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Considerações sobre a eficácia probatória do protesto

15 de dezembro de 2013

Desembargador do TJSP, Professor nos programas de graduação e pós-graduação da PUC-SP e da Escola Paulista da Magistratura

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Sergio-1. Noções introdutórias 

A jurisdição consiste na função estatal, exercida preponderantemente pelo Poder Judiciário, de declarar e realizar concretamente a vontade da lei diante de uma situação jurídica controvertida. De outro foco, a jurisdição é manifestação do poder estatal, pela qual o juiz ora conhece do litígio apresentado pela parte lesada, outorgando-lhe a solução prevista em lei (processo de conhecimento), ora dá concretude ao direito já acertado (processo de execução), ora, ainda, assegura preventivamente o direito das partes por meio do processo cautelar ou da antecipação de tutela.

Em princípio, a jurisdição é exercício de atividade estatal sobre determinado caso concreto, diante de uma hipótese fática específica, por meio de um processo. Em outras palavras, o processo é instrumento de composição da lide, obtenível pelo exercício da jurisdição.

Porém, essa atividade só se apresenta se e quando provocada pela parte interessada. Em regra, sem que a parte apresente expressamente o pedido de uma providência estatal, não se há cogitar de atividade jurisdicional de ofício. A expressão do chamado princípio da inércia.

Na normalidade dos casos, o pedido deduzido em juízo deve ter por fundamento algum fato afirmado por aquele que postula a providência jurisdicional. E se o réu se opuser, negando o fato ou alegando outros, impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, igualmente deve prová-los (art. 326, CPC).

Por isso, na peça processual que instaura o processo, o autor deve indicar quais os fatos que envolvem o litígio, bem como o respectivo pedido (art. 282, CPC). Mas não basta alegar. Tem de provar.

Na análise do pedido, é possível separar idealmente dois aspectos: o direito e o fato. Por hipótese, em um pedido de indenização, o fato pode consistir em um acidente de veículo, no protesto de um título de crédito, no defeito de um produto de consumo. E o direito provém da norma legal, abstratamente prevista (art. 927, CC).1

Nessa linha de raciocínio, quando o juiz, na sentença, decide sobre o pedido formulado pela parte, silogiza da seguinte forma: analisa a premissa maior (norma jurídica), constata a premissa menor (fatos) e chega à conclusão (sentença).Infere-se, pois, que a atividade probatória versa sobre a situação fática da relação jurídica.

Apenas excepcionalmente há necessidade de se provar o direito (conteúdo e vigência, cf. art. 337, CPC; art. 14, LICC).No processo trabalhista, interessa lembrar as convenções coletivas de trabalho (arts. 154, 227, § 2o, 444, 462, 611 e ss., Consolidação das Leis do Trabalho) ou convenção internacional (art. 651, § 2o, Consolidação das Leis do Trabalho), que, embora não sejam “leis” no sentido estrito, ostentam verdadeiramente conteúdo de norma jurídica.

Prova é todo elemento que pode levar o conhecimento de um fato a alguém. No processo, significa todo meio destinado a convencer o juízo a respeito da ocorrência de um fato.

A sua finalidade é demonstrar uma situação fática dentro do processo, reunindo elementos para a convicção do órgão judiciário. Interessa ressaltar que a prova é feita para o processo e, assim, propiciar o convencimento do juízo sobre determinado fato.

De conseguinte, ainda que o juiz (pessoa física) já esteja convencido sobre o fato, não pode lastrear a sua decisão em conhecimento próprio e impressão pessoal acerca dos fatos. Deve ensejar a produção da prova para que a mesma se perpetue no processo, inclusive para servir de suporte aos órgãos superiores na verificação do acerto ou do equívoco da sentença. Se o juiz ainda não está convicto sobre o direito afirmado pelo autor, é preciso que oportunize regular instrução probatória, sendo-lhe defeso julgar improcedente por ausência de provas.

A exceção a essa regra fica por conta da chamada “máxima de experiência”, conforme dispõe o art. 335, CPC:

Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.

2. Objeto da prova

A prova envolve fatos, relevantes e controvertidos. Na investigação dos fatos, caberá ao juiz perquirir a respeito do que, quando, onde, quem como foram os acontecimentos relevantes à causa. Bem por isso é que o art. 331, § 1º, CPC, determina que o juiz deve fixar os pontos controvertidos sobre os quais serão produzidas
as provas.

De igual modo, art. 852-D, CLT, dispõe que:

O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, considerado o ônus probatório de cada litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica.

