Edição

Contratos: um debate em busca do equilíbrio

8 de novembro de 2019

Compartilhe:

Fórum Permanente da EMERJ debateu as peculiaridades dos contratos de locação e os aspectos da revisão judicial desses instrumentos de um modo geral.

Em 21 de outubro, a Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) realizou, em seu auditório, o evento “Recuperação Judicial e seus Reflexos nos Contratos das Empresas em Crise”. Reunindo magistrados e outros operadores do Direito, o programa abrangeu dois temas: “Locação em shopping centers e suas peculiaridades” e “Revisão judicial dos contratos e dever de renegociar” – marcando a 137a reunião do Fórum Permanente de Direito Empresarial da EMERJ.

O evento foi aberto pelo desembargador Agostinho Teixeira de Almeida Filho, presidente do Fórum, que apresentou o primeiro palestrante, o advogado Vander Aloísio Giordano, diretor da Multiplan Empreendimentos Imobiliários, e a mesa de debates composta pelo advogado José Ricardo Pereira Lira, presidente da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio de Janeiro (OAB-RJ); o desembargador Gilberto Clóvis Farias Matos, titular da 10a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e o desembargador Antônio Carlos Esteves Torres, vice-presidente do Fórum. “Nosso primeiro palestrante certamente fará uma apresentação muito elucidativa e interessante sobre um tema por vezes desconhecido dos operadores do Direito, mas que deve ser conhecido até para que nós, julgadores, possamos ter elementos para decidir as questões que dizem respeito às empresas em crise”, comentou o desembargador Almeida Filho.

Vander Giordano apresentou um panorama amplo sobre a indústria de shopping centers no Brasil, cujo faturamento foi de quase R$ 180 bilhões em 2018. “Certamente, o setor tem um impacto relevante nas contas públicas e na atividade comercial do País”, comentou. Em todo o território nacional, os 563 shopping centers em funcionamento somam mais de 16 milhões de metros quadrados de área bruta locável, um crescimento de 4,8% em relação ao ano anterior. O setor emprega cerca de 1,1 milhão de pessoas diretamente, além de gerar mais de 3 milhões de vagas de trabalho indiretas. “O setor de comércio e serviços é hoje um grande propulsor na geração de emprego. É uma indústria que tem muito a contribuir para reduzir a taxa de desocupação no País”, pontuou, também acrescentando as mudanças recentes nos shopping centers, que, cada vez mais, agregam facilidades para os consumidores, desde opções de lazer até clínicas para tratamento estético e de saúde, além de apoiarem atividades beneficentes e de cunho social.

Outro aspecto destacado pelo palestrante, é que, em geral, no entorno desses empreendimentos ocorre um desenvolvimento ordenado, pois há uma conexão com a sociedade: a existência do shopping center influencia positivamente as melhorias urbanas ao redor. “Quais são os aspectos jurídicos que norteiam e que estão no dia a dia dessa indústria?”, concluiu com o questionamento, passando a palavra ao palestrante seguinte.

Com a missão de apresentar um histórico da relação entre o empreendedor e o lojista, o advogado José Ricardo Pereira Lira revelou que a indústria de shopping centers representa hoje cerca de 20% do varejo nacional. “São verdadeiros complexos multiuso, onde, no mesmo condomínio, podem conviver um shopping center, uma universidade, uma torre de hotel e conjuntos empresariais. Por isso mesmo é um tipo de empreendimento que demanda uma atividade intensa de construção jurídica”, comentou, lembrando que o tipo de contrato, nesse caso, nem sempre foi pacificamente enquadrado como uma locação.

Segundo ele, havia duas correntes jurídicas que sustentavam, de um lado, ser a relação empreendedor-lojista um contrato de locação e, de outro, simplesmente um contrato atípico. A questão somente foi pacificada a partir de 1991, com a Lei n° 8245, cujo artigo 54 dispõe que “nas relações entre os lojistas e os empreendedores do shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta Lei”. “Este artigo também estabeleceu a liberdade de contratar, ampliando-a na perspectiva das demais locações prediais urbanas, inclusive as residenciais. Na prática, isso implicou um enorme crescimento econômico desta indústria”, declarou o palestrante.

Revisão judicial de contratos

Em mesa que contou com Ana Tereza Palhares Basílio, vice-presidente do Conselho Seccional da OAB/R, e o juiz Marcelo de Almeida Moraes Marinho, titular do 1o Juizado Especial Cível da Barra da Tijuca, como debatedores, o professor e procurador do Estado do Rio de Janeiro Anderson Schreiber abordou o tema “Revisão judicial dos contratos e dever de renegociar”.

Ele começou por declarar que o desequilíbrio nos contratos é um problema que ocupa os juristas desde a Idade Média. “Existem diversas teorias que foram construídas para tentarmos lidar com contratos que se tornam excessivamente desequilibrados, muitas vezes por circunstâncias de cenário que não têm a ver com o comportamento dos contratantes”. Segundo Schreiber, a discussão mais relevante tem haver com o impacto da crise econômica nos contratos, incluindo os imobiliários, e diz respeito ao fato extraordinário imprevisível, que tem se tornado muito frequente na jurisprudência brasileira.

“A imprevisibilidade, de modo geral, é uma noção que pode variar conforme diferentes abordagens daquele tema. Além disso, há certa inconsistência no nosso sistema jurídico em relação a esse tema. Embora o Código Civil exija a imprevisibilidade como requisito para obter a revisão judicial do contrato, há outros campos onde essa revisão pode ser obtida sem a imprevisibilidade”, disse, citando como exemplos o Código de Defesa do Consumidor e a Lei do Inquilinato. “Diante desse cenário, de certa insegurança com relação aos resultados das revisões judiciais de contrato, quero dizer que um caminho interessante é estimular que as próprias partes cheguem a um acordo”, acrescentou Schreiber, concluindo sua apresentação, que foi, então, aberta ao debate.