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Complexidade do mercado e áreas de risco: Um problema de segurança do Estado do Rio

10 de dezembro de 2018

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A crise da segurança pública no Estado do Rio de Janeiro está avançando para patamares insustentáveis. O crescimento da violência e a existência de áreas onde as companhias de serviço público não têm a liberdade de operar exigem medidas efetivas e urgentes. Na Enel Distribuição Rio, empresa que fornece energia para 74% do território estadual, lidamos diariamente com o avanço do poder paralelo e o enfraquecimento do Estado em algumas regiões. O principal resultado da junção desses fatores é a perda de direitos de cidadania da população.

Hoje, apenas na área de concessão da Enel Distribuição Rio, que inclui 66 municípios, 400 mil clientes vivem em áreas de risco, um crescimento de quase 430% entre 2008 e 2018. Pelo menos um milhão de pessoas estão sendo privadas do acesso pleno e de qualidade ao fornecimento de energia e a outros serviços básicos, devido à ausência de atuação efetiva do Estado. Isso significa que cerca de 16% do total de clientes residenciais faturados pela companhia estão atualmente em áreas onde nossas equipes são expostas a episódios de violência, o que afeta a prestação do serviço aos moradores.

O grande paradoxo nesse contexto cruel para as concessionárias de energia é que o Estado, por meio do órgão regulador do setor elétrico brasileiro, cobra das distribuidoras limitação do nível do furto de energia (perdas não técnicas), além de parâmetros de qualidade e eficiência no fornecimento de energia para todos os clientes, mas não assegura condições para a atuação plena das empresas nessas áreas.

O crescimento da violência no estado também impacta diretamente nossos colaboradores. Uma pesquisa recente feita pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com prestadores de serviço da Enel Distribuição Rio mostrou que 71% dos funcionários entrevistados já foram vítimas de ações violentas, como ameaças, agressão ou roubo, durante o exercício de sua função. Os profissionais ouvidos no estudo trabalham em duas das cidades com maiores índices de violência da nossa área de concessão – São Gonçalo e Duque de Caxias – e reforçaram que as ameaças são, em sua maioria, realizadas por grupos armados, como traficantes e milicianos. Como empresa que preza pela segurança, não podemos admitir que nossos trabalhadores continuem sendo expostos a esse tipo de ameaça.

A cidade de São Gonçalo – a mais populosa do estado – é a região onde registramos o maior crescimento do número de clientes em área de risco, com o poder do crime organizado e do tráfico de drogas se sobrepondo cada vez mais ao poder da polícia. Além de enfrentar dificuldades para medir o consumo dos clientes, realizar serviços de emergência e manutenção, também somos impedidos de coibir a prática de furto de energia, outro problema crescente nessas regiões.

De forma geral, boa parte do furto de energia ocorre justamente nas regiões dominadas por poderes paralelos, em que as concessionárias não conseguem atuar. No caso da Light, distribuidora que também atende parte do Estado do Rio, 50% da energia furtada está nessas áreas de extrema violência. No caso da Enel, esta participação chega a 56%. Hoje, o furto de energia em todo o Estado do Rio de Janeiro, incluindo área de concessão da Enel Distribuição Rio e da Light, equivale a 15% da energia que é distribuída, bem acima da média da Região Sudeste, de 3,7%. Como forma de comparação, a energia furtada no estado seria suficiente para abastecer por um ano 14 milhões de habitantes com consumo médio de 150 KWh/mês por residência ou o equivalente ao consumo de energia de todo o Distrito Federal, incluindo clientes residenciais, indústrias, comércios e órgãos públicos.

Se olhamos a questão do furto de energia globalmente, o índice de perdas da Enel Distribuição Rio – que representa quanto a empresa perde por energia vendida e não faturada – é o mais alto entre todas as distribuidoras do Grupo Enel no mundo. Todas as demais empresas do Grupo que, no passado, já tiveram índice de perdas superiores ou próximos a 20%, têm, hoje em dia, índices de perdas iguais ou inferiores a 13%, o que demonstra a eficácia da estratégia e tecnologia utilizada pela Enel tanto para redução quanto para manutenção de perdas de energia. Entretanto, nenhum país em que atuamos possui as complexidades do território da área de concessão da Enel no Rio.

Além de prejudicar a qualidade do fornecimento do serviço, o furto de energia impacta também o valor da tarifa, já que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) leva em conta as perdas de cada distribuidora para calcular a tarifa de cada empresa. Como os custos de distribuição de energia são divididos entre todos os clientes, na prática, todos nós pagamos pelo furto.

Estimativas feitas em conjunto pela Light e pela Enel mostram que se não houvesse furto de energia no estado, as tarifas de energia no Rio de Janeiro seriam reduzidas em cerca de 13%. A queda também estimularia o mercado consumidor formal e as empresas que aqui atuam seriam ainda mais competitivas, fomentando a economia do estado e a arrecadação.

Olhando por outro ângulo, caso o furto de energia no Estado do Rio fosse equivalente ao nível verificado no restante do Sudeste, o custo anual para a sociedade com o furto de energia cairia de R$ 3,4 bilhões para R$ 900 milhões. Isso representaria uma economia anual de R$ 2,5 bilhões para os consumidores regulares do estado, com uma redução média das tarifas de cerca de 10%.

As ligações clandestinas também afetam a saúde financeira das empresas. No nosso caso, temos um prejuízo anual de cerca de R$ 90 milhões na Enel Distribuição Rio devido a perdas de energia não cobertas na tarifa. Além do enorme prejuízo causado às distribuidoras de energia do estado, ainda perdem governo, população e as demais empresas que aqui atuam.

Para enfrentar o rápido avanço dos indicadores de furto de energia em nossa área de concessão, temos investido fortemente em modernização da rede de distribuição e em ações em parceria com a polícia. Em 2003 começamos a implementar uma série de soluções tecnológicas exclusivas para o combate às perdas, como mudanças na topologia da rede de distribuição e substituição de medidores convencionais por eletrônicos. Em parceria com a Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados (DDSD), realizamos em toda a área de concessão do Rio operações de combate ao furto de energia. Até o mês de junho de 2018 foram realizados 545 registros de ocorrência – o equivalente a todo o ano de 2017. Já o número de prisões, 14, foi bem inferior ao registrado no ano passado, 73, em função do cenário da segurança pública e da crise financeira do Rio de Janeiro.

Enquanto o investidor de longo prazo e maior player do setor de energia elétrica brasileiro, nós, da Enel, esperamos soluções efetivas para reverter a situação da segurança no Estado do Rio. Da mesma forma, como responsáveis por fornecer um serviço essencial para a população, nos manifestamos a favor do desenvolvimento de projetos que reúnam uma verdadeira força-tarefa capaz de congregar representantes de diferentes autarquias e organização civil na promoção do acesso à cidadania aos moradores em áreas dominada pelo tráfico e pela milícia. Precisamos deixar de ser súditos do poder paralelo e permitir nessas localidades o acesso seguro não apenas à energia elétrica, mas a todos os direitos previstos na Constituição.