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Desjudicialização dos conflitos

30 de junho de 2017

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1. Introdução

Face a crescente judicialização dos conflitos, ocorrida ao longo do século XX, com a proteção a novos direitos, aqui no Brasil mais realçada ainda com o advento da Constituição Federal de 1988, tivemos o fortalecimento do Poder Judiciário, tornando-o peça por demais requisitada na necessária pacificação dos conflitos sociais então advindos. Tal fenômeno de grande e positiva repercussão na sociedade brasileira, por possibilitar o pleno exercício da cidadania por um número maior de cidadãos, por outro lado, veio a atravancar ainda mais o já atravancado Poder Judiciário, quase que tornando nula a sua atuação na pacificação dos conflitos.

Como “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito” (atual CPC, art. 3o), isto que é corolário da regra constitucional prevista no art. 5o, inc. XXXV, no sentido de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”; como o Estado há de garantir tal acesso do cidadão, não só através da melhoria nos serviços judiciais, mas também nos da Defensoria Pública, do Ministério Público e de outros órgãos que interagem com o Poder Judiciário, como vem tentando fazer; e como a sociedade passou a achar que o Judiciário poderia resolver tudo, o número de conflitos foi se avolumando de tal maneira que a morosidade nas decisões judiciais, logicamente, tornou-se cada vez maior. Em síntese, teve-se o acesso à justiça facilitado, mas não se teve a justiça efetivada.

Esta situação tornou-se insuportável. Passou-se, então, a procurar um novo enfoque para tentar alcançar a justiça desejável, com a utilização de métodos alternativos, visando uma resolução mais rápida dos conflitos e um consequente enxugamento da máquina judiciária emperrada.

 

  1. Primeiros ensaios da desjudicialização

Com tal objetivo, o pensamento dos profissionais do direito se voltou para a desjudicialização, ou seja, tirar do Judiciário e delegar aos próprios cidadãos a efetivação da justiça. Os primeiros movimentos se deram no estímulo a novas formas para a solução de determinados conflitos de interesses de mais fácil solução, desde que as pessoas envolvidas fossem juridicamente capazes e desde que os conflitos tivessem por objeto direitos disponíveis, declinando práticas antes privativas do Judiciário para a esfera extrajudicial, principalmente naquelas hipóteses em que não havia pretensões resistidas, quais sejam nos procedimentos ditos de jurisdição voluntária.

É sabido que o método mais rápido para a solução de qualquer desacordo é através do respectivo acordo, mormente se feito pela simples negociação, aquele entendimento entre os próprios interessados, sem a interveniência de qualquer outra pessoa, principalmente porque os ônus, inclusive financeiros, são bem menores. Várias situações da vida podem assim ser resolvidas sem a interferência de um terceiro, a não ser a do advogado para dar ao acordo a que chegaram os interessados os termos jurídicos devidos.

Assim sendo, a lei passou a indicar diversos caminhos extrajudiciais para os cidadãos darem fim a situações que, antes, necessitavam da interferência judicial. Era o início da desjudicialização. Começamos com os procedimentos de jurisdição voluntária. Por exemplo, o inventário e a partilha passaram a poder ser feitos extrajudicialmente, no caso de todos os interessados serem capazes e não havendo testamento. Assim foi previsto em legislação especial (Lei no 11.441/2007) e mantido pelo estatuto processual vigente, em seu art. 610. Basta comparecer a um cartório de notas e lavrar uma escritura perante o tabelião.

De igual modo com relação ao divórcio consensual, à separação consensual e à extinção consensual da união estável, que também podem ser feitos por simples escritura pública (também objeto da legislação especial acima referida, mantido pelo atual art. 733, NCPC), inclusive quanto à partilha de bens. Registre-se que nestes casos, bem como nos de inventário e partilha, o estatuto processual reza ser imprescindível a presença de advogado ou defensor público, comum ou de cada um dos interessados, assistindo-os, os quais deverão assinar o ato notarial.

Novidade do novo estatuto processual, o art. 571 prevê a demarcação e divisão de terras particulares também por simples escritura pública, desde que maiores, capazes e concordes todos os interessados. O que antes era um processo judicial bastante demorado, hoje pode resolver-se em dias.

