Do Brazil ao Brasil: o poder do Estado versus o poder do povo

14 de agosto de 2014

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O presente artigo, em primeiro momento, analisa o poder do povo, a sua atuação perante o Estado e como este se comporta ao povo; em segundo momento, como o Estado vem se comportando ao povo e qual a mentalidade do povo, do século XXI, ao Estado.

Brazil. Era assim que os índios, antes do descobrimento do Brasil pelos portugueses, chamavam o Brasil.

Muito antes do desembarque da Coroa portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808, como marco para a construção do Estado nacional, já existia a Administração Pública no Brazil. Antes da chegada da Coroa Portuguesa já existia complexa e ramificada administração: as instituições metropolitanas, a administração central, a administração regional e a administração local.

A divisão do Brazil se fazia em capitanias – as maiores unidades administrativas da colônia -, em comarcas, cidades ou vilas. Os termos eram constituídos de freguesias que correspondiam às paróquias da circunscrição eclesiástica. Por último, as freguesias se dividiam em bairros, cuja jurisdição era imprecisa (Caio Prado Junior, 1979:306).

A administração privada se mostrou um fracasso na maioria das capitanias hereditárias; com a chegada da Coroa, esta assumiu o controle das capitanias e instituindo uma administração central. A administração central tinha como metas a defesa do território contra invasores e contenção das atuações dos indígenas belicosos – os que não aceitavam a imposição [dominação] da Cora. Com a administração central, a Coroa Portuguesa diminuiu o poder dos governadores e juízes. Todavia devido a enorme distância da sede do poder e a lentidão na troca de mensagens, o poder da Coroa era diminuído, o que favoreceu a corrupção generalizada.
CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARÇO DE 1824)

A primeira Constituição. O trinômio “vitaliciedade, hereditariedade e irresponsabilidade” era a forma do governo monárquico. O povo nada mandava e nada dizia, o rei é que ditava as ordens [modo de se viver]. Não havia erros para o rei [irresponsabilidade]. A formação da Coroa se baseava nos ideais do rei, contudo, acordos, vantagens e proteções eram concedidos aos que se submetessem as regras do Rei. Já ao povo, muito, mas muito pouco, ou quase nenhum, direito.
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 24 DE FEVEREIRO DE 1891)

O rei perde seu trono. Enquanto na Constituição de 1824 a figura do rei representava a máxima da vida [como todos devem se comportar], na Constituição de 1891 o povo é que passou a ser o detentor de poder e a nortear, por contrato social, a vida humana em todas as suas nuances. A forma monárquica deu lugar à forma republicana de governo; na República, o Estado não pertence a um só homem [rei], mas, sim, a todos os homens [povo]. O trinômio “vitaliciedade, hereditariedade e irresponsabilidade” foi extinto, o que proporcionou a existência de um novo trinômio: “eletividade, temporariedade e responsabilidade”. “Eletividade”, o povo é quem escolhe os seus representantes; “temporariedade”, mandatos por prazos determinados pela Constituição; “responsabilidade”, os eleitos respondem pelos seus atos que causem prejuízos ao povo.

Apesar de o povo escolher seus representantes, de exigir punições para os maus governantes, não eram todos os cidadãos que possuíam estes poderes, principalmente os ex-escravos, as mulheres e os que não faziam parte das elites. Antes de 1930, o Brazil estava nas mãos do rei, depois, com a extinção da monarquia e institucionalização da República, o poder passou para as mãos das elites agrárias. Com a “Revolução de 1930” novos grupos oligárquicos [processo de industrialização] passaram a ditar regras aos milhões de brasileiros.

Desde a Constituição de 1891 até a Constituição de 1964, o poder ficava nas mãos de poucos brasileiros, muito diferente do que preconiza a Constituição de 1988, apesar da realidade. Enquanto nas Constituições Federais anteriores [1824 a 1967] a classificação do Estado e sua forma de organização vinham em primeiro lugar [primeiros artigos] do que as garantias do povo, a Constituição Federal de 1988 priorizou os direitos e garantias fundamentais nos primeiros artigos da própria Constituição.

Como o Estado [oligárquico] brasileiro dominou, determinou, excluiu e privilegiou minorias?

As oligarquias brasileiras, para seus próprios interesses, sempre inflamaram movimentos sociais.

Para entender o poder da oligarquia brasileira se faz necessário uma breve passagem na história dos EUA. Os EUA tinham uma sociedade protestante que alfabetizava os escravos para que estes pudessem ler e interpretar a Bíblia. O acesso a Divindade não sofria intermediação da Igreja Católica. As raízes da sociedade norte-americana são anglo-saxônicas; estes estavam acostumados a confrontar o rei da Inglaterra, como na Revolução de João sem terra. Além disso, a sociedade tinha um senso de participação comunitária. Em 1776, ano da independência dos EUA, mais de 90 % (noventa por cento) dos norte-americanos eram alfabetizados e a circulação de jornais era abrangente – o Brasil só atingiu no século XX.

