Cidadania sim, discriminação não

21 de março de 2001

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Embora alguns falseiem a verdade, a discriminação con­tra o negro e um fato secular e real, nao só na America Latina mas na maioria dos paises do mundo

Ficamos preocupados ao conhecer 0 resultado de um cen­so realizado na Bahia, divulga-­do no mes de agosto de 2000 que concluiu que apenas 15% da população baiana e negra. Este resultado mostra a baixa estima da população negra. Esta baixa estima e responsavel pelo fato de nao assumirmos a nos­sa negritude. A discriminação racial e tao forte que cria em grande parte do povo negro um sentimento de recusa de sua identidade.

Seria inócuo levantar esta­tisticas. Seria “chover no molhado” mostrar dados que apontam que o ne­gro, em media, ganha 50% do salario pago ao homem branco. Que a mulher negra re­cebe 50% do que recebe a mulher branca. Que o negro tem uma representação inferior a 2% nas universidades, no Poder Judicia­rio, no Executivo, Legislativo e nos cargos de primeiro escalao.

A questao racial nao e enfrentada como deveria ser pelos mais variados grupos ide­lógicos que chegam ao poder.

E só olharmos para os municipios e Estados, e ate mesmo para paises em que houve alternancia de poder entre grupos de matizes totalmente opostas. Os negros sao chamados para fazer a campanha eleitoral mas na hora de ocuparem cargos de pri­meiro escalao sao vetados.

A grande verdade que muitos de nós nao queremos aceitar e que a comunidade negra e usada sutilmente. A forma mudou, mas a questao de fundo e muito semelhante ao tempo da escravidao.

Este quadro tem que ser alterado! E preciso exigir espaços que a nós nao sao permitidos ocupar. Temos o direito de exigir o pleno exercicio da cidadania. E inaceita­vel que os nossos filhos sejam discrimina­dos nas escolas, nos clubes, nos lugares publicos, nas lojas, nos bancos, nos em­pregos, nas ruas, hospitais, e ate num ato de prisao.

Assistimos a forma como o mundo busca compensações para os que foram discriminados durante a guerra. E claro que concordamos com essas indenizações. Mas a pergunta que fica e, e os 500 anos de escravidao, sequestros, estupros, tortura e assassinatos em massa? Qual a reparação? Aos negros, nada!

A exploração criminosa nao e só uma história do passado – e o passado é o presente – se nada for feito, continuara no futuro.

Ao apresentarmos o Esta­tuto da Igualdade Racial que con­templa a questao da discrimina­çao no Projeto de Lei 3198/00 foi com o objetivo de reparar em parte os crimes cometidos con­tra o povo negro ao longo da his­tória.

Na Camara dos Deputados foi formada uma Comissao Es­pecial para, a partir do Estatuto da Igualdade Racial por nós apresentado, discutir a questao do preconceito no pais. Essa comissao sera formada por 31 parlamenta­res, representantes de todos os partidos politicos. Esperamos que o assunto seja debatido com a profundidade e seriedade que merece, ainda neste ano. A sociedade organizada devera participar dessa discus­sao, de forma intensiva e ostensiva, inclu­sive convidando a comissao para verificar “in loco” a situaçao do povo negro no Bra­sil. Desde visitas as terras dos quilombos, morros, favelas, campo e cidade para ve­rificar as condições de saude, moradia, ali­mentaçao, educaçao, trabalho, esporte, lazer e cultura, bem como o direito a inde­nizaçao aos descendentes afro-brasileiros.

Sabemos que e uma divida impaga­vel porque a vida e a dignidade nao tem preço. Apesar dessa visao, e fundamental mudar tudo o que for possivel para o futuro da nossa gente.

Gostariamos de ver aprovada uma politica de parceria com os sem terra para que quando dissessemos VIVA 0 MST, que­remos a reforma agraria; eles dissessem: VIVA A COMUNIDADE NEGRA, queremos tambem a regulamentaçao das terras dos quilombos.

