As singularidades do auxílio-moradia

5 de fevereiro de 2001

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O Magistrado, nos termos do dispositivo da LOMAN transcrito, na redação dada pela Lei Complementar nº  54, de 22 de dezembro de 1986, tem direito a ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que inexista residência oficial à sua disposição.

Embora o caput do referido artigo de lei tenha utilizado a expressão “poderão ser outorgados aos magistrados, nos termos da lei”, esta não é, no sentido de que a instituição da ajuda de custo, dependa de lei, mas sim que o seu percebimento está condicionado à regulamentação do comando legal.

Assim é que o Supremo Tribunal Federal, em inúmeras oportunidades, já decidiu que o art. 65 da Lei Complementar 35/79 enumera hipóteses taxativas, isto é, impossível de ampliação ou redução.

O INFORMATIVO S.T.F. n.º 2, de 21 a 25 de agosto de 1995 – trouxe a seguinte decisão, do Pleno:

“Examinando a legitimidade de licença-prêmio concedida a magistrado por lei estadual, o Pleno reafirmou o entendimento de que as vantagens, pecuniárias ou não, previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC 35/79) são exaustivas, não podendo ser ampliadas ou reduzidas pelos Estados. Com base em tal premissa, declarou-se revogada pela LOMAN a referida norma local, e inaplicável aos magistrados licença-especial prevista na Constituição do Estado para os servidores públicos em geral. O problema da recepção da LOMAN, em face do art. 93, da Carta de 1988, foi objeto de discussão incidental” (AOr 155 RS, rel. Min. Octávio Gallotti, sessão de 23.08.95) – grifamos.

Neste julgamento, da AO 155-2/RS, o Ministro Relator  OCTÁVIO GALLOTI, afirmou que:

“Ora, a Lei Orgânica da Magistratura estabelece um regime taxativo de direitos e vantagens dos magistrados, recebida    pela   Constituição   de   1988,   e   insuscetível     de modificação por meio de legislação estadual de qualquer hierarquia, bem como de lei ordinária federal. (grifamos)

Assim  tem reiterada e uniformemente entendido o Supremo Tribunal.”

No mesmo sentido, foi a posição do preclaro Ministro Sepulveda Pertence, que assentou que:

“Os direitos e vantagens, estabelecidos no ‘Estatuto da Magistratura”, são o mínimo a impedir que os possa restringir o legislador local, mas são também o máximo, a desestimular,  enfim, qualquer “troca institucional de boas   vontades” entre os Poderes, na órbita   local.”

Igual posicionamento foi a do Ministro Marco Aurélio, que , em pronunciamento neste ponto vencedor, asseverou que:

“Como salientou S. Exa., . a edição da Lei   Complementar n.º  35 trouxe ao cenário jurídico um rol  exaustivo dos direitos dos magistrados, isto mediante o preceito do artigo 65:

“Além dos vencimentos, poderão ser outorgadas, aos magistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens:”

A norma, portanto, é numerus clausus, e não simplesmente exemplificativa.”

Reafirmando este entendimento, do caráter exaustivo da norma do art. 65, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, em decisão recente, o preclaro Ministro Octávio Galotti deixou assentado que:

“EMENTA: É de caráter exaustivo a enumeração das vantagens conferidas aos magistrados pela Lei Complementar nº 35- 79, não se lhes estendendo, portanto, as outorgadas, em lei ordinária, aos servidores em geral. Precedentes do Supremo Tribunal: RE 100.584 (DJ de 3-4-92), RMS 21.410 (DJ de 2-4-93), AO 184 (RTJ 148/19) e AO 155 (RTJ 160/379)”. (STF- RMS-21405 / RS – 1ª Turma,  Relator Ministro OCTAVIO GALLOTTI v.u., j. em 20/04/99,  DJ de 17-09-99, p. 00061 , EMENT VOL-01963-01 PP-00067 )

Depois, não é de se esquecer que apenas não se estabeleceu de plano a concretude do direito do magistrado à ajuda de custo, para moradia, em face  de ser intenção da lei que  fosse colocado à disposição do magistrado residência oficial. Fosse deste modo, não haveria razão para a lei descer aos detalhes, uma vez que o auxílio-moradia seria regra de exceção.

Contudo, já que se tem direito concretamente definido em lei, poderia se questionar: e a regulamentação do dispositivo legal para que se possa perceber o auxílio-moradia?  Responde-se que esta regulamentação já existe, bastando se considerar a isonomia entre os membros dos Poderes da República, conforme a seguir se demonstrará.

Diz o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil que “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

O art. 126 do Código de Processo Civil , por sua vez, estabelece: “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”.

Destarte, cumpre lembrar que nos princípios gerais de direito está a isonomia, de preceito constitucional, que no caso dos magistrados, se invoca: – O  Poder Legislativo Federal concedeu aos Deputados Federais a vantagem do auxílio-moradia para aqueles que não têm à sua disposição moradia oficial.