O Brasil [com z ou s] sempre foi dominado por minorias. Primeiro a Coroa Portuguesa, depois pelos latifundiários agrícolas e pelas oligarquias industrializadas. Diferentemente dos EUA, o povo brasileiro era constituído de analfabetos e – os que não eram elitizados ou que não faziam parte da Coroa – não tinha noção de comunidade [um por todos, todos por um]. A igreja servia como mediadora dos homens ao divino. O Estado privilegiavam as oligarquias, pois estas ditavam regras ao Estado. Enquanto a sociedade norte-americana construía um Estado de baixo para cima, no Brasil se construía de cima para baixo. Outra fundamental questão que diferencia os EUA do Brasil é que a independência dos EUA teve participação do povo, enquanto a independência do Brasil se fez, somente, pela oligarquia.

Na Constituição Federal de 1934, a institucionalização da eugenia no processo educacional brasileiro:

“Art 138 – Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas:

(…)

b) estimular a educação eugênica.”

A imagem do povo [não elitizado] brasileiro sempre foi diminuída – o povo era mobilizado, mas sempre se pervertia a sua participação dando lugar a alguma figura política, por exemplo, como “salvador da pátria”; por exemplo, na transição entre o Estado Ditador (1964 a 1985) para o Estado Democrático. A participação [década de 1980] do povo [como um todo] fomentou a retirada dos militares do poder, contudo, mais uma vez, a grande maioria do povo – os subjugados há séculos pelas oligarquias – não se permitiu o edificar do poder que tinham em mãos. Passado o Golpe Militar, o mesmo povo [subjugado], apesar das normas Constitucionais, não se viu como detentor de poder sobre o Estado, mas mero coadjuvante ou subalterno.

A primeira demonstração de atuação das oligarquias foi a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, que culminou na renúncia do então presidente Jânio Quadros. As mulheres desse movimento possuíam maridos empresariados e militares. Por que Jango incomodou? Nas palavras de Juremir Machado, autos de Jango:

“Jango queria as reformas de base, em uma época que o Brasil ainda não estava maduro, as reformas agrárias, as reformas bancárias, reformas educacionais. Todas elas eram reformas importantíssimas, altamente necessárias para modernizar o Brasil à época, para tornar o país menos desigual, e para civilizá-lo. É claro que os setores conservadores da época não podiam aceitar e hiperdimencionaram a ameaça comunista com base em propaganda e financiamento americano para impedir que essas reformas fossem feitas”.

O golpe militar de 1964 também teve participação efetiva dos veículos de comunicação, com exceção do jornal Última Hora e a TV Excelsior, por defenderem a ordem democrática. A historiadora Beatriz Kushnir, em seu livro Cães de Guarda – jornalistas e censores, do AI-5 à constituição de 1988, desnuda a empresa brasileira e mostra a participação dos meios de comunicação no Golpe de 1964 e sua manutenção por 21 (vinte um) anos.

O poder ilusório do povo

Tanto na monarquia como nas Repúblicas brasileiras, o povo [os não elitizados] sempre foi mobilizado para atender as necessidades e intenções das oligarquias. O Estado, assim com a Administração Pública, sempre foram extensões das vontades das oligarquias brasileiras. Durante a Coroa Portuguesa, o rei ditava quem teria benefícios e proteções da Coroa; nas Repúblicas, não mais existia a figura do rei, mas o Estado serviu [e serve] como parâmetros ideológicos segregacionistas e limitadores a ascensão na mobilidade social – o processo de favelização no Brasil, depois da Abolição dos Escravos, não é sofisma sobre o poder das oligarquias na mobilidade social.

A Administração Pública, desde a Coroa Portuguesa, não proporciona qualidade de vida a todos os brasileiros, indiferentemente de classe social, de etnia. Os servidores públicos continuam a agirem com as mesmas mentalidades desde o período colonial. Quem ouça dizer que a eficiência do servidor público é precária correr sério risco de ser preso por crime de “desacato”.

Em pleno século XX, os gestores públicos tentam manter em rédeas curtas o povo [não elitizados (empresariados), pois estes contribuem muito para os interesses dos próprios gestores e de seus partidos políticos] com leis que cada vez mais punem os subversores do “Estado de Direito”. Na máxima dos direitos humanos, os próprios gestores públicos têm (mais que) assegurados todos os benefícios que o solo brasileiro produz (riquezas); aos párias seculares, o único direito que possuem é o direito de caminharem em linha reta como rebanho dócil.

Num conluio perverso, partidos e gestores públicos persuadem os semianalfabetos ou analfabetos políticos que as greves são consequências de interesses, absolutos, de oposições partidárias; assim, o artigo 7º, IV, da Constituição Federal de 1988, em toda a sua plenitude aos direitos humanos dos trabalhadores, não é respeitada em sua essência, mas rasgada descaradamente sem pudor. Enquanto isso, as remunerações dos agentes públicos envergonham o homem humilde (essência) ao ver que àqueles todas as potencialidades e riquezas que o solo brasileiro produz, entretanto, a miséria, a desonra aos direitos humanos aos milhões de párias que lutam, adoecem ou morrem, pela ação do Estado Absolutista, em pleno século XXI.