Quanto ao fato ocorrido no exterior, o art. 13, Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, estabelece que “a prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça”.

A questão sobre “fatos” e a “respectiva prova” ganha relevo quando se cogita do cabimento dos recursos extraordinários (especial, extraordinário e o de revista), situação que demanda a análise de dois aspectos.

O primeiro refere-se à valoração da prova, à admissibilidade legal da prova. Diz respeito ao valor legal da prova, abstratamente considerado. Por hipótese, se a lei federal exige determinado meio de prova, abstratamente considerado, eventual decisão que considere o fato provado por outro meio ofende o Direito Federal, permitindo o recurso especial ao STJ (art. 105, III, CF) ou o de revista ao TST (art. 896, CLT).

O segundo aspecto concerne à reapreciação da prova. Nesse particular, descabem recursos extraordinários para rediscutir o simples reexame de provas, na esteira das Súmulas 7-STJ (“A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”) e 270-STF (“Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”).

Quer dizer, se a lei federal não dispuser sobre o valor probante, em abstrato, de certos meios de provas, não se pode asseverar que o julgado local, apreciando bem ou mal as provas, contraria ou ofende Direito federal.

No reexame de provas, pode ocorrer ofensa ao direito subjetivo da parte, mas não contrariedade a Direito federal, abstratamente considerado.  De conseguinte, nem o Superior Tribunal de Justiça nem o Tribunal Superior do Trabalho se prestam ao reexame de matéria fática ou reapreciação das provas, sob pena de a instância especial se convolar em ordinária, imiscuindo-se na livre convicção motivada do juiz.

3. Protesto e finalidade

Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida (art. 1o da Lei no 9.492/97).

Os serviços relativos ao protesto são de competência exclusiva ao Tabelião de Protesto de Títulos e têm por substrato garantir a autenticidade, publicidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (arts. 2o e 3o da Lei nº 9.492/97).

No âmbito do Estado de São Paulo, o protesto sujeita-se ainda às Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, pareceres e provimentos de suas Corregedorias (Geral e Permanente), como o Parecer 076/06 (Proc. CG 864/06).

Não se há confundir o protesto extrajudicial, objeto do presente artigo e regulado pela Lei no 9.492/97, com o protesto judicial, regrado pelo art. 867, Código de Processo Civil (“Todo aquele que desejar prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalva de seus direitos ou manifestar qualquer intenção de modo formal, poderá fazer por escrito o seu protesto, em petição dirigida ao juiz, e requerer que do mesmo se intime a quem de direito”).

Para a validade do protesto basta a entrega da notificação no estabelecimento do devedor e sua recepção por pessoa identificada (art. 14, Lei no 9.492/97;  Súmula 52-TJSP).

4. Princípio da unitariedade

Um dos princípios que regem a Lei no 9.492/97 é o da “unitariedade”, significando que há um único protesto – do título ou documento de dívida –, encerrando um único ato comprobatório da inadimplência daquele devedor originário constante no instrumento.

Quer dizer, em sendo protestado o título por falta de pagamento, não se permite um “segundo” protesto, agora contra os coobrigados (endossantes, sacadores e avalistas), exceto se o primeiro contiver indicação errônea ou omissão de dados.

5. Protesto necessário e facultativo

Em princípio, o protesto não é requisito para o ajuizamento de ação judicial, pois a sua finalidade é provar a impontualidade. Portanto, cabe execução independentemente do protesto do título executivo.

Excepcionalmente, a lei exige o protesto (protesto necessário) como condição da ação ou como prova indispensável da mora. Nesses casos, o protesto é prova documental insubstituível, não valendo provas orais ou testemunhais.

Por exemplo: para o pedido de falência (art. 94, § 3o, Lei no 11.101/2005), caso em que a notificação do protesto, para requerimento de falência da empresa devedora, exige a identificação da pessoa que a recebeu (Súmula 361-STJ). Porém, se tirado o protesto comum por falta de pagamento, não se exige um segundo protesto, específico para fins de falência.

Quanto ao pedido de falência, no Tribunal de Justiça de São Paulo, editaram-se os seguintes enunciados: Súmula 41-TJSP: “O protesto comum dispensa o especial para o requerimento de falência”; Súmula 43-TJSP: “No pedido de falência fundado no inadimplemento de obrigação líquida materializada em título, basta a prova da impontualidade, feita mediante o protesto, não sendo exigível a demonstração da insolvência do devedor”; Súmula 50-TJSP: “No pedido de falência com fundamento na execução frustrada ou nos atos de falência não é necessário o protesto do título executivo”.

