Considerações sobre o comportamento do consumidor e a tutela estatal diante da publicidade abusiva

8 de abril de 2013

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Diariamente, e há várias décadas, assistimos a campanhas publicitárias de lançamentos de veículos, principalmente aqueles que apelam para o público jovem, onde os motoristas são expostos dirigindo veículos em alta velocidade, seja no trânsito urbano ou em terrenos acidentados, em meio à natureza, porém, em sua quase totalidade, realizando manobras radicais como: derrapagens, saltos etc., de forma a demonstrar o desempenho de determinados veículos, bem como o suposto status que os mesmos potencialmente podem proporcionar aos seus proprietários.

Esse tipo de publicidade mereceu amplo debate na primeira turma de pós-graduação em Direito do Consumidor da Faculdade de Direito da Universidade Estácio de Sá de Juiz de Fora – MG, dividindo opiniões, o que me levou a elaborar o presente artigo, pois penso ser tal tema de suma relevância, levando-se em conta as estatísticas das respectivas autoridades em relação às causas de morte de jovens no trânsito em nosso país.

Numa das aulas do curso acima mencionado, foi indagado ao insigne professor e magistrado do TJRJ, Werson Rego, se esse tipo de publicidade não afronta o disposto no art. 37, § 2º do CDC, que diz o seguinte:

Art. 37 – É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1º – (omissis)

§ 2º – É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança (grifei).

Na oportunidade, o professor ponderou que publicidades dessa natureza não ferem a regra acima transcrita, porquanto geralmente se apresentam em circunstâncias especiais como, por exemplo, a realização de manobras perigosas em locais distantes da área urbana, portanto não oferecendo riscos à coletividade.

Posteriormente, em aula ministrada pelo eminente professor José Geraldo Brito Filomeno, um dos autores do anteprojeto do C.D.C., foi abordada a mesma questão, sendo que este, por sua vez, manifestou-se em sentido contrário, entendendo que tais publicidades atentam contra a segurança do consumidor, lembrando que o dispositivo sob análise não fala em perigo à segurança pública, mas do próprio consumidor, pouco importando se este se encontre no meio de um deserto, ou em uma avenida movimentada, motivo pelo qual grifei a última parte do dispositivo transcrito.

É notória a constância com que jovens vêm se acidentando no trânsito brasileiro, muitas vezes pagando com as próprias vidas, e as estatísticas revelam que a maioria dos casos está relacionada ao excesso de velocidade, à realização dos populares “rachas” e “pegas”, enfim, a comportamentos que nos levam a refletir acerca da influência da publicidade no comportamento do consumidor. Até que ponto anúncios dessa natureza são capazes de induzir aquele a se comportar de forma prejudicial à sua saúde ou segurança?

Para Paulo Valério Dal Pai Moraes o questionamento se resolve à luz dos direitos difusos. Em brilhante palestra proferida no 1º Seminário Internacional de Direito do Consumidor, promovido pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ)[1], o ilustre representante do MP do Estado do Rio Grande do Sul mencionou o caso de veiculação publicitária que se enquadrava na hipótese do art. 37, § 2º. Na oportunidade, narrou que uma consumidora, mãe de uma menina, buscou auxílio junto ao MP, objetivando a proibição de determinado anúncio. Tratava-se de um calçado promovido por uma famosa apresentadora de TV, onde uma criança se dirigia até a cozinha de sua casa, e depositava seu calçado velho no liquidificador, triturando-o, a fim de que sua mãe lhe comprasse um novo par, no caso aquele da propaganda. Depois de instaurado o inquérito civil para a apuração do fato, a mesma senhora que antes havia recorrido ao órgão ministerial procurou o Dr. Paulo Valério, requisitando ao mesmo que desistisse da ação, uma vez que a mentora da publicidade havia lhe oferecido considerável soma em dinheiro para que abandonasse a empreitada. Em resposta o eminente jurista lhe explicou que tal seria impossível, uma vez que se tratava de um direito difuso, ou seja, uma situação onde não é possível determinar quantos consumidores foram atingidos pela publicidade em questão, enfim, pessoas indeterminadas e ligadas por uma circunstância de fato, a teor do que dispõe o art. 81, I, do C.D.C, in verbis:

Art. 81 – A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vitimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – Interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

No caso acima, levou-se em conta que a publicidade se aproveitava da deficiência de julgamento e experiência da criança, que se comportava de forma perigosa à sua segurança, ao fazer uso do liquidificador de forma indevida, não se sabendo quantas crianças foram ou poderiam ser atingidas pelo anúncio.

Note-se, então, que não é necessária a comprovação de um dano efetivo para que determinada publicidade seja tirada de circulação. Basta o simples perigo de que o consumidor venha a se comportar de maneira prejudicial à sua saúde ou segurança para que os legitimados elencados no art. 82 do C.D.C. exerçam a defesa daqueles em juízo. Ademais, recorde-se que o diploma consumerista destina-se não só à defesa do consumidor, mas também à sua proteção (grifei). E ainda, nunca é demais lembrar o que dispõe o art. 5º da LICC:

Art. 5º – Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

É indubitável que o tema de que tratamos aqui é de suma relevância, e comporta ampla discussão, não cabendo, portanto, em um singelo artigo. Trouxemos à baila apenas alguns aspectos, suficientes a promover a reflexão do consumidor acerca de seu comportamento diante do massacre publicitário cotidiano, a fim de que eleja valores a seguir, bem como, da mesma forma, atentar as autoridades competentes, notadamente o Ministério Público e o Poder Judiciário no exercício de suas funções, a fim de que promovam a concretização destes valores, como medida necessária a atingir o tão almejado bem comum.

[1] Promovido pela EMERJ, em parceria com a OAB/RJ, entre 9 e 12 de agosto de 2004.