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Dano Moral – Arbitramento diferenciado para pagamento e recebimento

5 de janeiro de 2002

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A questão pertinente ao dano moral, desde sua criação, vem açodando a mente dos juristas, principalmente no que diz respeito ao justo valor do seu arbitramento, e, ate o presente momento, não existem regras objetivas para tal.

Varias são as ideias, porém nenhuma conclusiva, em fornecer padrões objetivos que pudessem dar aos julgadores a dimensão do absolutamente justo em seu arbitramento.

Hoje já se fala em valorar, de forma padronizada, a indenização por dano moral, ou seja, para o mesmo tipo de comportamento reprovável, idêntica indenização. Entretanto tal solução não e condizente com o atual estágio de evolução social, pois nos colocaria em igualdade aos romanos antigos, onde os ricos senhores saiam a rua, com seu criado e o alforje pleno de dinheiro, praticando atos reprováveis e indenizando as vitimas logo após sua pratica. Uma bofetada tinha seu preço.

Assim, continua difícil o arbitramento da indenização devida, aquele que sofreu um dano de natureza moral.

Tal arbitramento torna-se ainda mais complexo porque existem dois elementos, que devem ser atendidos, quando de sua estipulação pelo juiz. O primeiro diz respeito a quantificação da indenização relativa ao dano moral propriamente dito, existente quando ocorre sofrimento, dor, angustia, humilhação e vexame. O segundo, e a reprimenda, verdadeira pena imposta ao faltoso, para corrigi-lo, educá-lo, evitando que novas condutas, socialmente indesejáveis, venham por ele a ser cometidas.

Pelo segundo elemento, considerando as pessoas do ofendido e do ofensor, a condição socioeconômica dos mesmos, e arbitrado, finalmente, o valor da indenização a ser paga. Leva-se também em consideração, para atender a este segundo elemento, a eficácia que terá a condenação pecuniária, como corretiva, face o poderio econômico do réu, de tal sorte que, muitas vezes, fica o julgador diante do dilema: se arbitra em valor alto, segundo a capacidade econômica do réu, para que a medida seja eficaz, estará enriquecendo ilicitamente o autor, e, alem do mais, incentivando a chamada “industria do dano moral”. Se arbitra em valor menor, condizente apenas com o dano moral sofrido, não atinge a condenação seu objetivo correicional-preventivo.

Este mais um fator de dificuldade no arbitramento do dano moral, alem daquele anteriormente referido, de quantificar-se de forma justa o sofrimento, angustia, etc.

Desta forma, considerando que, na maioria das ações movidas, objetivando o ressarcimento por dano moral, temos partes absolutamente distantes, em termos socioeconômicos, devemos dar-lhes tratamento diferenciado, na proporção de suas diferenças, porque senão estaremos sendo injustos.

Ocorre, que o comportamento punível não o é apenas em função daquele que sofreu o dano próximo, porem em relação a toda a sociedade, ate porque, se não fosse socialmente indesejável tal comportamento, não seria punido, nem o autor estaria legitimado para promover a ação, objetivando o ressarcimento. Quando alguém sofre um ate que caracterize a existência de dano moral, todos sofrem com ele. Se o ate e daqueles que obriga a um maior numero de demandas para sua reparação, atravancando o Judiciário e impedindo que o cidadão comum possa obter uma prestação jurisdicional mais rápida, estará, certamente, agredindo a toda a sociedade. Se daqueles que obrigam a um maior atendimento hospitalar, idem, e assim por diante. Alem do mais, todo cidadão que presencia agressões caracterizadoras do dano moral, perpetradas contra outrem, também sofre, e deve ser indenizado, talvez não individualmente (esta questão deve ser tema de outro estudo), porem, sem duvida, coletivamente.