Apesar de não retratarem procedimentos de jurisdição voluntária, temos outras hipóteses que também podem ser resolvidas extrajudicialmente, por dispensarem a ida inicial ao Judiciário. A consignação em pagamento é um exemplo. O art. 539, NCPC, ratificando procedimento antes já existente, desde a Lei 8.951/1994, permite o depósito de dinheiro em estabelecimento bancário, antes do ajuizamento da ação respectiva. Se o credor aceitar o valor ofertado ou quedar-se inerte no prazo fixado, considerar-se-á quitada a obrigação, sem necessidade de qualquer procedimento judicial.

O art. 213, da Lei de Reg. Públicos, com a redação da Lei 10.931/2004, prevê a retificação do registro imobiliário sem o expresso assentimento dos confrontantes, desde que estes sejam devidamente cientificados pelo Oficial do Registro. Não havendo qualquer impugnação, resolve-se a retificação. Só em caso contrário é que o litígio será levado ao Juízo de Registros Públicos.

O mesmo diploma legal (art. 216-A, com redação do NCPC, art. 1.071), inovou no que diz respeito à usucapião, que pode ser requerida, agora, através de advogado, diretamente ao Oficial do Registro de Imóveis onde se localiza o imóvel usucapiendo. Foi criada, assim, a usucapião extrajudicial, visando agilizar o seu reconhecimento naqueles casos em que é possível fazê-lo sem necessidade de discussão judicial.

Por seu turno, a Lei 9.514/1997 prevê a alienação fiduciária de coisa imóvel, com a consolidação da propriedade em nome do fiduciário, em caso de inadimplência do fiduciante, por simples averbação no cartório imobiliário (art. 26, com a redação da Lei 10.931/2004).

Acresça-se a Lei 11.101/2005, que dispõe sobre a recuperação judicial e extrajudicial e que substitui o instituto da concordata por um mecanismo flexível viabilizando a recuperação da empresa mediante processo de negociação de um plano aprovado pelos credores e levado ao juiz para mera homologação.

  1. As agências reguladoras

Sem afirmar que tenham sido criadas com o objetivo específico de desafogar o Judiciário, mas que também poderiam servir de apoio à desjudicialização dos conflitos, podemos citar as agências reguladoras.

Em virtude do programa de desestatização ou privatização, quando os serviços essenciais, de competência estatal (telefonia, energia elétrica, água e até saúde), foram sendo delegados ao particular, fez-se necessária a criação de tais órgãos para auxiliar o Estado no exercício da sua função de regular e fiscalizar o cumprimento da legislação de cada setor específico, com o objetivo de verificar a obediência das concessionárias aos preceitos normativos.

As agências reguladoras, tais como ANATEL, ANEEL, ANA, ANS, ANAC etc têm natureza jurídica de autarquia especial, com personalidade jurídica de direito público, com poder não só de fiscalização, mas também quase jurisdicionais, a procura de soluções para resolver os conflitos que envolvam falhas na prestação dos serviços concedidos, inclusive com a aplicação de sanções.

Anote-se que as agências reguladoras não foram criadas para solucionar um caso individual, ou seja, litígios envolvendo prestadores de serviços e seus usuários, mas competiria a elas, diante de denúncias recebidas, exigir das concessionárias a melhoria da qualidade dos seus serviços, através de processos administrativos próprios e, dependendo do caso, impor as sanções devidas, como multa ou suspensão temporária dos serviços. Por lógico, tal atuação não estaria livre do controle judicial, diante do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição.

Com certeza, uma atuação mais efetiva das agências ensejaria um melhor serviço das concessionárias, com isto evitando um grande número de litígios judiciais entre estas e usuários. Todavia, infelizmente, assim como tais serviços se mostram deficientes, as agências também não funcionam a contento, diante da sua má estruturação e envolvimento político. E ao não verem seus pleitos atendidos, o usuário-consumidor se volta para o Judiciário, em busca da tutela dos seus direitos, sobrecarregando os tribunais com situações que poderiam ter sido decididas administrativamente.

  1. Os Procons

Assemelhados às agências reguladoras, temos os Procons. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) e do Dec. 2.181/1997, que dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, foram criadas as Procuradorias de Defesa do Consumidor, com o objetivo específico de orientar, proteger e defender permanentemente os consumidores em suas relações de consumo com os fornecedores de bens e serviços, funcionando como um órgão auxiliar do Poder Judiciário na resolução dos conflitos criados.

