Brincando de Deus

5 de abril de 2002

Compartilhe:

Ao ser informado de que o Universo havia começado a partir de uma grande explosão, EPICURO, então com 12 anos de idade, perguntou quem teria acendido o estopim. Ante a resposta de que essa pergunta somente poderia ser respondida pelos filósofos, decidiu: então serei filosofo. Não sei se EPICURO descobriu o “incendiário”; o que sei e que formulou um dos mais importantes sistemas filosóficos da antiguidade clássica.

Essa historia veio a minha mente quando li as manchetes da semana alardeando que um cientista pretende clonar um ser humano em 30 dias, e que a nação mais rica do mundo vai financiar estudos com células-tronco de embriões, a serem sacrificados em nome da experiência cientifica. Essas noticias me chocaram. Não estará o Homem querendo brincar de Deus? – pergunto-me. Como não tenho a resposta, e sequer talento para a filosofia, apenas transmito a minha perplexidade.

O avanço tecnológico das ultimas cinco décadas foi fabuloso, a ponto de desmentir o jargão de que a Natureza não da saltos. A ciência esta prolongando a vida, diminuindo a mortalidade infantil, vencendo varias doenças. Isto e altamente positivo! Mas não estará indo longe demais? Não estará invadindo áreas vedadas aos simples mortais? Pode-se ver que, com seus experimentos, o Homem esta interferindo não só na constituição do ser vivo, mas também no equilíbrio ecológico. Esta alterando o código genético de plantas e animais: os produtos transgênicos já fazem parte do seu cotidiano. A reprodução de espécies, a partir de células outras que não os gametas, já e uma realidade: já clonou animais e plantas de varias espécies, formando indivíduos idênticos. E tudo isso sem que se saiba quais as consequencias a longo prazo.

Ao mesmo tempo em que se constata tanto avanço da ciência, pode-se constatar, também, um descompasso entre técnica e ética: aspira-se agora clonar a própria espécie humana. Mas nem isso ainda basta ao Homem tecnológico; quer ir alem: já esta pensando ate em clonar Jesus! É-lhe licito fazê-lo? Estará preparado para lidar com o produto de suas experiências? Sequer ele sabe!…

A inexorabilidade do avanço cientifico leva a inafastável necessidade de imprimir-se ética aos experimentos. Essa ética se expressa, primeiramente, procurando pesquisar se existem bases que autorizem o Homem a usar dos recursos da natureza a seu bel-prazer, quando não contribuiu para a criação deles. Essa ética esta a exigir-lhe respostas a duas questões. Primeiro, de onde deriva a sua pretensa ascendência sobre tudo o que existe, principalmente sobre os demais seres vivos que participam da sua cadeia evolutiva; segundo, se ha a ascendência, se ela o autoriza a destruir aquilo para o qual não contribuiu na criação. Se meditasse sobre essas questões, e suas possíveis respostas, talvez tivesse o Homem mais consideração com a Natureza, com o outro e com ele próprio.

São a vaidade e a prepotência que levam os eugenistas a querer imitar Deus. Pensam ter esse poder e esse direito, quando carecem dos dois. Do poder, porque a clonagem não e criação e, sim, aproveitamento de parcela de algo que já existe, para repeti-lo. Do direito porque, se o fizerem, estarão interferindo na esfera individual de um ser vivo, fazendo para ele escolhas que pertencem ao Destino. Como se arvorar no direito de decidir que alguém devera ser a replica do outro? E certo que argumentam com a possibilidade dos ganhos científicos para “consertar” os órgãos do doador do material genético. Mas, o que dizer do direito do outro de não querer ser peça de reposição?

Pouco sabe o Homem sobre a sua origem. Nada sabe sobre o seu destino apos esgotado neste Mundo o seu tempo. Essas questões só são resolvidas, em termos individuais, pela fé de cada um. Se estão despreparados para resolver essas grandes questões que os afetam tão diretamente, o que autoriza os cientistas a afirmar a inexistência da alma somente porque não podem comprovar a existência dela? Que se perguntem os eugenistas, homens fascinados por si próprios: e se o clone tiver alma, consciência, inteligência? Será que tem o direito de pagar para ver?

Mas não se limitam as questões cientificas os problemas decorrentes do avanço tecnológico. O Homem não esta aparelhado para lidar com essas questões dentro do universo de valores que escolheu para positivar. Seus valores estão envelhecendo na mesma proporção em que essas novas questões surgem, o que o deixa perplexo, confuso e perdido. Ademais da carência de preparo psicológico para enfrentar esses novos desafios éticos, também carece de suporte jurídico para disciplinar e regrar as espécies novas: os novos direitos que tomam o lugar daqueles que desaparecem ou perdem a importância. O Homem esta perdendo o limite entre a vida e a morte!

A ciência tem que ter limites; tem que aprender que nem tudo o que pode, deve fazer. Já se disse que qualquer criança pode destruir um escaravelho, mas nem o mais sábio de todos os sábios pode criar outro. A manifestação da vida no planeta foi um processo lento, complexo, que levou pelo menos 3,5 bilhões de anos. O Homem não pode colocar em risco essa grandiosa obra.

Não! – O Homem não pode perder a sua humanidade, nem o seu lugar na Obra da Criação. Ele não pode se esquecer de que faz parte da rede da Vida, cuja tecedura exige, para ser forte e bela, de todas as fibras inventadas pelo Senhor da Vida – e uma dessas fibras, a mais especial e a mais complexas, e ele, Homem, expresso na individualidade de cada um.

A sabedoria, que vem da alma, intui os limites das experiências genéticas. A cultura, que vem do intelecto, quer, por vaidade, ultrapassar esses limites. Não o fará impunemente!