Breves anotações sobre a Nulidade de Sentença Arbitral Extra Petita

1 de julho de 2021

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Tenho o pensamento de ser de extrema relevância para nossa sociedade o instituto da arbitragem instituída pela Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, que se soma à jurisdição estatal e a outros mecanismos de pacificação social e exercício da cidadania.

Nossa rápida abordagem se concentrará na questão referente aos limites do controle jurisdicional estatal no que é concernente à arbitragem, destacadamente com relação à atuação do Poder Judiciário diante da propositura de ação de anulação sentença arbitral extra petita.

Desse modo, importa trazer à baila uma breve noção do que se entenda por arbitragem para contextualizar a narrativa que será desenvolvida no presente articulado acerca de eventual nulidade da sentença arbitral extra petita.

Primeiramente, cabe ressaltar que a arbitragem, instituto marcado pela autonomia da vontade, configura um mecanismo de resolução heterônoma de litígios, realizando-se por meio de livre convenção desenhada pelas partes conflitantes, as quais decidem afastar a incidência da jurisdição estatal em favor da jurisdição arbitral para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

As partes litigantes escolhem o árbitro que terá a incumbência de proferir uma sentença arbitral sobre a questão controvertida que lhe foi posta. Portanto, o árbitro é um terceiro, pelas partes em conflito, as quais deverão cumprir a decisão que lhes for imposta por ele. E, ressalta-se, que tal sentença arbitral faz coisa julgada material, ganhando contornos de título executivo judicial.

Destaque-se que a função atribuída ao árbitro iguala-se à função institucional do juiz estatal no que diz respeito ao dever de aplicar o direito ao caso controvertido apresentado para resolução, objetivando-se, portanto, a resolução definitiva para o conflito existente entre as partes litigantes.

Com efeito, a Lei da Arbitragem, em seu art. 31, estabelece que a sentença arbitral produz os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, caso seja condenatória, se torna título executivo. Por outro lado, o art. 18 da referida legislação precisa que o árbitro é juiz de fato e de direito, bem como que a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação do Poder Judiciário. De toda sorte, importa asseverar que o Código de Processo Civil (CPC) prevê a arbitragem como método de jurisdição privada, nos termos do art. 3o, § 1o.

A Lei no 9.307/1996 estabelece o regime jurídico aplicável à arbitragem, que tem como pilar a convenção arbitral, que configura um negócio jurídico entabulado entre as partes, por meio do qual elas submetem a solução de suas divergências ao juízo arbitral.

Após essas observações, destaque-se que a sentença arbitral, exatamente em razão da peculiaridade de tratar de direitos patrimoniais disponíveis e do livre exercício de submissão da lide ao juízo arbitral, não se submete ao mesmo regime jurídico-recursal a que está afeta a sentença judicial, podendo ser revista em hipóteses bem restritas, previstas na legislação de regência, sem nenhuma possibilidade de revisão do mérito arbitral.

O regime jurídico-recursal que lhe é aplicável compreende a possibilidade legal de interposição de embargos arbitrais, com objetivo de correção de erro material, obscuridade, duvida ou contradição, ou para pronunciamento sobre ponto omitido a respeito do qual devia manifestar-se a decisão, nos termos do art. 30 da Lei da Arbitragem; de ação anulatória, nas hipóteses descritas do art. 32 da lei de regência; e de impugnação em ação de cumprimento de sentença arbitral, conforme regramento inserto no CPC.

Destaque-se que, no caso de ser procedente o pleito judicial de anulação da sentença arbitral, a legislação prevê que, se for o caso, deve ser determinado que o árbitro ou o tribunal profira nova sentença arbitral, conforme art. 33, §§ 2o e 3o, da lei de arbitragem.

Percebe-se, portanto, que, não obstante configurar um meio alternativo autônomo e independente de resolução de conflitos, a arbitragem não é desconectada do Poder Judiciário; bem ao contrário, o judiciário é imprescindível para garantir que a arbitragem transcorra de forma escorreita com respeito ao devido processo legal, em sua vertente procedimental, garantindo que esse importante instrumento de solução de conflitos possa contribuir na pacificação social.

A inafastabilidade do controle judicial estatal sobre a arbitragem, desde que realizado dentro da limitação legal que lhe é imposta, corresponde à verificação do respeito à legalidade do processo arbitral sem adentrar no mérito concernente à arbitrabilidade objetiva, referente aos direitos patrimoniais disponíveis submetidos à solução arbitral, isto é, sem substituir a decisão tomada pelo árbitro escolhido pelas partes.

Para sairmos desses extravios, pode-se concluir que a autorização para o exercício do controle judicial nessa seara privada de disponibilidade de direitos funda-se na inafastabilidade jurisdicional de observância e garantia do devido processo legal na arbitragem. E o art. 32 da lei de arbitragem traz a devida proteção jurídica ao devido processo legal arbitral ao elencar as hipóteses que viabilizam o reconhecimento de nulidade da sentença arbitral.

