedentes deste entendimento jurisprudencial resultaram de decisões proferidas sob a égide da atual Lei Autoral, eis que envolve julgados posteriores a fevereiro de 1998 (EResp 76882-RS, EResp 97081-RJ, EResp 45675-RJ, Resp 205897-SP, RESP 229077-SP, RESP 138690-SP, AGRESP 94546-RJ, RESP 591560-SP, AGA 438897-RJ, RESP 459361-MG, RESP 439339-MG, RESP 204662-SP).

Não há, pois, após seis anos de vigência da Lei nº 9.610/1998, ao longo dos quais consolidou-se a jurisprudência que entende incabível a cobrança de direitos pela simples disponibilização de equipamentos de sons e imagens nos meios de hospedagem, surgir agora entendimento diverso ao pretexto de observância da “nova” Lei Autroral.

Contudo, apesar da predominância deste entendimento, por vezes têm surgido decisões com ele conflitantes, situações que, sem sombra de dúvida, causam perplexidade ao jurisdicionado.

Dentre estas decisões saliente-se as que preconizam a aplicação da Súmula STJ-63:

“A Lei nº 9.610⁄98 não autoriza que a disponibilidade de aparelhos de rádio ou de televisão nos quartos de motéis e hotéis, lugares de freqüência coletiva, escape da incidência da Súmula nº 63 da Corte”.

A Súmula 63, que será analisada posteriormente com mais detalhes, consagra o entendimento de que:

“São devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de musicas em estabelecimentos comerciais”.

Referida Súmula, editada na vigência da Lei nº 5.988/1973 e que se refere a “estabelecimentos comerciais”, pretendeu caracterizar a captação de retransmissão radiofônica sob a ótica comercial, qual seja, obtenção de “lucro direto ou indireto”, tal como previsto no artigo 73 da lei anterior.

Mas, não bastasse isso, a Súmula alude à retransmissão, que, conforme o artigo 5º da Lei nº 9.610/1998, é a emissão de sons e imagens de um transmissor a uma fonte intermediária e desta para um receptor. No caso em análise discute-se a transmissão direta de som e imagem de um transmissor (estação de rádio ou canal de televisão) para um receptor (equipamento disponibilizado para o hóspede nos apartamentos dos meios de hospedagem).\

Ademais, os meios de hospedagem são empresas prestadoras de serviço, sujeitas à tributação do ISS (Lei Complementar nº 116/2003, Lista 9.01) e não estabelecimentos comerciais, cuja legislação obriga ao recolhimento de ICMS.

Outras decisões que divergem do entendimento jurisprudencial predominante entendem que:

“Consoante a Lei n. 9.610, de 19.1.1998, a disponibilização de aparelhos de rádio e de TV em quartos de hotel, lugares de freqüência coletiva, sujeita o estabelecimento comercial ao pagamento dos direitos autorais”.

O enfoque aqui é de que os hotéis e motéis constituem locais de freqüência coletiva, como tal enumerados no rol do artigo 68, § 3º, da Lei nº 9.610/1998. Assim, por este entendimento, o artigo 68 da Lei nº 9.160/1998, analisado de per si, abrangeria qualquer transmissão de som ou imagem nos estabelecimentos hoteleiros, inclusive em seus apartamentos, já que a norma não faz nenhuma ressalva e devido ao fato de em decorrência do princípio que: “interpretam-se restritivamente os negócios jurídicos sobre os direitos autorais” (art.4 º da Lei nº 9.610/98).

Contudo, como já anteriormente ressaltado, os meios de hospedagem são constituídos por um conjunto de dependências para utilização de hóspedes e não hóspedes: umas de uso coletivo – áreas onde as pessoas circulam livremente, como a recepção, restaurante, salões de festas, recepções e conferências, áreas de lazer e piscina e outras de uso restrito, como os apartamentos de hóspedes.

