Cafeicultura: revisitando suas relevâncias econômica e social

15 de dezembro de 2013

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Fabio-de-SallesO setor agrícola nacional e a cafeicultura em particular ainda não lograram o merecido e legítimo reconhecimento e não foram contemplados com decisões e políticas públicas adequadas, nas áreas econômica e social, em consonância com sua grandeza, conforme veremos.

Na primeira metade do século XIX, o açúcar e o algodão perderam a capacidade de gerar desenvolvimento para o Brasil como consequência da retração do mercado internacional desses produtos, tanto em volume quanto em valor. O Brasil não conseguia obter empréstimos internacionais porque o país não tinha meios de arrecadar impostos em uma economia estagnada. Portanto, a economia brasileira precisava encontrar um novo dínamo de crescimento utilizando recursos próprios, tendo como fator de produção principal a terra, que era o recurso mais abundante.

Assim emergiu a economia cafeeira, que, na década de 1820, passou a responder por 18% das exportações brasileiras. Duas décadas mais tarde, o café já havia se tornado o principal produto de exportação do país, respondendo por mais de 40% das exportações.

A consolidação da cafeicultura permitiu a reintegração do Brasil no comércio exterior, contribuiu para a formação de uma classe de dirigentes empresariais e criou uma nova estrutura de representação política.

A história econômica elucida que o café foi o grande motor de crescimento da economia brasileira entre o último quarto do século XIX e o final da década de 1920. A capacidade da atividade de absorver mão de obra, gerar divisas e atrair investimentos internacionais, inclusive em infraestrutura, além de financiar a industrialização do país, fez do produto um dos mais importantes alicerces do desenvolvimento nacional.

A meação do café e o colonato, iniciados na região de Franca por meus ancestrais, ocuparam a mão de obra disponível, iniciaram a formalização das relações de trabalho, instituindo direitos e responsabilidades, além de aprimorarem as relações sociais e econômicas.

Mais do que isso, o café possibilitou ações precursoras de qualificação e integração social, como comprova o trabalho de alfabetização de adultos na Alta Mogiana, implantado pelo dr. Severino Tostes Meirelles e pela prof.a Georgina de Salles Meirelles. Sem embargo, muitos dos avanços na área social e a segurança jurídica alcançada no Estado de São Paulo, no que tange à legislação trabalhista aplicada ao meio rural, são oriundos de ações iniciadas no processo de implantação e consolidação da cafeicultura paulista.

Entre 1925 e 1929, antes do craque da bolsa de Nova York, as exportações de café do Brasil representavam 71% das exportações totais do país e aproximadamente 10% do Produto Nacional Bruto (PNB).

Com a crise de 1929, o setor cafeeiro sofreu acentuado impacto, pois os estoques excedentes formados com a política de defesa cafeeira começaram a desencorajar os seus financiadores, e as cotações do café reduziram-se 65%. Apesar de tudo, a política de proteção ao café serviu como um instrumento de manutenção do emprego e um estímulo ao crescimento da renda nacional na grande depressão.

Aquele cenário impunha a necessidade de reestruturação do segmento cafeeiro. Foi criado o Conselho Nacional do Café e, mais tarde, o Departamento Nacional do Café, com o objetivo de restringir as exportações, administrar os estoques e queimar os excedentes de café. O desestímulo à produção, com baixos preços e a queima de 78 milhões de sacas de café entre 1931 e 1944, fez emergir uma nova dinâmica agropecuária, com maior diversificação da produção, por meio do algodão, da pecuária de leite e corte, dos grãos, entre outros.

Com a produção de algodão, por exemplo, o Estado de São Paulo mostrou sua vanguarda tecnológica na medida em que, por intermédio da pesquisa aplicada, aprimorou a qualidade da fibra do algodão e permitiu o ressurgimento dessa importante atividade, chamada, à época, de “ouro branco”. O Estado de São Paulo, que já havia sido o polo dinâmico de crescimento com o café, passou a fomentar novas atividades e a transferir seu conhecimento para outros estados do Brasil. Paralelamente, emergiam as associações rurais que viriam, mais tarde, a compor os sindicatos rurais e o sólido e atual sistema patronal rural.

