Desafios da Administração Pública em face das novas tecnologias e da Lei Geral de Proteção de Dados

22 de junho de 2021

Augusto Mèlo Procurador do Estado de Sergipe

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A construção de uma nova Administração Pública desafia os gestores públicos diariamente, principalmente quando as demandas sociais aumentam em virtude do aumento populacional e de outros fatores, como a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico.

A atividade administrativa realizada preponderantemente pelo Poder Executivo, também se realiza em todos os demais Poderes do Estado e demais órgãos previstos constitucionalmente na estrutura do Estado, como ente federativo, ainda que não sejam preponderantes, como é o caso da atividade legislativa, judicial, e a realizada pelo Ministério Público.

Nesse cenário de desenvolvimento tecnológico, após a instituição de uma nova ordem política de viés democrático, a partir da promulgação da Constituição em 1988, podem ser referenciados alguns princípios jurídicos do ordenamento pátrio que, da perspectiva jurídica, passaram a nortear a atuação dos Poderes do Estado. Em uma ordem não necessariamente de importância, mas pertinentes à proposta desta nota técnica, tem-se os seguintes princípios constitucionais: legalidade, publicidade, eficiência, finalidade, transparência, dignidade humana e, o mais recente a ser incluído na Constituição, o da proteção dos dados pessoais, dentre outros chamados de setoriais, porque previstos nas leis que trazem normas que contém tais princípios.

Oportuno mencionar que a questão da tecnologia da informação, do tratamento dos dados pessoais e da sua devida proteção, nos termos da Lei Geral de Tratamento de Dados (LGPD), deverá estar na rotina dos atos administrativos realizados pelos Poderes do Estado e demais órgãos previstos constitucionalmente na estrutura estatal, desafiando a construção de uma nova cultura administrativa, com procedimentos administrativos e processos estatais no seu sentido mais amplo, e adequados ao micro sistema de leis que regem a matéria, mediante a utilização de sistemas nos quais a tecnologia da informação é a principal ferramenta.

Segundo o que prevê a LGPD, os órgãos da estrutura administrativa do Estado realizam tratamento de dados pessoais, variando somente na quantidade e qualidade dos dados pessoais tratados. Com efeito, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais desafia a Administração Pública a implementar novas práticas, visando o cumprimento de novas regras, diante de um novo sistema protetivo, porque está previsto também a inclusão desse direito como fundamental mediante a PEC nº 17/2019 (já aprovada no Senado Federal, pendente de aprovação pelo Plenário da Câmara dos Deputados), a qual altera a Constituição da República e inclui a proteção de dados pessoais entre os direitos e garantias fundamentais.

A LGPD regula o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, seja feito por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, e objetiva proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. Tem como fundamentos: a) o respeito à privacidade; b) a autodeterminação informativa; c) a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião; d) a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem; e) o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação; f) a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e g) os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.

O conceito legal de tratamento de dados pessoais, segundo a LGPD, é bem abrangente, de maneira que essa questão deve ter a atenção de todos os órgãos de cada ente federativo, porque há na referida Lei um capítulo exclusivo para o Poder Público que, apesar de não estar sujeito, a princípio, às sanções pecuniárias previstas, está a outras não menos gravosas para as atividades estatais, além das decorrentes da responsabilidade civil e geral.

Nesse contexto, é importante destacar trecho do parecer final contido no projeto de lei que resultou na LGPD: “O nível de avanço tecnológico a que a humanidade chegou permite o processamento massivo de dados, baseado em tecnologia digital avançada. E esse processamento já ocorre com base em inteligência artificial e algoritmos complexos, capazes de, por um lado, facilitar o processo produtivo de tomada de decisões empresariais, e, por outro lado, afetar a vida do cidadão.”

Assim, o cenário que se mostra é que as práticas atuais de fluxo de dados pessoais nos sistemas dos órgãos públicos, por meio da Internet, precisam ser adaptadas ao que regula a LGPD, sob pena de o Poder Público ser responsabilizado por dano patrimonial ou moral, individual ou coletivo, conforme prevê o ordenamento.

Diante desse panorama, oportuno também ressaltar que os direitos à privacidade junto com a proteção da intimidade e o direito de informação e comunicação do indivíduo estão em situações fronteiriças de possíveis conflitos, a depender de cada caso. Em face desse cenário, a questão de segurança da informação deve ser tônica das preocupações.

A propósito do tema da segurança no tratamento dos dados pessoais, bem como as boas práticas e governança, a Lei prevê que “os agentes de tratamento devem adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito.” Com efeito, a Administração Pública em geral está diante de um novo e grande desafio. É preciso perceber que se faz necessário implementar uma nova política pública de proteção de dados pessoais.

Portanto, já foi inaugurado um novo cenário no ordenamento pátrio, no qual os órgãos responsáveis pelo tratamento de dados pessoais precisam estar familiarizados e adequados às regras recém estabelecidas, bem como estar estruturados para atender ao que estabelece a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.