Edição 212
Arbitragem trabalhista – O novo cenário de solução extrajudicial de controvérsias inaugurado com a Lei nº 13.467/2017
20 de abril de 2018
Carolina Tupinambá Professora de Direito, Processo e Pratica Trabalhista
Isabela Reimão Advogada
1. A arbitragem como método alternativo de solução de controvérsias
A arbitragem é um método adequado de solução de controvérsias que ganhou relevância com a alteração promovida na Consolidação das Leis do Trabalho, pela lei 13.467/2017. Esse método extrajudicial é técnica de solução de conflitos ao mesmo tempo tradicional e de vanguarda.
Tradicional pois muito antigo, com destaque ao famoso e milenar Tribunal de Águas de Valência. Em contrapartida ultramoderno, ao se pensar na complexa logística das arbitragens chamadas eletrônicas ou virtuais.
Em movimentos contemporâneos, é possível se fazer uma extensa lista sobre a aplicação da arbitragem como meio para solução de conflitos virtuais. Apenas para citar um exemplo, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, instituição com sede física em Genebra, na Suíça, e que regula internacionalmente o direito de propriedade intelectual relacionado com os domínios na Internet, tem resolvido pelo mecanismo da arbitragem eletrônica diversas disputas acerca de registro de domínios pela rede. Trata-se de método de solução de conflitos não só adequado, mas também praticamente o único possível para tal faixa de controvérsias. É que, eventualmente, um dos requerentes do endereço eletrônico pode estar em um determinado país, sua empresa em outro e o provedor de serviços que lança as informações ainda em um terceiro, o que, de fato, inviabiliza métodos ortodoxos de solução de conflitos.
2. A arbitragem no Brasil
No Brasil, a aprovação da Lei de Arbitragem em 1996, fruto da chamada Operação Arbiter, foi natural consectário de um movimento envolvendo políticos, setores econômicos e juristas em direção à revitalização da arbitragem, objeto de uma série de projetos de lei precocemente abortados ou rejeitados. Aliás, o projeto de lei que redundou na Lei no 9.307/1996 tramitou anos e anos no Congresso Nacional, e, quando da publicação da nova legislação sobre este importante meio alternativo de acesso à justiça, a bem da verdade, a comunidade jurídica sentiu-se violada e até mesmo chocada, parecendo confirmar-se a suspeita de que haveria uma marcha em prol da privatização do Judiciário.
Daí, o teste da nova legislação foi imediato e a discussão jurisprudencial que se abriu respaldou dúvidas e incertezas encaminhadas ao STF, já no mesmo ano de publicação da nova lei, no paradigmático julgamento da Homologação de Sentença Estrangeira n. 5.206-7. Não obstante, o referido caso somente foi concluído após vários pedidos de vista, dada a complexidade e inovação da matéria, em dezembro de 2001.
A importantíssima decisão da Suprema Corte consolidou o quadro jurídico que garantiu a arbitragem como via legítima de acesso à justiça e exercício de jurisdição compreendida por sua acepção mais ampla, em perspectiva funcional e teleológica de pacificação de conflitos.
2.1. As resistências mais difundidas à arbitragem
Contextualmente, se já em 1857, nos idos do Império brasileiro, a arbitragem era via possível, recomendada e mesmo obrigatória para resolução de conflitos entre comerciantes, convém confessar que é possível, e até provável, que uma espécie de entrave cultural explique a falta de adesão da prática até os dias de hoje.
Ao que parece, paira nas crenças dos jurisdicionados algo como um receio, medo, temor de que, ao se optar pela arbitragem, haja exposição absoluta a um procedimento iníquo e injusto, sujeito à corrupção do árbitro e à má-fé do contendor, além do abandono à própria sorte em face do desamparo do Estado. Este sentimento de insegurança em relação à arbitragem sempre impediu a completa assimilação cultural do procedimento arbitral, mesmo após a reflexão no Congresso Nacional brasileiro sobre diversos Projetos de Lei que diziam respeito à arbitragem, os quais, de alguma maneira, redundaram na legislação própria publicada em 1996.
No que tange aos conflitos trabalhistas, a aplicação da Arbitragem como método de solução de conflitos era praticamente impossível até o advento da lei n. 13.467/2017, a dita Reforma Trabalhista. Apesar de não haver qualquer proibição legal expressa para adoção da referida técnica, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do Recurso de Revista no 79500-61.2006.5.05.0028, concluiu que a arbitragem não se compatibiliza com o direito individual do trabalho. Para o TST, na esfera coletiva, a arbitragem seria autorizada e incentivada, devido à relativa igualdade de condições entre as partes negociadoras, pois empregados e empregadores têm respaldo igualitário de seus sindicatos. A Lei n. 9.307/96, que traça diretrizes para a arbitragem, teria sido clara ao limitar seu campo de atuação aos direitos patrimoniais disponíveis, categoria na qual não inserida os direitos personalíssimos.
Dentre os temores que assombravam a adoção da arbitragem na área trabalhista destacam-se os seguintes argumentos: (i) os custos dos tribunais arbitrais, normalmente muito dispendiosos, não comportariam a realidade que não de grandes incorporações e (ii) os juízes do trabalho não reconheciam os laudos arbitrais e praticamente inexistiam tribunais arbitrais trabalhistas.
3. A Arbitragem no cenário pós-lei n. 13.467/2017
A Lei 13.467, de 13/07/2017, promoveu alteração em diversos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Dentre diversos direitos objetos da Reforma Trabalhista, destaca-se a arbitragem nos contratos individuais de trabalho, nos termos do artigo 507- A, da CLT, o qual dispõe que quando o empregado perceba remuneração superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser estabelecida cláusula compromissória “por iniciativa do empregado ou mediante sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei 9.307/96.”