Dentre suas atividades, previstas na legislação específica, destacamos o comando do processo administrativo surgido por reclamação ofertada pelo consumidor (art. 33, inc. II, Dec. 2.181/1997) e que pode findar com a aplicação de penalidade ao fornecedor e até por um acordo com o consumidor e que, uma vez reduzido a termo, tem força de título executivo. Vale ressaltar que a autoridade administrativa tem poderes legais para convocar o fornecedor (art. 42, da lei de regência), que pode ser para a oferta de defesa ou a busca do um acordo. Só em último caso, haveria o recurso ao Judiciário.

Cabe também aos Procons, em legitimação concorrente (art. 82, inc. II, Lei 8.078/1990), o ajuizamento de ações coletivas, com isto reduzindo o número de demandas judiciais individuais que assoberbam o Judiciário. Mesmo assim, apesar dos reconhecidos esforços, tais Procuradorias também não conseguem atingir os objetivos para os quais foram criadas.

  1. Lei de Arbitragem

Ainda na tentativa de desafogar a justiça e agilizar a finalização dos conflitos, tivemos a edição da Lei 9.307/1996, a chamada Lei de Arbitragem, colocando à disposição dos jurisdicionados uma alternativa não judicial para dirimir seus conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, com promessa de mais celeridade.

Este diploma legal, que permite a composição do litígio por árbitros privados, está fundado na harmonia prévia que se estabelece entre os demandantes, que entabulam no contrato a cláusula compromissória ou, mesmo depois de já surgida a controvérsia, acordam a sua solução pela via arbitral. A decisão proferida tem efeito de coisa julgada (art. 31), só modificável através de anulação pelo Poder Judiciário, ex-vi do art. 33 da lei de regência (ação rescisória de sentença de sentença arbitral).

Como se diz no jargão comum, esta opção colocada à disposição do jurisdicionado “não pegou”, principalmente em relação à grande massa consumidora, maior cliente do Judiciário, diante da vedação do art. 51, inc. VII, do CDC. Muito poucos fazem uso da Lei de Arbitragem, e estes poucos quase sempre são pessoas jurídicas litigando entre si.

  1. Lei dos Juizados Especiais

Outro estatuto legal tendente a desafogar o Judiciário foi a Lei 9.099/1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, permitindo, na área cível, em causas de menor valor, o comparecimento do cidadão em juízo desacompanhado de advogado, sem pagamento de custas e na presença, inicialmente, de juízes leigos ou conciliadores.

Esta legislação, a meu ver, tornou a emenda pior do que o soneto. Com efeito, a Lei dos Juizados Especiais abriu um leque tão grande de oportunidades que desencadeou uma enxurrada de ações por qualquer pequena desavença entre fornecedores e consumidores, entre vizinhos ou entre pessoas que se relacionavam momentaneamente, desavenças estas que poderiam ser resolvidas com um simples diálogo, mas que ensejaram o abuso do direito de ação, capitaneado por cidadãos sem escrúpulos, que até criavam situações específicas para a propositura de uma ação judicial, com o único intuito de “arrumar um troco”.

De nada adiantava a multa por litigância de má-fé que passou a lhes ser aplicada porque, normalmente, tais pessoas não tinham a mínima condição financeira para garantir o seu pagamento. Eram insolventes mesmo, ou até se valiam da morosidade da justiça para que a punição não seguisse adiante.

Tal onda beligerante deu ensejo à chamada indústria do dano moral” que, a cada dia, diante do seu próspero crescimento, encorajava os cidadãos a pleitearem indenizações as mais absurdas, por razões mais absurdas ainda. O número de processos só aumentou e o Judiciário mais ficou congestionado.

  1. O congestionamento atual

Chegou-se à atual fase de congestionamento brutal do Poder Judiciário. Com isso, a morosidade na solução dos conflitos só fez aumentar a ineficiência da justiça, tornando mais urgente a necessidade de algo ser feito para mudar nosso sistema processual, pois, conforme célebre frase de RUI BARBOSA, “justiça tardia não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”.

Mormente diante da regra constitucional do art. 5o, inc. LXXVIII, incluindo como fundamental o direito à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Isto que a Carta Magna garante está refletido no art. 4o, do NCPC: “As partes têm o direito de obter no prazo razoável a solução do mérito, incluída a atividade satisfativa”. Com efeito, só assegurar o ingresso do cidadão em juízo não é o suficiente. Mais importante é que o seu processo seja resolvido em tempo hábil e a decisão tenha cumprimento efetivo.