A industrialização do Brasil viabilizou a integração da agricultura ao restante da economia nacional, iniciando assim uma nova dinâmica de modernização. Entre 1950 e 1960 emergiram os complexos agroindustriais, com destaque para o café solúvel em São Paulo, selando a integração entre a agricultura e a indústria – elos que se unem para formar a corrente que hoje chamamos de agronegócio.

Na década de 1970, houve a criação da Embrapa, o lançamento do Proálcool, do qual fomos responsáveis pela execução no Estado de São Paulo, a abundância de crédito rural e a intensificação da produção de grãos e carnes, em um momento de grande expansão da agropecuária brasileira. De lá para cá, o processo de diversificação das atividades e integração com a indústria ganhou escala, resultando no complexo e pujante agronegócio existente, que é, sem dúvida, o maior negócio do Brasil.

Produtos agrícolas como açúcar, algodão, borracha e cacau marcaram os ciclos de desenvolvimento da economia do país, mantendo nos dias atuais relativa importância econômica. Contudo, o café foi o produto que permitiu impulsionar o Brasil no século XX por meio de investimentos em infraestrutura e fomento à industrialização. Se por um lado alguns questionam o modelo de desenvolvimento baseado em um produto agrícola, por outro é inquestionável sua contribuição para o país, pois era o produto que tínhamos e que nos permitiu chegar ao nível de desenvolvimento presente.

Além do legado do desenvolvimento, o café apresenta uma relevância atual considerável, com valor bruto da produção de café beneficiado de R$ 25 bilhões e exportações de US$ 6,5 bilhões, em 2012, além de estrutura produtiva com 390 mil propriedades, 1,1 mil indústrias e 150 empresas exportadoras, em 1.900 municípios e 14 Unidades da Federação.

Portanto, pelo passado ou pelo presente, e em nome de todos que dependem direta ou indiretamente da cadeia produtiva do café, é preciso direcionar políticas públicas adequadas para essa atividade a fim de evitar o risco de sua desestruturação.

Os desafios da cafeicultura demandam e merecem ações semelhantes às recebidas no passado, mas com outro escopo. A preocupação com a produtividade, a redução de custos e a melhoria da qualidade, aliadas à produção em condições ambientalmente sustentáveis, são questões fundamentais. Mas não basta eficiência dentro da porteira; é necessário promover o consumo e garantir qualidade do cafeeiro à xícara do consumidor para que ele exerça o poder de escolha e valorize a diversidade e a qualidade do café brasileiro em sua plenitude.

As reivindicações e as demandas da cafeicultura são mais que justas, sendo imperativo apoiar esse segmento, que atravessa momento de grande dificuldade e que tanto contribuiu para a edificação da economia nacional.

Enquanto produtor e dirigente rural, acompanhei grande parte dos fatos mencionados, sendo testemunha da transformação que a agropecuária, ao longo dos anos, propiciou ao Brasil. Embora o setor não tenha ainda o respeito e o reconhecimento merecidos, é motivo de muito orgulho e realização participar dessa plataforma de crescimento chamada agronegócio, que, certamente, continuará pavimentando nossa trajetória de desenvolvimento sustentável.

Os bandeirantes iniciaram o desbravamento do Estado de São Paulo a partir de 1570, com ordem real e necessi­­dade de expansão das fronteiras. Valiosas famílias de produtores e trabalhadores da cafeicultura são também merecedoras de reconhecimento desse desbravamento.

Não há dúvidas de que a cafeicultura foi responsável pela expansão e pela consolidação do território brasileiro, sendo esse importantíssimo setor da agricultura um dos maiores responsáveis pela qualificação da mão de obra.

Portanto, prestamos nossas homenagens às famílias que se mantiveram fiéis às suas áreas agrícolas, caminhando como verdadeiros soldados pelos territórios de vários estados do Brasil com o único desejo de cultivar essa perfumada e vigorosa semente de café.