Ha pouco tempo, li em revista especializada em automobilismo, que certa montadora internacional de grande porte deixou de comunicar, a compradores de seus produtos (automóveis), a existência de defeito grave, que punha em risco a vida dos mesmos, o que deveria ter sido feito, convocando tais consumidores para a troca da peça avariada. E assim agiu porque o valor total da troca (recall) seria astronômico, e seus conselheiros econômicos entenderam que seria mais barato indenizar as vitimas que ingressassem em juízo e conseguissem provar o nexo causal do acidente com a peça, do que fazer a substituição da mesma indistintamente. Verdadeira agressão social e total desrespeito ao consumidor, fazendo com que todos os cidadãos sejam obrigados a pagar por seu ate indigno, pois a justiça e os hospitais deverão atender aqueles que sofrerem acidentes, prejudicando aos demais, e isso sem considerarmos o sofrimento de se tomar conhecimento da existência de vitimas humanas, o que teria sido evitado se outro fosse o comportamento do ofensor. Todo individuo sofre, ao ver seu semelhante sofrer. O recente episódio terrorista, sofrido pelos Estados Unidos da America do Norte, da a exata dimensão do que ora é dito.

É claro que, em comportamentos como tais, o juiz não fixa os danos morais em valores muito elevados, pelo menos não no valor que realmente deveria, principalmente quando são eles cumulados com outras verbas indenizatórias, de natureza diversa.

Desta forma, aqueles que insistem na pratica de atos lesivos, que redundam na condenação a indenização por dano moral, permanecem reincidindo, sem que haja uma reprimenda a altura. E como que o retorno a Roma antiga. Mais vale pagar o ínfimo valor da condenação do que modificar o comportamento. Consideram que a Justiça não permitira a existência, nem incentivara, a industria do dano moral. Consideram, também, que não será chancelado o enriquecimento sem causa, abominado pelo direito pátrio. Por tais razoes, ínfima e a preocupação dos infratores, no que diz respeito a quantificação do dano moral puro.

Para eles, o problema passa a ser de custo/beneficio.

Para tal problema, no entanto, existe uma solução, a qual, se adotada, após as devidas correções, além de facilitar a quantificação do dano moral, coibira a continuidade da pratica destes indesejáveis atos, mantendo estável a quantitativa das demandas que objetivam ressarcimento por dano moral, evitando a proliferação de aventuras judiciais e afastando o temor do enriquecimento sem causa.

Considerando a desigualdade socioeconômica das partes envolvidas, principalmente quando se tratar o ofensor de pessoas jurídicas, e em especial aquelas que exercem atividades concedidas ou permitidas, e tão somente necessária que o valor da indenização a ser pago pelo ofensor não seja idêntica aquela que deve ser recebida pela ofendida.

Aquele que praticasse a ato reprovável, ensejador de indenização por dano moral, fosse pessoa natural (física) ou jurídica, em exacerbada diferença socioeconômica com a ofendida, indenizaria a este no valor entendido como justa pelo juiz, e a sociedade, também ofendida, em valor da mesma forma ajustado pelo julgador e não necessariamente idênticos. A condenação seria (mica, e a total da verba indenizatória então repartida. A ofendida receberia sua parte e a outra seria depositada em um fundo, controlado pelo Poder Judiciário, que a destinaria a entidades estaduais diversas, tais como órgãos de assistência a infância, velhice, custeio de ensino a carentes ou assemelhados.

Esta segunda parte da condenação, de caráter punitivo/preventivo (que renomados juristas admitem existir nas condenações por dano moral), teria seu valor arbitrado levando a juiz em consideração, alem dos fatores antes referidos, a reiteração do ofensor na pratica de atos condenáveis, a que é fácil de ser apurado, a exemplo do que já acontece no Estado do Rio de Janeiro, relativamente as ações promovidas nos juizados especiais cíveis, onde é publicado, no órgão Oficial (D.O.), a quantitativa das ações pro pastas, por infração dos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, em face do mesmo réu.

Nada obstaria que tal procedimento fosse adotado, com relação aqueles que fossem condenados a indenizar por cometimento de dano moral e com decisão transitada em julgado. Poder-se-ia, inclusive, verificar a variação do quantitativa de tais ações, a partir da aplicação das medidas ora preconizadas, a que forneceria a exata dimensão do problema e acerto dos valores das condenações, que poderiam, com base em tais dados, ser ajustados a verdadeira realidade social das agressões de natureza moral.