Infelizmente, a realidade é outra. Segundo recente relatório do CNJ, a cada 10 novos processos ajuizados por ano, apenas 3 antigos são resolvidos, existindo uma pendência de 100 milhões de feitos na Justiça Nacional. Além disto, aqueles resolvidos, nem sempre agradam aos “vencedores”, ainda mais quando a vitória é parcial. A insatisfação permanece tanto para quem “ganhou”, como para quem “perdeu”.

  1. O NCPC e a Lei de Mediação

Enfim, surgiram o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) e a legislação que dispõe especificamente sobre a mediação (Lei 13.140/2015), colocando à disposição dos interessados métodos alternativos de solução de conflitos, cabendo ressaltar que o NCPC, de maneira clara e indiscutível, veio a assumir compromisso efetivo com a solução pacífica das controvérsias, objetivando dar tratamento adequado aos conflitos de interesse, daí que o profissional do direito deve prestigiar tal política adotada pelo novel estatuto processual.

Induvidoso que a melhor maneira de solucionar um conflito é através da negociação entre os próprios interessados. Mas isso nem sempre é possível, havendo casos da necessidade de uma outra pessoa para facilitar tal negociação. Quando surge este terceiro para se tentar chegar ao acordo, temos duas situações: a mediação, com a intervenção do chamado mediador, sem que este possa dar qualquer opinião sobre possíveis soluções para o conflito; ou a conciliação, em que intervém a figura do conciliador, este com o poder de opinar. Como visto, as figuras do mediador e do conciliador se diferenciam.

O mediador tem uma atuação passiva: não lhe é lícito oferecer opções de acordo, buscando antes recuperar o diálogo que teria havido entre os participantes, antes de surgir o conflito. O acordo não parece ser o objetivo principal na mediação, mas sim tentar absorver os interesses dos participantes (as suas preocupações, as suas necessidades, os seus desejos), que se encontram por trás das posições expostas por cada um, e calcado nesses interesses, tentar com que eles cheguem a um acordo com benefícios mútuos. Prepondera o subjetivismo.

Já o conciliador tem atuação mais ativa, mais objetiva, concentrando-se no conflito em si e oferecendo alternativas para uma transação, discutindo as opções das partes e, muitas vezes, até forçando um acordo, apesar de ser “vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem” (NCPC, art. 165, § 2o). O conciliador trabalha apenas com as posições externadas pelas partes sem se importar com detalhes subjetivos.

Por isso que a mediação é recomendada para litígios oriundos de relação continuada ou de trato sucessivo e que, por certo, poderão perdurar no tempo (casos de família, sucessões, vizinhança, sociedade – NCPC, art. 165, § 3o), enquanto a conciliação se adequa mais a relações ditas descartáveis (art. 165, § 2o).

  1. A mediação. Conceito e relevância

A Lei 13.140/2015, em seu art. 1o – par. único, conceitua a mediação como sendo “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.

HUMBERTO DALLA BERNARDINA DE PINHO (Direito em Debate: da teoria à prática, AMPERJ, 2015, pág. 104), entende “a mediação como o processo por meio do qual os litigantes buscam o auxílio de um terceiro imparcial que irá contribuir na busca pela resolução do conflito”.

Em síntese, podemos dizer que a mediação é um método autocompositivo de resolução de conflitos, que conta com a interferência imparcial de um terceiro, o mediador, na tentativa de facilitar o diálogo entre as pessoas em conflito, a fim de levá-las a uma conversa sincera e com espírito colaborativo, na busca de uma solução que traga benefício e satisfação mútuos e duradouros para ambas.

Os arts. 166, do NCPC e 2o, da Lei de Mediação, estabelecem princípios informativos da conciliação e mediação, que são os da independência e da imparcialidade do mediador; os da autonomia da vontade, da isonomia e da boa-fé das partes; os da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada, que dizem respeito ao procedimento e, por fim, o princípio geral da busca do consenso.

Destes princípios, destacam-se alguns detalhes que reputamos importantes. Quanto ao mediador, ele foi equiparado a auxiliar da justiça (NCPC, art. 149), daí que está sujeito aos mesmos motivos de impedimento e suspeição aplicados ao juiz (NCPC, art. 148 e Lei 13.140/2015, art. 5o). No que diz respeito às partes, o princípio da autonomia da vontade faculta que a qualquer momento ela interrompa e desista da mediação (art. 2o, § 2o, da lei de regência).