Em relação à duplicata, mercantis ou de prestação de serviços, não se exige protesto para ser executada. Excepciona-se, todavia, a hipótese de duplicata “não aceita”, bem como a relativa ao direito de regresso.

Quanto à duplicata não aceita, somente poderá ser protestada, mediante a apresentação de documento que demonstre a efetiva prestação do serviço ou a compra e venda mercantil, acompanhado do comprovante da entrega e recebimento da mercadoria que deu origem ao saque da duplicata.

Neste caso, no que toca à duplicata mercantil, permite-se que a apresentação dos documentos previstos neste item seja substituída por simples declaração escrita, do portador do título e apresentante, feita sob as penas da lei, assegurando que aqueles documentos originais, ou cópias devidamente autenticadas, que comprovem a causa do saque, a entrega e o recebimento da mercadoria correspondente, sejam mantidos em seu poder, com o compromisso de os exibir a qualquer momento, no lugar em que for determinado, especialmente no caso de sobrevir a sustação judicial do protesto.

Nessa linha, comprovada a prestação dos serviços, mesmo que não aceita, mas protestada, a duplicata é título hábil para instruir pedido de falência (Súmula 248-STJ).

Ainda quanto à duplicata, cabe lembrar a questão do direito de regresso. Se o portador não tirar o protesto da duplicata, em forma regular e dentro do prazo da 30 (trinta) dias, contado da data de seu vencimento, perderá o direito de regresso contra os endossantes e respectivos avalistas (art. 13, Lei no 5.474/68). E a execução da duplicata prescreve em um ano quando proposta contra endossante e seus avalistas, contado da data do protesto (art. 18, Lei no 5.474/68). Aqui importa destacar que, por vezes, o sacado não manteve qualquer relação negocial com a sacadora (que emitiu a duplicata e a endossou a terceiro de boa-fé); neste caso, é possível o protesto do “título”, omitindo-se a publicidade do nome do sacado da certidão de protesto.

Diversamente, quanto à cédula de crédito bancário, dispensa-se o protesto para garantia do direito de regresso. O art. 44 da Lei nº 10.931/2004 expressa que se aplicam às cédulas de crédito bancário, no que não contrariar o disposto nesta Lei, a legislação cambial, dispensado o protesto para garantir o direito de cobrança contra endossantes, seus avalistas e terceiros garantidores.

Também reclama protesto quando o título executivo for contrato de câmbio (art. 75 da Lei no 4.728/65). Nas vendas a crédito com reserva de domínio, a mora do comprador há de ser provada com o protesto do título (art. 1.071, Código de Processo Civil).

De igual forma, no que concerne ao contrato de alienação fiduciária a comprovação da mora é imprescin­dível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, nos termos da Súmula 72-STJ. A prova da mora pode ser feita mediante notificação pelo Oficial de Registro de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título (art. 2o, § 2o, Decreto-lei no 911/69); a notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito (Súmula 245-STJ).

No que tange ao cheque, para a execução, basta a apresentação, independentemente do protesto. Quer dizer, o portador pode executar o emitente e seu avalista, bem como os endossantes e seus avalistas, se o cheque apresentado em tempo hábil e a recusa de pagamento for comprovada pelo protesto “ou” por declaração do sacado, escrita e datada sobre o cheque, com indicação do dia de apresentação, “ou, ainda”, por declaração escrita e datada por câmara de compensação (art. 47, Lei no 7.357/85). Extrai-se, dessa forma, que o seu protesto é facultativo.

6. Documentos protestáveis

Podem ser levados a protesto os títulos e documentos de dívida. Em outras palavras, os documentos devem conter obrigação de pagar quantia líquida, certa e exigível.

Dessa forma, são protestáveis os títulos executivos, judiciais ou extrajudiciais, previstos tanto no Código de Processo Civil (arts. 475-N e 585), como em legislação extravagante.

Alguns exemplos: termo de ajustamento de conduta (art. 5o, § 6o, Lei no 7.347/85), contrato de aluguel de bem imóvel (art. 585, V, CPC), contrato de participação em grupo de consórcio (art. 10, § 6o, Lei no 11.795/08), duplicata mercantil e de prestação de serviços (art. 13, Lei no 5.474/68), contrato de honorários advocatícios (art. 24, Lei no 8.906/1994), encargos Condominiais (Lei estadual paulista no 13.260/2008), cédula de crédito bancário (art. 28 da Lei no 10.931/2004 e Súmula 14-TJSP), decisão do tribunal de contas de que resulte imputação de débito ou multa (art. 71, § 3o, Constituição Federal), certidão da dívida ativa (art. 585, VII, CPC).