São inúmeros os seus benefícios, tais como a celeridade, o custo baixo, a flexibilidade do procedimento e o sigilo, entre outros. Aliado a eles, garante-se a imparcialidade dos árbitros, visto que sujeitos às mesmas hipóteses legais de impedimento e suspeição do juiz.
O maior uso da arbitragem tende a ser benéfico ao contencioso trabalhista, em vista da sua maior celeridade se comparado à Justiça do Trabalho, bastante congestionada, tal qual os demais ramos do Judiciário.
Exemplos simples e concretos. Caso o trabalhador ajuíze reclamação trabalhista e, devido à demora dos trâmites, consiga outro emprego no decorrer do processo, provavelmente não comparecerá à audiência trabalhista por medo de comunicar ao novo empregador a necessidade de se ausentar por compromisso derivado de reclamação judicial movida em face do antigo empregador. Na arbitragem, o agendamento das audiências seria muito mais flexível e cômodo. Inclusive, as partes podem escolher quando e onde se reunirão para debater sobre o conflito, não atrapalhando a rotina do ex-empregado que já esteja laborando para outro empregador nem da empresa que poderá agendar os encontros da maneira que melhor se adeque a agenda de seus prepostos.
Sendo um procedimento sigiloso, a arbitragem poupa a exposição desnecessária de fragilidades e informações confidenciais tanto do empregado, quanto do empregador.
A resolução do conflito sob a via arbitral tem vocação para ser mais rápida e ágil do que pela via da jurisdição estatal.
Além disso, os custos que envolvem a Justiça do Trabalho, que já eram significativos para os reclamados, notadamente as empresas, que devem recolher os depósitos recursais para terem a causa reapreciada, após a reforma trabalhista também aumentaram para os reclamantes, ex-trabalhadores.
Neste sentido, destaca-se que mesmo para autores são diversos os custos que uma ação trabalhista poderá envolver, quais sejam (i) condenação em custas que alteram de acordo com o valor da causa; (ii) condenação por litigância de má-fé, com o pagamento de 1 a 10% do valor da causa; (iii); condenação em honorários de sucumbência nas hipóteses de improcedência ou procedência parcial da demanda; (iv) dificuldade na concessão do benefício da gratuidade de justiça visto que a nova redação da CLT impõe a comprovação da precariedade financeira; além do fato de que (v) mesmo se beneficiário da justiça gratuita, quando vencido, o autor deverá arcar com as custas, caso sua situação financeira melhore em dois anos ou venha a ganhar eventual crédito em outras ações, até mesmo trabalhistas.
Diante de tal cenário é evidente o benefício trazido pelo procedimento arbitral em termos de gerenciamento de custos já que estes são usualmente menores, pré-definidos, estabilizados e conhecidos das partes. Não há surpresas nem riscos financeiros.
4.Direitos submetidos ao juízo arbitral
As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. O artigo 611-A da CLT descreve em seus incisos tais direitos, tais como prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo, banco de horas anual e remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual, entre outros.
Destaca-se que o artigo 611-A tem seu rol exemplificativo, razão pela qual deve-se interpretar que qualquer direito não elencado como indisponível pelo artigo 611-B será considerado disponível.
5. O silêncio da CLT quanto ao compromisso arbitral
Além da capacidade especial para contratar exigida pela Lei no 9.307, notadamente conhecida como Lei da Arbitragem, a CLT acrescentou o requisito de que apenas os trabalhadores que auferem de salário maior do que o dobro do limite dos benefícios do RGPS que poderão estipular cláusula compromissória em seus contratos de trabalho.
A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
Contudo, a CLT é silente quanto ao compromisso arbitral, ou seja, o pacto estabelecido entre as partes em submeter o litígio a um árbitro, após encerrado o vínculo.
Evidentemente que, se a Consolidação das Leis do Trabalho permitiu a estipulação de cláusula compromissória, mesmo que de forma restrita, não teria razão para recusar a aplicação do compromisso arbitral. Explica-se: a cláusula compromissória é pactuada em momento de início da relação contratual, em que o empregado e o empregador estão sedimentando suas tratativas. Se neste momento, a CLT entendeu, por bem, que o alto empregado tem suficiente poder de barganha para recusar a adoção da cláusula e, portanto, a adoção da mesma não deverá ser considerada eivada de qualquer nulidade, mais lógico ainda se permitir o compromisso arbitral, estabelecido entre as partes após a rescisão contratual, quando já neutralizado o temor reverencial. Se justamente no momento em que poderia haver alguma “pressão” por parte do empregador, que é o momento em que o contrato de trabalho inicia-se, a CLT permitiu a adoção da arbitragem, tanto mais legítimo o reconhecimento da opção após encerrado o vínculo.
Nesta linha de raciocínio, mesmo ex-empregados que auferiam menos do que o dobro do limite do RGPS como salário poderão estipular compromisso arbitral para solução de suas controvérsias, após o encerramento do vínculo.
6. Conclusão
A lei n. 13.467/2017 inovou positivamente ao permitir expressamente a adoção da arbitragem como método extrajudicial de resolução de conflitos na área trabalhista.
O juiz arbitral submete-se às mesmas hipóteses de suspeição e impedimento que os magistrados trabalhistas, respondendo tal como estes se não atuarem de forma ética e a opção pelo procedimento oferece benefícios múltiplos, dentre os quais a maior celeridade, previsão de custos, sigilo e simplicidade.
Evidente, portanto, que a Lei 13.467/2017, no tocante a este tema, de fato modernizou a legislação, tornando-a mais coerente com a necessidade de soluções rápidas, eficazes e personalizadas que o mundo globalizado exige.