Quanto à informalidade, não existem regras preestabelecidas. O mediador e os mediandos têm liberdade para formatar o procedimento, havendo apenas que respeitar os demais princípios que orientam o instituto. O art. 166, § 4o, NCPC, é bem claro nesse sentido. O mesmo se diga quanto à oralidade; somente ao final de todo o procedimento será lavrado um termo (NCPC, art. 334, § 11 e Lei 13.140/2015, art. 20).

A confidencialidade é outro princípio que merece destaque. A mediação é um procedimento sigiloso (NCPC, art. 166 e Lei 13.140/2015, arts. 30 e 31), seja em relação ao mediador, aos mediandos, aos advogados e a todos aqueles que, por qualquer motivo, participam da sessão de mediação. Por este motivo, o juiz não pode funcionar como mediador em um processo que esteja sob sua jurisdição, pois seria difícil para ele não usar de fato relevante de que tenha tomado ciência, em eventual sentença, mesmo que de forma inconsciente e sem fazer referência expressa no julgado.

Ressaltando a relevância que o NCPC deu à mediação e o compromisso com a resolução consensual dos conflitos, temos que ele estimula a tentativa de acordo “sempre que possível” e “inclusive no curso do processo judicial”, conforme §§ 2o e 3o, do art. 3o. Mais reforçando tal compromisso dada à solução consensual de conflitos, o NCPC prevê que todo processo ajuizado há de começar com a audiência de conciliação ou mediação (art. 334, caput e parágrafos), cabendo ressaltar que o não comparecimento de qualquer das partes, sem justificativa, é considerado ato atentatório à dignidade da justiça, sujeitando o faltoso a multa em favor do erário.

Mais ainda: os arts. 694 e 695, NCPC, maximizam a busca de soluções alternativas para os conflitos na área familiar, sendo que o primeiro dos dispositivos citado é bastante claro ao estatuir que “nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia”, entendendo alguns juristas até que, nestes casos, as partes não podem recusar a reunião preliminar, como é facultado pelo art. 334, do estatuto processual.

As partes também não podem recusar a reunião preliminar de mediação quando houver cláusula contratual de mediação. Tal convenção representa obrigação válida e eficaz e torna-se pré-requisito para a tramitação normal do processo judicial (art. 2o, § 1o, Lei 13.140/2015).

Procurando facilitar ao máximo a solução do conflito através do consenso, o art. 46, da Lei 13.140/2015 faculta a sessão de mediação via internet ou por outro meio de comunicação, desde que as partes estejam de acordo, inclusive sendo uma das partes domiciliada no exterior.

A preocupação com medidas alternativas de solução de conflitos fica mais visível com a determinação do legislador para a criação de centros específicos e câmaras de mediação e conciliação, evidenciando o empenho em evitar que as demandas cheguem ao Judiciário, conforme se vê nos arts. 165 e 174, NCPC e 24 e 32, Lei 13.140/2015.

A legislação admite ainda mediação envolvendo órgão público, a teor do art. 174, NCPC, ratificado pelo art. 32, da Lei 13.140/2015, quando faculta a criação de câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo.

  1. Considerações finais

Tem-se, assim, que não faltam caminhos que nos podem levar a uma desjudicialização dos conflitos. Porém, para adotarmos estes paradigmas, que não são tão novos, necessário, em primeiro lugar, afastar a noção de vencedor e vencido, mudando a cultura do cidadão brasileiro, no sentido de se conscientizar de que numa disputa judicial não existe vencedor, pois ambos saem perdedores, pelo tempo perdido, pelo dinheiro gasto, pelo desgaste emocional suportado, pelas frustrações etc.

A cultura de pacificação é bem melhor do que a do conflito para se chegar a um resultado que seja satisfatório para as partes interessadas. Com o afastamento da adversidade em uma disputa judicial, levando os envolvidos a se verem como interessados numa solução que venha efetivamente encerrar o litígio, com benefícios mútuos, sem deixar vencedor ou vencido, ou como se diz, deixando de lado o perde-ganha e visando apenas o ganha-ganha, teremos não só uma grande oportunidade de desafogar o Poder Judiciário, mas também de trazer pacificação mais célere à sociedade, como exige a regra constitucional.