Gostariamos de contar com o apoio irrestrito dos indios para que quando gritas­semos VIVA 0 POVO INDÍGENA, exigimos a demarcaçao das terras dos indios; eles gri­tassem: VIVA OS AFRODESCENTES, quere­mos a titularidade das terras que eles tem direito.

Gostariamos que outros povos que ti­veram nosso apoio na hora da reparaçao, inclusive financeira e que tambem sofre­ram no passado, gritassem que os negros tambem tem que ter direito a reparaçao, assim como eles, pois o povo negro foi o que mais sofreu sob o regime escravocrata de outras raças.

Criam-se fundos neste pais para todos os fins. Por que nao um fundo para reparar os crimes cometidos contra o nosso povo?

Queremos ver os estudantes defen­dendo estas bandeiras e, por exemplo, o sis­tema de cotas para os estudantes negros, como nos defendemos as propostas da UNE. Queremos ver os professores defenderem uma política de cotas para os negros no Ensino, assim como sempre defendemos as postulações dos professores.

Gostariamos que os sindicalistas de­fendessem as bandeiras da comunidade negra, como verbas do FAT destinadas a for­maçao do povo negro.

Gostariamos que os intelectuais deste pais assumissem com clareza a defesa das propostas dos negros. Para que nao caia­mos no erro de somente ficar filosofando sobre o assunto.

Gostariamos que os artistas e a im­prensa ajudassem a desmistificar a farsa da democracia racial. Que os empresarios que discriminam na hora de contratar e pa­gar os negros, mostrassem que esta prati­ca e condenavel e que sera varrida para sem­pre.

Que os medicos defendessem proje­tos para doenças como a hipertensao arte­rial e a anemia falciforme que acometem os negros, assim como nos sempre defende­mos melhores condições de trabalho para esta categoria, principal mente na area da Saude Publica.

Gostaríamos de ver os governos fa­zendo campanha para a adoçao de crian­ças, maioria negra nos orfanatos. De que a sociedade e suas instituições defendessem os meninos de rua, tambem negros em sua maioria.

Gostariamos de ver campanhas para a valorizaçao do salario minimo, pois e na base da piramide social que se encontra a maiaria do povo negro. Hoje as campanhas acontecem para elevar os altos salarios e congelar o salario minimo.

Gostariamos que todas as igrejas as­sumissem a discussao desta triste real ida­de que massacra, humilha e fere de forma contundente o coraçao e a auto estima dos negros.

Tudo que aqui citamos nos parece ver­dadeiro e nos coloca diante de uma realida­de em que o discurso e um, e a pratica e totalmente diferente. Onde estao a solidari­edade e a fraternidade?

Ao falar em solidariedade, lembramos os versos que escrevemos mostrando a nossa indignaçao frente ao preconceito en­frentado pelos negros.

NEGRO DA LATINO AMERICA

Ha Iivros que falam sobre as veias abertas da America Latina.

Ah, como seria bom se a historia ou as canções falassem das veias cortadas dos negros latino-americanos.

Que bom seria se os poetas falassem que o direito a terra por nos trabalhada foi sempre negado.

Que bom seria se pudessemos conhecer os herois negros da nossa America.

Nao importa se os escravocratas trocaram ate seus nomes de origem.

Nao Importa se eles nao podiam falar o dialeto africano.

Que bom seria se os versos relatassem os crimes cometidos contra este povo, rebelde e guerreiro, que foi ferido na alma, coração e estima.

Andamos pelo continente, por terra e por mar, e vimos o que não gostamos: O negro afastado, excluido e discriminado. Sonhamos com uma vida de paz, alegria e Iiberdade.

Na realidade encontramos suor, sangue e lagrimas.

Que essas gotas de sofrimento arrancadas do nosso corpo se tornem perolas para Iluminar a nossa Jornada, porque deixar de sonhar e lutar, jamais, jamais, jamais!