Em se tratando de sentença ou decisão judicial que contemple obrigação de pagar quantia líquida, certa e exigível, exige-se trânsito em julgado da decisão, comprovável mediante certidão do juízo.

Quando a lei alude a “documentos de dívida”, abre-se a possibilidade de protesto, seja de título executivo, seja de outro documento representativo de dívida líquida, certa e exigível, sem eficácia executiva.

Basta pensar em documento particular, assinado apenas pelo devedor, sem a presença de duas testemunhas; ou mesmo o título de crédito atingido prescrição da pretensão executória, como se depreende da Súmula 17-TJSP (“A prescrição ou perda de eficácia executiva do título não impede sua remessa a protesto, enquanto disponível a cobrança por outros meios”).

Prescrita a via executiva, sobeja ao credor o direito de buscar a satisfação de seu crédito pelas vias ordinárias, por meio de ação de conhecimento, sujeitando-se a partir daí ao prazo prescricional de 5 anos previsto na lei civil (art. 206, § 5o, I, Código Civil).

O protesto pode se referir ao não pagamento da integralidade da dívida ou de apenas parte. Quanto ao título de crédito, é possível o protesto de parte da dívida, como sucede, por exemplo, quando há quitação ou remissão parcial da obrigação. Neste caso, cabe ao credor indicar qual o montante que pretende ver protestado.

O protesto é causa interruptiva da prescrição (art. 202, Código Civil). Mas, ainda que prescrita a pretensão executiva, é possível o protesto do documento. E o tabelião não tem atribuição para investigar a ocorrência da prescrição ou caducidade (art. 9o, Lei no 9.492/97), podendo, quando muito, analisar eventual irregularidade formal (por ex.: rasuras, ilegibilidade do documento, incompletude do título etc.); por consequência, não se pode cogitar de responsabilização do tabelião se age no estrito cumprimento de suas atribuições.

O título ou documento de dívida expressa em moeda estrangeira igualmente são protestáveis, desde que acompanhados de tradução efetuada por tradutor público juramentado (art. 10, Lei no 9.492/97).

Pela Súmula 387-STF, a cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto.

Se ajuizada execução do título de crédito sem estar devidamente preenchida, cumpre perquirir se, em sendo extinta por irregularidade do título executivo, poderia o credor, após preencher os claros, repropor a mesma execução.

Temos que sim, uma vez que o “mérito” da execução não restou devidamente apreciado, nem julgado; isto é, não houve pronunciamento a respeito da extinção da obrigação pelo pagamento. Porém, já se decidiu que não pode o credor, após o preenchimento dos claros, ajuizar nova execução, restando-lhe tão somente a via ordinária.4

No que tange à duplicata virtual, emitida por meio magnético ou de geração eletrônica, também pode ser protestada, por indicação (art. 13, Lei no 9.492/97), não se exigindo, para o ajuizamento da execução judicial, a exibição do título. Logo, se o boleto bancário que serviu de indicativo para o protesto retratar fielmente os elementos da duplicata virtual, estiver acompanhado do comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação dos serviços e não tiver seu aceite justificadamente recusado pelo sacado, poderá suprir a ausência física do título cambiário eletrônico e, em princípio, constituir título executivo extrajudicial.5

7. Efeitos

Além de se constituir prova do inadimplemento, o protesto ainda tem o efeito de interromper a prescrição (art. 202, III, Código Civil), além de fixar o termo inicial da incidência de juros, taxas e atualizações monetárias sobre o valor da obrigação, se não houver prazo assinado (art. 40, Lei no 9.492/97).

Sendo solicitada, o cartório de protesto deve fornecer aos órgãos de proteção do crédito, representativas da indústria e do comércio (por ex.: Serasa Experian), certidão diária, em forma de relação, dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados, com a nota de se cuidar de informação reservada, da qual não se poderá dar publicidade pela imprensa, nem mesmo parcialmente (art. 29, Lei no 9.492/97).

8. Protesto indevido

Sendo indevido o protesto, cabe ação indenizatória contra o responsável, como sucede, por exemplo, quando o título já está quitado, duplicata sem qualquer lastro, rescisão do negócio, falsidade de assinatura etc. Nessas hipóteses, o dano é presumido (in re ipsa), decorrente da própria coisa ou situação fática.6

Se já há protesto legítimo anterior, discute-se se o segundo – indevido – ensejaria direito à indenização por dano moral. É certo que a Súmula 385-STJ estabelece que “d a anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.