Ainda, a afastar qualquer entendimento de que há necessidade de lei em sentido estrito para o reconhecimento do direito ao auxílio-moradia, acorre-nos o preceituado no parágrafo único do art. 1º  da Lei 8.448, de 21 de julho de 1992, que regulamentou os arts. 37, inciso XI, e 39, § 1°, ambos da Constituição Federal

Os deputados federais, no exercício de suas funções, quando não possuem imóveis funcionais, cedidos pela União, recebem auxílio moradia.

O auxílio-moradia é valor percebido pelos membros do Congresso Nacional, e devem os Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal receber referido auxílio, caso não tenham imóveis funcionais. E em conseqüência, os juízes federais.

Esse auxílio-moradia, dos deputados federais, não foi instituído por lei, e sim, por Ato da Mesa da Câmara.

Os parlamentares federais,  desde 25 de abril de 1979, recebem o auxílio moradia, de acordo com o Ato da Mesa n.º 15, publicado no D.C.N, de 16 de maio de 1979, p.3965.

Este auxílio-moradia, hoje, é pago mensalmente, como complementação financeira, fixada em R$ 3.000,00 (três mil reais), valor este de conhecimento notório da sociedade.

Ora, se  os Deputados Federais têm direito ao auxílio-moradia, igual direito têm os magistrados, em face ao princípio da igualdade, disciplinado no parágrafo único do art. 1º,  da Lei 8.448, de 21 de julho de 1992, que regulamentou os arts. 37, inciso XI, e 39, § 1°, da Constituição Federal. Referido texto legal diz, textualmente, que os valores percebidos pelos Deputados Federais e Ministros de nossa Suprema Corte devem ser equivalentes, o que tem repercussão em relação aos magistrados federais, ainda mais considerando, no caso particular exposto neste estudo, que  o auxílio-moradia é ajuda de custo, instituída em prol de todos os membros do Poder Judiciário,  sem distinção, nos termos do art. 65, inciso II, da LOMAN.

Ademais, o Poder Judiciário é uno, recebendo tratamento uniforme, em todos os seus níveis. Tanto, que a legislação da Magistratura possui âmbito nacional. Alcança a Justiça dos Estados e da União, sem distinção, abrangendo todos os seus membros, em qualquer instância que se encontrem.

O princípio da isonomia demonstra-se, sobretudo, um dos alicerces magnos da estrutura do Direito. Com efeito, mostra-se um dos “vetores para soluções interpretativas”, conforme assinalou o preclaro Celso Antonio Bandeira de Mello. Contudo, torna-se forçoso  reconhecer, dele não se colhe a igualdade absoluta no tratamento das pessoas.

Urge, para atingir-lhe o âmago, ater-se a dois aspectos ínsitos a ele. Seu elemento discriminador e o conteúdo teleológico desta discriminação. De ambos, alcançaremos a ilação se, numa determinada circunstância, foi ele arrojado longe, ferindo-se, assim, nossa Lei Maior.

Desde logo, ressurge a idéia de isonomia entre os magistrados federais, de primeiro e segundo graus, e os membros das casas legislativas federais. O artigo primeiro, parágrafo único, da Lei n. 8448, de 21.07.92, dispõe a igualdade de vencimentos entre os membros do Congresso Nacional e os ministros do STF.

Convém observar a natureza jurídica do instituto em questão. Atenhamo-nos a ele. O auxílio moradia não acresce de modo algum o patrimônio, pois, não conduz a lucro, tampouco se amolda à noção constitucional de renda. Daí, deduz-se que  esta ajuda de custo, objeto deste tema,  entretece-se  com tons de indenização, eximindo-se de quaisquer forças impositivas, uma vez que busca  reconstituir a perda patrimonial, a que se submete o magistrado. Dedica-se à sua atividade, sem possuir um imóvel oficial à sua disposição.

O valor da indenização precisa avizinhar-se, o máximo possível, do “quantum” necessário a ressarcir o dano sofrido, de maneira a reconstituir ao lesado seu estado anterior. Ressalta-se, desta forma, a exigência da indenização equivaler à diminuição patrimonial  em decorrência do prejuízo.

As despesas com moradia, realizadas pelos parlamentares federais, não divergem das feitas pelos Juízes Federais.  Aqueles obtêm imóvel funcional. Os magistrados, ao contrário, arcam tais despesas com seus vencimentos.

Tal cenário tinge-se das mais vivas cores de desigualdade. Fere o princípio da isonomia, agasalhado pela Constituição Federal. O  exercício de um mandato parlamentar ou de um cargo de Magistrado não se concilia com o fim da discriminação: conceder indenizações diferentes, alicerçadas em  possíveis diferenças, ante o disposto em lei. Ao invés, a Constituição ordena tratamento semelhante às pessoas que se achem em situações fáticas e jurídicas iguais.  O auxílio-moradia revela-se um gênero de indenização. Imbui-se da finalidade de recompor diminuição patrimonial. Então, precisa ser conferido igualmente à totalidade das pessoas que tiverem tal diminuição.

