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Bernardo Cabral: a alma da Constituição Federal

26 de novembro de 2013

Orpheu Santos Salles Editor

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Orpheu Santos SallesValho-me dos prólogos dos eminentes ministros Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes, do economista e ex-ministro Ernane Galvêas, dos acadêmicos Arlindo Porto e Júlio Antonio Lopes, do empresário amazonense Gaitano Antonaccio e do cientista das águas, Jerson Kelman, para descrever a personalidade de Bernardo Cabral, exposto por essas personalidades em brilhantes panegíricos publicados na edição comemorativa dedicada em seu louvor, em abril de 2012, da revista Justiça & Cidadania.

Obteve o bacharelado em Direito pela Universidade Federal do Amazonas aos vinte e um anos – mais jovem na turma em que se graduou. Imediatamente, tornou-se advogado e, destacando-se no ofício, veio a ocupar, sucessi­vamente, as funções de delegado, promotor de Justiça, chefe de Polícia e secretário de Segurança Pública, sempre no estado de origem. Aos vinte e sete, foi nomeado chefe da Casa Civil do Governo e, em seguida, procurador do Estado do Amazonas. Ainda moço, aos trinta anos, chegou a ter assento na Assembleia Legislativa do estado natal, na legislatura de 1962 a 1966.

Se os prólogos já revelam uma existência em que caberiam muitas vidas, a partir daí, Bernardo Cabral assumiu papel de protagonista na vida política brasileira, passando a influenciar o futuro dos concidadãos.

Nas eleições subsequentes, aos trinta e cinco anos, elegeu-se deputado federal. Infelizmente, permaneceu no cargo por apenas um ano, porque teve o mandato cassado pelo Ato Institucional no 5, de 13 de dezembro de 1968, em razão das opiniões emitidas, nos meios de comunicação, que causaram incômodo à ditadura então insurgente.

A vocação para a liderança levou-o ao cargo de presidente da Ordem, no biênio 1981-1983. A contribuição inestimável para a República Federativa do Brasil veio no final de 1980. Com os direitos políticos restabelecidos, voltou a ser eleito deputado federal para exercer o mandato entre 1987 a 1991, compondo a Assembleia Nacional Constituinte.

Era preciso, então, timoneiro à altura da desafiante empreitada de construir nova ordem constitucional, capaz de reunir em um só bornal conhecimento técnico, liderança e experiência; haveria de trazer consigo os brilhos da lucidez,  e da acuidade intelectual, a marca do descortino, o pendor nato para a conciliação e o respeito irrestrito à alteridade.

Em votação dramática, venceu a disputa para a relatoria da comissão de sistematização dos trabalhos realizados pelas subcomissões da Constituinte, aclamado pela bancada do Partido da Mobilização Democrática Brasileira. Conhecido pelo caráter conciliador e vivaz, capaz de dialogar com interlocutores de diversas vertentes políticas, logrou, com trabalho e paciência, desvencilhar-se de armadilhas oriundas de grupos de pressão, lobistas e políticos insatisfeitos. Entregou, ao fim, o documento democrático produzido pela política brasileira.

Com o término da Constituinte e a promulgação da Carta, tornou-se árduo defensor da efetividade dos novos marcos político e social brasileiro. Essa tem sido a sua bandeira. O tempo fez compreender o laconismo das respostas que dava aos detratores da Constituinte: em meio a crises institucionais e ao reformismo crônico, a Lei Maior de 1988 sobreviveu, refletindo as esperanças de um futuro melhor para a República Federativa do Brasil. Se, em pouco mais de duas décadas, caminhamos do regime de exceção à supremacia da Constituição, parte desse fenômeno se deve ao idealismo e à luta política de Bernardo Cabral.

À luz da trajetória coerente e corajosa de Cabral, compreende-se perfeitamente o documento progressista que, dois séculos depois da independência, injetou nas veias do país – de uma vez por todas – “o ar saudável das liberdades públicas e civis”, para usar as sempre apropriadas palavras do mais ilustre dos amazonenses.

De fato, somente um democrata empedernido – no caso, por convicção e natureza – poderia conciliar com tanta lhaneza o que, à primeira vista, transparecia inegociável, tal o conflito de interesses a envolver, em um momento de transição da história política, temas tão díspares quanto anistia, reforma agrária, recursos minerais e divisão de competências e receitas tributárias. Ao fim, prevaleceu, felizmente, a moderação criteriosa que sobrepôs os interesses coletivos aos do Estado gigante e perdulário, que consagrou, como traço modernizador da Carta, a notória vertente antidiscriminatória dos cidadãos.

Vale lembrar palavras pronunciadas por Bernardo Cabral ao discursar no Superior Tribunal de Justiça na solenidade comemorativa dos 25 anos da criação do “Tribunal da Cidadania”, no final de sua palestra, ao revelar ter “a certeza de que relembrando os trabalhos desenvolvidos para a criação do STJ, eles me conferem o prazer de dizer que carrego comigo as cicatrizes orgulhosas do dever cumprido, como ensinou meu saudoso pai, e com elas posso afirmar que, se a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é a Carta da Democracia, este Superior Tribunal de Justiça é a Egrégia Corte da Cidadania.”

As homenagens devidas e prestadas a Bernardo Cabral se perpetuarão gloriosamente como reconhecimento à sua brilhante participação na feitura e na grandeza da Constituição Federal, da qual é merecidamente o relator, fazendo-o portador do merecido cognome:

Bernardo Cabral, a alma da Constituição Federal.