O texto legal ao relacionar hotéis e motéis como locais de freqüência coletiva, por certo não estaria a se referir aos apartamentos dos meios de hospedagem, mas sim as suas demais dependências por onde circulam livremente hóspedes e não hóspedes, posto que quando é celebrado um contrato de hospedagem está a se reproduzir o seu próprio domicílio, e sobre estes locais incide a proteção constitucional de privacidade e inviolabilidade (artigo 5º, incisos IX e X, da Carta da República). Sendo de natureza íntima estas residências temporárias, as transmissões de rádio e TV equiparam-se àquelas feitas em residências permanentes, eis que em ambos os casos a privacidade está resguardada.

Ainda de relevar que a definição de “execução pública musical” para o direito autoral é legal, ou seja, provém de dispositivo normativo expresso (Lei Autoral, artigo 68, § 2º), que considera “execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica.”

Constitui, portanto, execução pública a utilização de obras musicaisem locais de freqüência coletiva. Estes, por sua vez, são, a teor do artigo 68, § 3º, da LDA, “os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares e clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas”.

A nova lei veda o uso desautorizado da obra em representações e execuções públicas e considera hotel como um dos locais de freqüência coletiva. Não há dúvida de que a utilização de obra musical em hotel só é vedada, sem autorização, se for pública, para apresentação coletiva.

Outra circunstância que está a descaracterizar o caráter de freqüência coletiva dos apartamentos de meios de hospedagem é a celebração do contrato de hospedagem, instrumento negocial que, ainda que firmado de modo informal, personifica as partes contratantes, individualizando-as e descaracterizando sua natureza coletiva.

Por outro lado, os aparelhos de rádio e televisão colocados em apartamentos de hotéis e motéis permitem que os usuários optem ou não pelo seu efetivo uso e, em caso positivo, sintonizem na estação ou canal de sua preferência, fora de livre disposição ou ingerência do estabelecimento hoteleiro.

Neste passo, oportuna a citação do voto do desembargador Sejalmo Sebastião de Paula Nery, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul(20), na interpretação do conceito de local de freqüência coletiva:

“Os quartos de motel possuem aparelhos de televisão, para captação, transmissão, sintonia, reprodução de canais de TV (ou qualquer outro termo técnico), para uso privado dos hóspedes, no âmbito dos seus aposentos, a sua escolha e vontade, sem qualquer ingerência do estabelecimento comercial. Os hóspedes podem, inclusive, não assistir televisão ou não sintonizar emissoras especializadas em música.

Assim, não há utilização de obras musicais alheias por parte da demandada, senão dos próprios hóspedes do motel, na condição de meros ouvintes ou apreciadores, como qualquer pessoa que liga um rádio, um televisor ou um aparelho reprodutor de discos ou fitas, por exemplo, para sua apreciação.

É claro que não se trata de som ambiental, comandado pela demandada, mas de mera faculdade de utilização privada pelo hóspede de aparelhos capazes de sintonizar ou reproduzir música.”

Na mesma esteira de entendimento alinha-se o voto do desembargador Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (21):

“Inicialmente a que se considerar que, apesar de a categoria a que pertence o demandado – hotéis – estar mencionada no § 3º do art. 68 da Lei nº 9.610/98 como local de freqüência coletiva deve ser observado que a intenção da norma ao mencionar tal expressão – freqüência coletiva – é a de caracterizar locais em que há circulação de público.

Tanto assim o é que o caput do art. 68 da referida Lei veda a utilização de “obras teatrais, composições musicais ou litero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.

No caso dos autos, pretende o demandante a cobrança de direitos autorais em face de aparelhos de televisão colocados nos quartos do hotel-requerido.

Ora, não se pode considerar que um quarto, ainda que estabelecimento de hospedagem, seja local de freqüência coletiva.

Portanto inviável que no quarto de hotel haja execução pública de qualquer coisa que seja, não se caracterizando, assim, hipótese de incidência da norma protetiva de direitos autorais

Ademais, a pessoa que se hospeda em um hotel o faz por vários motivos, mas certamente não com o intuito precípuo de assistir televisão ou ouvir música.