A hipótese de nulidade da sentença arbitral extra petita está inserta no inciso IV do art. 32 da Lei da Arbitragem, que prescreve que é nula a sentença arbitral se for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem.

A sentença arbitral extra petita é a que não se restringe a julgar o que submetido a julgamento pelas partes, violando o princípio da adstrição em relação ao pedido formulado pela parte autora do processo arbitral, conforme previsão legal inserta no art. 26, III, da lei da arbitragem.

Não obstante a previsão legal de saneamento de eventual sentença extra petita em seara arbitral, tal possibilidade não inibe a intervenção da jurisdição estatal para declaração de nulidade da sentença arbitral em caso de constatação de que foi prolatada tratando de algo diverso do que foi postulado pelas partes.

Na seara da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, selecionamos dois julgados. O primeiro aborda a questão referente ao prazo para a propositura da ação anulatória da sentença arbitral, e o segundo trata do exercício da jurisdição estatal:

“O propósito recursal consiste em decidir acerca da aplicação do prazo decadencial de 90 dias, previsto no art. 33, § 1o, da Lei no 9.307/96, à impugnação ao cumprimento de sentença arbitral. 3. A declaração de nulidade da sentença arbitral pode ser pleiteada, judicialmente, por duas vias: (i) ação declaratória de nulidade de sentença arbitral (art. 33, § 1o, da Lei no  9.307/96) ou (ii) impugnação ao cumprimento de sentença arbitral (art. 33, § 3o, da Lei no 9.307/96). 4. Se a declaração de invalidade for requerida por meio de ação própria, há também a imposição de prazo decadencial. Esse prazo, nos termos do art. 33, § 1o, da Lei de Arbitragem, é de 90 dias. Sua aplicação, reitera-se, é restrita ao direito de obter a declaração de nulidade devido à ocorrência de qualquer dos vícios taxativamente elencados no art. 32 da referida norma. 5. Assim, embora a nulidade possa ser suscitada em sede de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, se a execução for ajuizada após o decurso do prazo decadencial da ação de nulidade, a defesa da parte executada fica limitada às matérias especificadas pelo art. 525, § 1o, do CPC, sendo vedada a invocação de nulidade da sentença com base nas matérias definidas no art. 32 da Lei no 9.307/96.”

“Não se está diante de relação de sobreposição de competências entre os juízos suscitados, a ensejar o manejo de conflito de competência. Não há indevida invasão da competência do Juízo arbitral por parte do Juízo estatal. Ao contrário, o que se tem, na presente hipótese, é o exercício da jurisdição estatal, a partir de provocação da parte, por meio de via judicial idônea para o propósito perseguido. À parte prejudicada com a decisão judicial que, em caráter liminar, sobrestou os efeitos da sentença parcial arbitral, no bojo de adequada ação anulatória, fundada no art. 33 da Lei de Arbitragem, é dada a via recursal própria, franqueando-se-lhe a utilização das tutelas de urgência pertinentes.”

Vê-se, portanto, após análise desses precedentes jurisprudenciais, a importância irrefutável do Poder Judiciário para viabilizar a existência e eficácia da arbitragem, destacando-se que, ao se garantir o devido processo legal no desenvolver do processo arbitral, se percebe uma relação conectada e subsidiária entre a jurisdição estatal e a jurisdição privada, o que significa dizer que esta não teria chance de subsistir sem o exercício da prerrogativa institucional da jurisdição estatal de assegurar e promover seu regular funcionamento.

Conclui-se que o louvável objetivo legislativo de incrementar a resolução de conflitos de forma privada, obstando o estímulo à judicialização, que dificulta a atuação célere e eficiente do Judiciário, não pode significar que este esteja impedido de realizar seu mister constitucional de solucionar o conflito que seja posto nesta seara arbitral quando se tratar de questões procedimentais e não meritórias referentes aos direitos disponíveis dos particulares.

Imprescindível, dessarte, obstar que as partes litigantes fiquem desguarnecidas da proteção judiciária estatal com relação ao devido processo legal, em sua vertente procedimental, do processo arbitral, dentro dos parâmetros legais desenhados na legislação de regência, como é o caso de possibilidade legal de propositura de ação judicial para declarar a nulidade de sentença arbitral extra petita, a qual traz julgamento fora das questões que lhe foram postas para apreciação e resolução pelas partes litigantes.

Portanto, inegável a relevantíssima função judiciária estatal no sentido de restabelecer a ordem do processo arbitral, até para garantir-lhe credibilidade perante a sociedade como uma alternativa idônea e justa de solução de conflitos.

Notas__________________

1 (RESP-1900136/SP, Recurso Especial 2020/0034599-1, Relatora Min. NANCY ANDRIGHI, Órgão Julgador – Terceira Turma, data da decisão 06/04/2021, fonte DJE, data: 15/04/2021).

2 (CC-166681/PA, Conflito de Competência n. 2019/0181964-8, Relator Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Órgão Julgador – Segunda Seção, data da decisão 11/03/2020, fonte DJE. data: 13/03/2020)

Referências Bibliográficas_________________________

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