Desta forma estariam sendo evitados a enriquecimento sem causa e a industria do dano moral. O dilema da sua quantificação, com a objetivo de evitar tal problemática, estaria também resolvido.

É claro que o problema relativo a quantificação total do dano moral puro continuara a existir, enquanto não forem encontrados (se é que poderão ser algum dia para metros objetivos para tal, porem, aqueles outros problemas, antes referidos, estarão resolvidos, e com grande vantagem social.

Quantos membros da sociedade deverão sofrer com a pratica de atos ensejadores de indenização por dano moral, ate que o ofensor resolva parar?

Dizem as processualistas que a presente teoria e inviável, face a ilegitimidade do terceiro, para receber a indenização, eis que sequer pode fazer parte do processo.

Ouso discordar dessa visão, a meu ver simplista, por duas razoes: a uma, porque tal destinação a terceiro, que não e parte no processo, não e estranha ao nosso direito. Nos juizados especiais criminais já ocorre, ha muito tempo, a fornecimento de cestas básicas a carentes; a prestação de serviços a comunidade, etc., etc., quando realizada a transação penal. São portanto beneficiados terceiros, que não foram parte no processo. A duas, porque, sendo também a sociedade a ofendida, como indubitavelmente o é nestes casos, ilegítima para receber a totalidade da indenização e a parte autora, pelas razoes expostas, principalmente quando o juiz se vê diante de uma situação em que a reprimenda deve ser maior do que a ressarcimento do dano moral ao ofendido. Neste caso, ao exacerbar a valor da condenação, estará enriquecendo sem causa o ofendido, que não e legitimado a receber a quantia correspondente a reprimenda, que e, repetimos, social.

Ressalte-se, por oportuno, que dificilmente a agressor perpetrara a ofensa em face do mesmo ofendido. Então, porque a reprimenda contida na condenação, senão obstáculo a pratica de atos ofensivos a qualquer membro da sociedade?

Assim, existindo sem qualquer duvida interesse social e difuso, a M.P. devera atuar nos feitos desta natureza como custus legis, atuação esta que é da maior importância, como alias o são as atuações do parquet – uma das fantásticas instituições democráticas ­principalmente quando ocorrerem acordos, onde, sem a atuação do M.P., poderá não ser atendido a fim social da medida preconizada.

Ressalte-se ainda que o direito é uno, façamos a distinção e divisão que quisermos, porque ele esta ínsito na criatura humana, e as seus princípios gerais são aplicados a todos os ramos do direito.

Ha necessidade de construirmos, de sairmos do lugar comum, de não ficarmos presos a vetustas formulações jurídicas, em grande parte engessadoras do direito. Se a homem não inovasse, não teria saído da caverna (e aqui não cabe a discussão se teria sido melhor ou não). Devemos ter em mente que a legislador legisla de costas para a sociedade, pois as leis regulam fatos preexistentes (não são os usos e costumes fontes da lei?). Os operadores das ciências exatas projetam para a frente, por isso que as avanços tecnológicos são muito mais rápidos e maiores do que as sociais. As leis, assim concebidas, embasam as decisões judiciais, ficando tudo em descompasso com os anseios sociais. São tais leis, assim criadas, e por tal razão, que propiciam a excessiva duração dos processos judiciais.

Lembremo-nos que no Brasil a destinatário da norma e quem, em grande parte, define sua aplicabilidade. Por isso as chamadas “leis que não pegaram”. Existem mas não são cumpridas. Para constatação do que ora se diz, basta que nos lembremos da própria Constituição da Republica, que não e cumprida (v.g. juros de 1% a.m.).

Não podemos permitir que a processo, enquanto garantia para as jurisdicionados e portanto meio para obter a satisfação de um direito, possa se transformar em fim em si mesmo.

Vemos hoje velhos conceitos processuais serem ultrapassados, de forma salutar e sem qualquer conseqüência danosa para as partes, nos procedimentos dos juizados especiais, fazendo com que haja celeridade, anseio maior da sociedade.

Lançada a questão, cabe aos outros, a discussão mais profunda sobre o tema, inclusive no que diz respeito a necessidade de lei, regulamentadora da tese. Com a palavra portanto.