Alteração da jurisprudência do TRF-2: ausência de fixação de prazo para INPI decidir processos de registro

4 de agosto de 2025

Raineri Ramalho Analista Judiciário no Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Wanderley Sanan Dantas Desembargador Federal no Tribunal Regional Federal da 2ª Região

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O controle das atividades da Administração Pública pelo Judiciário é repleto de controvérsias político-jurídicas que estão sempre se renovando. Uma das questões é a imposição de prazos para a Administração decidir seus processos. 

No âmbito federal, o art. 49 da Lei no 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo) impõe 30 dias, prorrogáveis por igual período, para a Administração decidir seus processos após conclusão da instrução. Com base nesta determinação legal e nos princípios da celeridade processual e da razoabilidade, o Tribunal Regional Federal da 2a Região (TRF-2) vinha determinando, em sede de mandado de segurança, que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) concluísse os processos de registro de marcas ou patentes em até 60 dias caso houvesse “demora irrazoável” além do prazo da Lei do Processo Administrativo. 

Essa imposição ao INPI sempre foi objeto de controvérsia, inclusive entre os atores privados que atuam no ramo de Propriedade Industrial, considerando as peculiaridades próprias dos processos de registro da competência do INPI. 

Com maior amadurecimento na questão e avaliando os avanços administrativos implementados pelo INPI, a Segunda Turma do TRF-2 modificou seu entendimento no julgamento do MS no 5084794-88.2023.4.02.5101, de relatoria do Desembargador Federal Wanderley Sanan Dantas (coautor desse artigo). 

Foi constatado que a Lei do Processo Administrativo, pela própria estrutura, aplica-se aos processos ordinários, comuns, apresentados perante a Administração: pedido de vista de documento, revisão de algum ato administrativo, concessão de benefício etc. Seria a lei geral do processo administrativo ordinário. Já para processos especializados, deve ser aplicada a lei que trate diretamente desses processos, principalmente quanto ao prazo, exatamente por causa de sua natureza e do seu grau de complexidade diferenciados, como previsto no próprio art. 69 da Lei no 9.784/1999. 

No caso dos processos de registro de marca ou patente, existe a Lei de Propriedade Industrial (LPI) como lei específica. Extremamente relevante para a modificação do entendimento do TRF-2 foi a constatação de que a LPI não impõe prazo ao INPI para conclusão dos processos de registro. A LPI prevê prazo para a prática de atos, mas todos os prazos previstos na lei são voltados ao administrado, e não ao INPI, como se constata da leitura dos arts. 158, 159 e 224. 

Como concluído no voto que guiou a mudança da jurisprudência do colegiado, a ausência de prazo para a prática de atos pelo INPI não é lacuna normativa, mas verdadeira decisão legislativa: em razão das peculiaridades inerentes aos processos de registro de ativos de propriedade industrial, não há como delimitar um prazo, reduzido ou extenso, para que o órgão chegue a uma conclusão. 

Em casos de registros de marcas, deve ser feita a comparação visual com todos os outros registros na mesma categoria para verificar se há conflito, além de avaliação da constituição do próprio sinal – se é imitação de emblema, sigla ou monumento oficial público nacional ou internacional (art. 124, I e IV), sinal de caráter genérico ou descritivo (art. 124, VI), expressão de propaganda (art. 124, VII), forma necessária ou comum do produto (art. 124, XXI), entre outros. Nos depósitos de patentes, a análise é ainda mais ampla: deve ser analisado todo o conhecimento humano divulgado publicamente até a data do depósito apenas para a análise do requisito de novidade (art. 11, §1o, da LPI), que depois ainda será sucedida pela avaliação dos critérios de atividade inventiva e aplicação industrial. Tanto para marcas, quanto para patentes, ainda devem ser analisadas e decididas eventuais oposições apresentadas por terceiros. 

Considerando essa complexidade e a ausência de prazo legal para a prática do ato, o critério de “razoabilidade” adotado em alguns precedentes é pessoal e falho, podendo haver consideração de um julgador de que 60 dias já fuja do razoável – como se observava em vários casos –, enquanto outro pode achar que alguns anos não está fora desse parâmetro, em ofensa à segurança jurídica e à previsibilidade das decisões judiciais. 

Por essas razões, a definição do prazo de resposta da Administração deve ser feita pelo Legislativo, Poder com competência institucional para avaliação de critérios de conveniência e imposição de escolhas estatais. Tendo, em relação aos processos de propriedade industrial, o Legislativo decidido que não se impõe prazo ao órgão competente, não caberia ao Judiciário fazê-lo, em respeito à divisão de competência constitucional. 