No caso que se encontra atualmente o Brasil, não há o que dizer que há um só interesse: o povo [párias] que lutam pelos seus direitos Constitucionais; as oligarquias modernas, que também lutam para se manterem no poder e ditar condutas de vidas, assim como quem pode ascender na mobilidade social; os partidos políticos, que também se digladiam para interesses de seus membros, e não do povo; os narcotraficantes, que com a ajuda dos negligentes gestores públicos deixam o Estado de Direito se desfragmentar.

Constitucionalismo Perverso

O Poder Originário, geralmente, tem sua gênese em virtudes de guerras, conflitos graves e revoluções. A titularidade, modernamente, é atribuída ao povo – indiferente de etnia, de classe social. A titularidade aliada à sociologia jurídica permite que o povo [do pobre ao rico, do analfabeto ao intelectual, do proletariado ao industrial, enfim, sem privilégios, discriminações e segregações] se opõe a textos Constitucionais que não sejam os reais valores da sociedade, o que se convencionou de “constitucionalismo perverso” – expressão utilizada por Boaventura de Souza Santos, sociólogo e professor na Faculdade de Economia na Universidade de Coimbra.

Dessa forma, o Poder Constituinte Originário possuiria limite, sendo os titulares destes limites o povo, ou seja, o povo é o detentor e finalístico de todos os poderes capazes de limitar, afrontar disposições, regras e convenções instituídas pelo Poder Constituinte Originário que sejam contrários à vontade do povo e suas convicções.

A nova Constituição Federal, então, seria a expressão ideológica máxima de um povo, sendo que todos os componentes deste povo fossem ouvidos e materializados as máximas na nova Constituição: os limites do Estado; a classificação do Estado e sua forma de organização; os princípios, os direitos e as garantias fundamentais.

Com a nova Constituição, as concepções e vontades do povo sempre seriam o norte de todo ato administrativo, não sendo possível qualquer ato administrativo que não fosse consubstanciado na vontade desse povo. Em poucas palavras, a vontade do povo seria o ápice de todo complexo e norma imposta ao Estado [e seus agentes públicos]. Assim, qualquer ato administrativo, que atentasse ou desvirtuasse as vontades, os anseios, a paz e a ordem social [estabelecidas pelo povo], não seria admitido prontamente, sujeitando o Estado [os agentes públicos] a responsabilização, imediata, de atos subversivos contra o Estado Democrático de Direito.

O Estado brasileiro no século XXI

O Estado [agentes públicos, principalmente os políticos] brasileiro atual subverte o Estado Democrático de Direito. A Carta Cidadão não passa de utopia diante das realidades brasileiras. Agentes públicos usam os Princípios Jurídicos Administrativos [Supremacia do Interesse Público, Presunção de legitimidade e a Presunção de Veracidade] para conseguirem seus objetivos mais nefastos que um ser humano possa materializar. O princípio da moralidade [legalidade mais impessoalidade], só para citar este, constantemente é violado. Só a atuação de todos os brasileiros, principalmente os párias seculares, não permitirá que o Estado Democrático de Direito seja revertido para um Estado absolutista – este, infelizmente, vem se perpetuando desde o descobrimento do Brasil.

O Estado absolutista [disfarçado de democrático] está violando os Elementos da Constituição como, por exemplo, limitativos [artigo. 5º], socioideológicos [arts. 6º e 7º], e formais de aplicabilidade [art. 5º, § 1º]. As oligarquias modernas [lobistas] são condescendentes com os atos ímprobos dos agentes públicos [políticos] valorizando, assim, toda atitude prejudicial ao bem-estar dos párias seculares. Os serviços públicos se tornam centros de excelências de repúdio à dignidade da pessoa humana dos párias. As licitações são eventos propícios a ganhos exorbitantes tanto das empresas contratadas como aos agentes públicos políticos, porém tornando a vida dos milhões de brasileiros, não elitizados, a uma cotidiana condição neurótica. A dignidade dos milhões de proletariados é, também, violada. O artigo 7º, da CF/1988, não atende a necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, além disso, os reajustes periódicos não preservam o poder aquisitivo. O mais vexatório para os proletariados é ter a convicção de que os subsídios dos agentes públicos políticos são dignos de um Estado absolutista – estes tudo têm de melhor, o Palácio de Versalhes, que é Brasília, não demente o fato.

Qualquer reforma política tem que ter participação de todos os brasileiros, principalmente dos subnutridos, dos moradores de áreas de risco, dos proletariados que enfrentam os péssimos serviços de transporte público, dos indígenas que são mortos por fazendeiros, dos pacientes agonizantes do SUS, das estudantes das redes públicas de ensino, dos moradores de áreas de risco, da sociedade que deseja instituições prisionais que ressocializam e o máximo de rigor das leis para os atos de improbidades administrativas.