É certo que não temos a cultura da mediação. Desde a infância somos estimulados a competir, o que dificulta que a mediação tenha um desenvolvimento e uma aceitação no Brasil tão rápida quanto se deseja. Porém, nada impede que se continue lutando para que tal aconteça, buscando afastar o espírito competitivo dos interessados e substituindo-o pelo espírito de colaboração, principalmente nas relações continuadas, em que os ganhos são muito maiores para ambos os participantes da relação.

Aliás, o NCPC, no art. 6o, trata de forma expressa da colaboração entre os sujeitos do processo, dizendo que se trata de um dever colaborar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, uma decisão justa e efetiva. Este espírito de colaboração exigido pelo estatuto processual no processo litigioso é uma das maneiras de não ficar sujeito à imposição de uma sentença pelo estado-juiz, já que da colaboração mútua pode até sair uma composição entre as partes.

Outrossim, necessário para que a desjudicialização vença esta batalha contra a cultura do conflito, a colaboração efetiva dos Senhores Advogados e Defensores Públicos, peças importantíssimas para mostrar a seus assistidos os benefícios de colocarem os interesses em primeiro lugar e não as suas posições, pois atrás destas há sempre interesses que podem ser comuns. Diferentemente do que ocorre no processo adversarial, a postura do advogado e do defensor deve ser colaborativa, assessorando os seus assistidos e garantindo que eles estão bem informados de seus direitos e da melhor alternativa para um acordo.

Neste ponto cabe ressaltar a nova diretriz do Código de Ética e Disciplina da OAB (Resolução no 2/2015), procurando incentivar e valorizar a atuação do advogado na solução dos conflitos de forma pacífica, ao estatuir no art. 48, § 5o que “é vedado, em qualquer hipótese, a diminuição dos honorários contratados em decorrência da solução do litígio por qualquer mecanismo adequado de solução extrajudicial”. Ou seja, o advogado não deve ver somente o litígio como o melhor meio de justificar seus honorários.

Aliás, em virtude do dispositivo acima citado, o Conselho Nacional de Justiça acrescentou um parágrafo único ao art. 4o do Código de Ética dos Conciliadores e Mediadores Judiciais (Resolução no 125/2010), com o seguinte teor: “O mediador/conciliador deve, preferencialmente no início da sessão inicial de mediação/conciliação, proporcionar ambiente adequado para que advogados atendam o disposto no art. 48 § 5o do Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil”. Isto é, antes da sessão, deve ser indagado se as partes e seus advogados já definiram a verba honorária para o caso de haver conciliação.

De igual modo, importante será a participação dos membros do Ministério Público, não só naqueles processos em que o órgão funciona como parte, mas também como fiscal da lei, dando sua colaboração efetiva para o ato conciliatório, isto que é estimulado pela Resolução no 118/2014, do CNMP.

Será preciso, enfim, que os próprios juízes se conscientizem da necessidade de utilizar a mediação como meio de solucionar os conflitos que chegam à sua mesa de trabalho. A maioria dos magistrados também ainda não tem a cultura da conciliação e muitos entendem que seria perda de tempo ter uma conversa mais demorada com os litigantes. Estão até desconsiderando o art. 334, do NCPC…

Tudo se resume mesmo a uma questão cultural e que só será afastada com o tempo e com uma nova mentalidade. Para isso é imprescindível que, desde criança, já seja ensinado que o espírito adversarial e de resistência à colaboração não é o melhor caminho para resolver os conflitos que surgem no dia a dia. E que a técnica da mediação seja matéria específica nas grades curriculares do curso de direito, a fim de que os estudantes já saiam da faculdade com um espírito mais colaborativo e menos competitivo e, portanto, melhor preparados para a busca de um acordo para o seu cliente.

O avanço do processo civilizatório da humanidade vem trazendo marcantes modificações nos critérios que orientam a solução dos conflitos em todo o mundo, os quais, no dizer do Min. LUIZ FELIPE SALOMÃO, passaram do poder ao direito (força/autotutela para a tutela jurisdicional) e, no futuro, tendem a passar do direito aos interesses (tutela jurisdicional à autocomposição).

Com isso, além de desafogar o Judiciário, também teremos um ganho para a sociedade como um todo, pois além de minorar o tempo de solução dos eventuais conflitos, todos os envolvidos sairão ganhando com a pacificação cooperativa, que é infinitamente melhor do que a pacificação imposta pelo juiz, em que uma das partes sempre sai insatisfeita. A justiça consensual é a que, realmente, permite a solução mais rápida do conflito e atende melhor os reais interesses das partes.