Portanto não há que se falar em cobrança de direitos autorais em virtude da existência de aparelhos de TV nos quartos de hotel, pois estes não são locais de freqüência coletiva, não havendo neles execução pública do que quer que seja”.

Tem-se assim que as ondas de rádio e os sinais de televisão captados diretamente por equipamentos receptores colocados à disposição do hóspede no interior do apartamento de hotel ou motel não constituem fato gerador da obrigação de recolher a contribuição correspondente aos direitos autorais dos autores das músicas e programas transmitidos, posto que já foram pagos pela emissora de rádio ou canal de televisão. Disso decorre que nenhum prejuízo advém para os titulares do direito autoral.

Em contrapartida, um novo pagamento de direitos autorais, além daquele já recebido pelo autor da emissora de rádio, do canal de televisão ou da venda de fonograma, constituiria um flagrante bis in idem sobre o mesmo fato gerador, procedimento de todo repelido pelo nosso ordenamento jurídico, bem assim extensão incabível de direito estrito.

Súmulas 63 e 261 do Superior Tribunal de Justiça

Súmula 63

“São devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de musicas em estabelecimentos comerciais”.

Como já assinalado, atualmente tal parâmetro foi abandonado pela Lei nº 9.610/1998, para configurar como fato gerador da cobrança de direitos autorais de obras musicais e fonogramas realizadas em locais de freqüência coletiva, dentre os quais são indicados, de forma genérica, os hotéis e motéis.

Mas, ainda que se admitisse vigente o parâmetro de lucro na utilização de obra litero-musical ou de fonograma, sem qualquer sombra de dúvida os consumidores que se utilizam de um hotel não buscam ouvir música ou assistir televisão, não sendo razoável supor que um estabelecimento aumente o faturamento pelo fato de oferecer aos seus hóspedes um equipamento para transmitir som e imagens.

O que incrementa um estabelecimento dessa natureza, de forma a certamente proporcionar-lhe lucro, são as condições atinentes à própria hospedagem, como preço, conforto das instalações, atendimento, móveis, limpeza, segurança e estilo, por exemplo.

Parece indubitável que um consumidor deixe de se hospedar em um hotel, por exemplo, se este for muito frio no inverno ou tórrido no verão, ou ainda se não possuir banheiro, mas jamais por não dispor rádio ou televisor.

Por outro lado, as obras musicais são eventualmente utilizadas pelos próprios hóspedes, de forma privada e não-pública ou coletiva, fora da livre disposição ou ingerência do estabelecimento comercial.

Súmula 261

“A cobrança de direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas, em estabelecimentos hoteleiros, deve ser feita conforme a taxa média de utilização do equipamento, apurada em liquidação”.

Referido entendimento jurisprudencial apenas indica a forma de liquidação das ações de cobrança julgadas procedentes.

Em realidade, esta Súmula, partindo do pressuposto que a ocupação dos apartamentos dos meios de hospedagem é variável ao longo do ano, instrumentaliza o processo de execução para conferir-lhe seguro parâmetro de apuração da cobrança.

Contudo, de registrar que a referida Súmula é apenas aplicável para execução de lides que versem sobre retransmissão de som e imagem, nos exatos e precisos termos fixados pelo artigo 5º, I, da Lei nº 9.610/1993.

Conclusões

Atualmente há uma grande celeuma na sociedade brasileira quanto ao recolhimento de direitos autorais para o ECAD, bem como dos parâmetros utilizados, à vista da interpretação da Lei Autoral permitir o entendimento equivocado de incidência direitos autorais na disponibilização de equipamentos de som e imagem em apartamentos de meios de hospedagem.

Partindo de uma interpretação do texto legal dissociada da realidade, ao conceituar todas as dependências dos estabelecimentos hoteleiros como local de freqüência coletiva, o ECAD vem impondo pesados e indevidos gravames à sociedade em geral e especialmente aos meios de hospedagem.