Assim, sendo os Deputados Federais e Magistrados membros e agentes de Estado, membros de Poderes da República, que coexistem harmonicamente, o tratamento jurídico quanto aos valores que percebem devem ser em tudo equivalentes, inexistindo razões de discrímen que possam diferenciá-los quantos aos valores percebidos dos cofres públicos.

Desta forma, percebendo os Deputados Federais o auxílio-moradia, tal fato é hábil para dar ao magistrado federal o pleno e concreto exercício do direito ao recebimento da ajuda de custo, para moradia, quando não dispõe de residência oficial, pois no ato legislativo se estabeleceu todos os parâmetros regulamentares necessários ao efetivo e real exercício do direito já há muito existente e conferido ao magistrado federal.

Como estes parâmetros foram emanados do próprio Poder Legislativo Federal, sua aplicação ao Poder Judiciário faz-se de rigor, por questão de Justiça e de Direito, especialmente decorrente do princípio da isonomia.

Os Deputados Federais recebem tal ajuda de custo desde 1.979, por força de regulamentação administrativa, a qual é bastante para lhes assegurar o pleno exercício do direito ao auxílio-moradia.

Registra-se   que simples regulamentação administrativa foi suficiente, para assegurar ao magistrado federal o direito à percepção de diárias e ajuda de custo, para despesas de transporte e mudança. E independentemente de lei, em sentido estrito, consoante a Resolução nº 69/92, do Conselho da Justiça Federal, órgão do egrégio Superior Tribunal de Justiça. Esta expressamente traz em seu preâmbulo a seguinte ementa:

Ainda que inexista regulamento administrativo, emanado do Judiciário Federal, isto não mostra óbice, para  o exercício, pelo magistrado, do seu direito à ajuda de custo, que ora se busca, na esfera judicial.  Não somente a Constituição Federal prega a isonomia entre os membros dos Poderes da República, mas a legislação ordinária estabeleceu a equivalência de valores, recebidos pelos Deputados e Ministros do Supremo Tribunal Federal, repercutindo tal regra em relação aos demais magistrados federais, que também são membros do Poder Judiciário Federal.

Ainda que inexista regulamento administrativo, emanado do Judiciário Federal, isto não mostra óbice, para  o exercício, pelo magistrado, do seu direito à ajuda de custo, que ora se busca, na esfera judicial.  Não somente a Constituição Federal prega a isonomia entre os membros dos Poderes da República, mas a legislação ordinária estabeleceu a equivalência de valores, recebidos pelos Deputados e Ministros do Supremo Tribunal Federal, repercutindo tal regra em relação aos demais magistrados federais, que também são membros do Poder Judiciário Federal.

Ressalta a vista a injustiça cometida contra todo o Poder Judiciário, nos últimos vinte e um anos.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional completou a sua maioridade civil em 14 de março de 2000, vinte e um anos de vigência.

Passado todo este tempo, não foi dado implementação ao direito previsto no art. 65, II, da LOMAN, que prevê o auxílio moradia para juízes que não tem imóvel oficial à disposição na Comarca, por problemas políticos que aqui não cabem discutí-los, por fugir ao tema proposto.

Mas, conforme demonstrado acima, face ao princípio da igualdade, e levando em consideração, que o rol do art. 65, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, é taxativo, não se admitindo ampliação ou redução,  têm os juízes direito ao auxílio-moradia, desde a entrada do efetivo exercício.

Apesar do Supremo Tribunal Federal, na apreciação da liminar da Ação Originária 630, Relator Ministro Nelson Jobim, prolatada em 27 de fevereiro de 2000 , amplamente noticiada pela mídia,  ter  aplicado a equivalência prevista no parágrafo único do art. 1º  da Lei 8.448, de 21 de julho de 1992, que regulamentou os arts. 37, inciso XI, e 39, § 1°, ambos da Constituição Federal, não se trata, referida  decisão, do auxilio-moradia, erroneamente noticiado pela imprensa,  pois deu-se a interpretação de que esta verba recebida pelos parlamentares, teria natureza salarial, e não indenizatória, e logo foi determinada a correção da tabela de vencimentos de toda a  magistratura federal, ativos e inativos.

Ora, o verdadeiro auxílio moradia, previsto na LOMAN, pressupõe, repita-se, apenas, que na Comarca onde resida o magistrado, não se tenha residência oficial, à sua disposição.

Havendo esta residência oficial, ou sendo o magistrado aposentado, este não terá direito a esta verba indenizatória. Toda esta interpretação decorre da LOMAN.

Concluindo, tal instituto mostra-se um rico e pujante veio para estudo. E à medida que  nele nos engolfamos, novos raciocínios assomam, diversas idéias brotam, sempre palmilhando o caminho para atender à função judicante, em seu apoio material, na busca de condições para os juízes se integrarem na sociedade, em seu quotidiano. Procura-se permitir, assim,   local adequado para que residam ele e família. Em suma, isto contribui para o fortalecimento do Poder Judiciário e das instituições democráticas.