Todavia, a discussão grassa tanto na doutrina como na jurisprudência, considerando que um único protesto legítimo tornaria todos os subsequentes (ilegítimos) imunes de responsabilização.

Por vezes, é possível que a cambial seja levada a protesto por instituição financeira quando lhe é transferido um título de crédito.

Aqui cabe distinguir a posição do banco. Se age como proprietário do título e do crédito, por força de endosso translatício, fica responsável pelo protesto indevido, sendo, pois, parte passiva legítima para figurar em eventual ação indenizatória.

Por outro lado, quando detém o título de crédito apenas para cobrar a dívida – endosso mandato –, a mera situação de o banco ter recebido o título para cobrança não pode levá-lo à responsabilização por danos morais decorrentes do protesto indevido.

No entanto, se houve abuso ou desídia por parte do banco, por exemplo, levando a protesto depois de avisado de que o título já se encontra quitado ou de que o negócio foi desfeito, incide na obrigação de indenizar.7

Igualmente, se o banco recebe o título de crédito como garantia de outra operação (endosso-caução), há de verificar a higidez da cambial e a sua causa; levando-o indevidamente a protesto, deve responder pelos danos. Assim, se a instituição financeira extrapola seus poderes de mandatária ou se descuida de seu dever de verificar a regularidade do título, passa a ser responsável pelo protesto ilegítimo.8

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Notas ____________________________________________________________________

1 Art. 927, Código Civil. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

2 Art. 458, CPC. São requisitos essenciais da sentença:

I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes Ihe submeterem.

3 Exemplo de prova da vigência do direito.  Na adoção internacional (art. 51, § 2º, Estatuto da Criança e Adolescente), “A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá determinar a apresentação do texto pertinente à legislação estrangeira, acompanhado de prova da respectiva vigência”.

4 REsp. 870.704-SC, Rel. Min.Luis Felipe Salomão, j. 14/6/2011

5 REsp. 1.024.691-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22/3/2011

6 “Dano moral – Protesto indevido – Duplicata – Protesto e inscrição do nome da autora nos cadastros restritivos de crédito que foram ilegítimos – Banco réu que deve ressarcir a autora dos danos morais por ela suportados – Pessoa jurídica – Protesto que afeta as suas relações com terceiros, sob o ponto de vista do bom nome e da confiabilidade que deve pautar as relações no meio comercial – Entendimento consolidado mediante a edição da Súmula 227 do STJ – Configurado o dano moral puro – Desnecessidade de sua prova – Indenização por danos morais devida.  Dano moral – “Quantum” – Arbitrada na sentença, a título de indenização por danos morais, a importância de R$ 100.000,00 – Redução da indenização – Ressarcimento que há de ser fixado, levando-se em conta critério de prudência e razoabilidade – Justo o arbitramento da indenização em R$ 20.000,00, soma equivalente a, aproximadamente, cinqüenta vezes o valor do título protestado (R$ 403,00) – Apelo provido em parte” (TJSP, Ap. 9113757-38.2008.8.26.0000, rel. Des. JOSÉ MARCOS MARRONE, j. 23.11.2012).

7 Resp. 602.280-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 2/2/2010

8 “RESPONSABILIDADE CIVIL – Dano moral – Protesto regular – Hipótese, entretanto, em que houve demora injustificada em fornecer a carta de anuência, mesmo após o pagamento da dívida – Danos morais configurados – Indenização devida – Recurso nesta parte provido. RESPONSABILIDADE CIVIL Danos materiais – Inadmissibilidade – Hipótese em que a causa de pedir dos danos materiais é a mesma dos danos morais, qual seja, a restrição creditícia – Recurso nesta parte improvido” (TJSP, Ap. 0025170-75.2004.8.26.0602, Rel. Des. J. B. FRANCO DE GODOI, 23ª Câmara de Direito Privado, j. 11/04/2012). Mesmo sentido: “Os direitos ao bom nome, à imagem e à dignidade estão assegurados constitucionalmente, não havendo a menor dúvida que o indevido registro de protesto ou o cadastro negativo constituem violações a esses atributos da pessoa humana. Não se pode negar as conseqüências gravosas resultantes desses atos. Os efeitos maléficos à imagem e os embaraços que lhe causam nas relações diárias com o comércio e outras instituições financeiras são indiscutíveis” (TJSP, Ap. 0002630-93.2010.8.26.0223, Rel. Des. PAULO ROBERTO DE SANTANA).