A Federação Nacional de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares (FNHRBS) e a Assossiação Brasileira de Indústria Hoteleira (ABIH), por seus presidentes Norton Luiz Lenhart e Eraldo Alves Cruz, não têm medido  esforços conjuntos na busca da real exegene da Lei nº. 9.610/1998.

Contudo, cabe ao Poder Judiciário a prestação da tutela jurisdicional de modo a propiciar o bem-estar social e a estabilidade das relações jurídicas.

A par das razões exaustivamente expostas neste trabalho, oportuno trazer à colação importante questão de ordem econômica.

A hotelaria insere-se de forma efetiva no desenvolvimento do turismo nacional, setor que envolve cerca de 1.230.000 empresas geradoras de mais de 8.900.000 empregos diretos. Este segmento econômico passa hoje por uma insegurança jurídica em relação a cobrança de direitos autorais nos apartamento disponibilizados.

E essa insegurança leva a uma falta de estimulação de investimentos, tanto internos como externos, no setor hoteleiro. Atualmente, com as elevadas taxas de juros praticadas pelo mercado financeiro, somente há investimento no setor produtivo diante de um marco regulatório claro e bem definido e hoje os meios de hospedagem não o possuem no que concerne à cobrança de direitos autorais.

A lei atualmente parece não deixar dúvida de que são as emissoras de televisão e de radiodifusão que pagam os direitos autorais das obras musicais que executam, pois colocam os seus programas no ar, disponibilizando som e imagem para toda a comunidade, independentemente deles estarem em um hotel ou motel ou mesmo na própria residência.

O problema do desemprego constitui um dos maiores desafios a ser enfrentado pelo Governo federal. O baixo desempenho da economia brasileira nos últimos anos agravou ainda mais esta questão em nosso País.

O turismo tem sido reconhecido como uma das crescentes atividades humanas ao longo das últimas décadas e a sua importância é ressaltada em inúmeros setores, particularmente na obtenção de recursos econômicos, na geração de empregos e na melhoria da qualidade de vida, de maneira geral. Observamos, ao longo dos últimos anos, que o turismo foi um dos segmentos econômicos que mais colaborou com a geração de novos empregos e para o reaproveitamento da mão-de-obra de outros setores.

Segundo a Organização Mundial do Turismo, este setor é responsável por um em cada nove empregos gerados no mundo. O Plano Nacional de Turismo, programa governamental específico para o segmento, tem como metas, até 2007, criar condições para gerar 1.200.000 novos empregos e ocupações e a carrear 8 bilhões de dólares em divisas.

Neste contexto, o mercado nacional de hotelaria e turismo é responsável por 4% do Produto Interno Bruto nacional, com faturamento anual de R$ 53 bilhões e potencial de R$ 221 bilhões nos próximos dez anos.

E mais ainda, no que é pertinente à geração de novos empregos, indica a Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR) que, enquanto na indústria automobilística, por exemplo, são necessários investimentos da ordem de R$ 170 mil para gerar um único emprego, no turismo basta necessários apenas R$ 40 mil.

Desse modo, a cobrança de direitos autorais pela disponibilização de equipamentos de som e imagem em meios de hospedagem extrapola a simples exegese subjetiva de dispositivos da Lei nº 9.610/1998 para desaguar no campo do interesse social da matéria: geração de empregos em um País de Desempregados.

Nem se argumente com o prejuízo financeiro para os titulares de criações artísticas ou mesmo a negativa da proteção constitucional dos direitos autorais, posto que os criadores das obras litero-musicais e de fonogramas já recebem sua retribuição autoral das emissoras de rádio, dos canais de televisão e da vendagem de suas composições.

Trata-se, antes, de privilegiar o interesse social, posto que, na dicção do artigo 5º, da Lei de Introdução do Código Civil, “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.