Além das questões legislativas e constitucionais atinentes à questão, a Segunda Turma do TRF-2 examinou as ações adotadas pelo INPI para combater o atraso nas conclusões dos processos de registro para apurar se havia omissão administrativa na execução de suas funções. 

As limitações administrativas do INPI são bem conhecidas por todos os atores do ramo de Propriedade Industrial. Inicialmente, tem-se que o volume de pedidos apresentados anualmente é gigantesco: em 2024, foram 444.037 pedidos de registro de marca (10% a mais que no ano anterior) e 27.701 depósitos de patentes. Mesmo com a melhor estrutura administrativa, seria impossível decidir esse volume de processos em exíguo prazo; e o INPI não conta com essa estrutura. 

O United States Patent and Trademark Office (USPTO), que, assim como INPI, decide tanto marcas quanto patentes nos EUA, o European Patent Office (EPO), responsável pela análise dos depósitos de patentes na União Europeia, e o European Union Intellectual Property Office (EUIPO), que faz a análise de marcas para o mercado europeu, podem ser considerados como os escritórios globais com melhor orçamento e estrutura. O orçamento anual do USPTO foi estimado em US$ 4,286 bilhões para 2024, enquanto as despesas do EPO foram de €2,2 bilhões em 2023 (ainda não foi divulgado o valor de 2024) e o do EUIPO de quase €320 milhões para 2024. 

Enquanto isso, as despesas finais do INPI para 2024 foram de pouco mais de R$372 milhões, o que representa, em valores de 31/12/2024, apenas US$60,1 milhões e €57,8 milhões – por volta de 70 vezes menor que o do USPTO e 44 vezes menor que os órgãos da União Europeia combinados. Noto que, à época do julgamento, foram analisados os valores de 2023, e a comparação havia ficado mais favorável ao INPI, o que indica um retrocesso nos valores disponíveis ao órgão para cumprir sua função. 

Esperar que, mesmo com essa disparidade orçamentária, o INPI decida muito mais rápido que seus correspondentes estrangeiros foge de qualquer critério realista. Não obstante, a comparação entre os órgãos mostra que os depositantes nacionais não estão em desfavorecimento; pelo contrário, o INPI vem prestando serviços em paridade temporal com os órgãos estrangeiros, mesmo com orçamento muito mais reduzido. 

Somente para proferir a primeira ação administrativa (First Office Action), que normalmente é determinação de exigência e não a decisão concessiva da patente, o USPTO está levando em média 23,4 meses; em marcas, leva em média 5,9 meses para esse primeiro ato e 12 para a concessão do registro. Na União Europeia, leva-se de 3 a 5 anos para a concessão da patente e 4 meses para o registro de marca (todos dados atualizados em julho de 2025). 

Por sua vez, a média do prazo de análise de patentes pelo INPI é de 2,9 anos a partir do requerimento de exame, inferior à previsão mínima do EPO e similar ao do USPTO, enquanto para marcas é de 18,5 meses se não houver oposição. Para processos de patente que ingressem na via de tramitação prioritária, o prazo cai para 7,6 meses a partir do requerimento de priorização (dados também obtidos em julho de 2025). 

O cumprimento de prazos semelhantes aos escritórios com melhor estrutura se deve às políticas internas adotadas pelo INPI. Em 2019, foi instituído o Plano de Combate ao Backlog, que teve, e continua tendo, resultados positivos para a proteção dos ativos de propriedade industrial no Brasil, conforme resultados divulgados publicamente pelo órgão, tendo sido o backlog quase zerado em cinco anos. 

Além disso, o INPI possui o trâmite prioritário de processos de patentes, regulado pela Portaria INPI PR no 79/2022. O mecanismo garante prioridade na tramitação a processos cujos inventos sejam objeto de contrafação ou envolvam tecnologia verde, ou nos quais os depositantes sejam micro ou pequenas empresas, startups ou instituições públicas, entre diversas outras possibilidades. Os depositantes que se enquadram nessas categorias podem passar à frente na fila do exame, garantindo a decisão em período bem mais reduzido. 

Logo, não é constatada inércia administrativa do INPI que exija a atuação do Judiciário para a proteção dos direitos do administrado, uma vez que o órgão competente vem adotando medidas efetivas para responder às demandas que lhe são apresentadas. A resolução definitiva da insuficiência de pessoal do INPI depende de atuação legislativa para garantia orçamentária e ampliação do quadro de pessoal do órgão, não podendo ser imaginado que mandados de segurança individuais resolverão essa questão. 

Ainda assim, é suscitado pelos impetrantes dos mandados de segurança o receio de prejuízos aos depositantes na proteção de seus ativos de PI com a demora administrativa em analisar um requerimento, com alegações de que o patrimônio do titular ficaria desprotegido ou que a exploração do ativo seria inviabilizada enquanto não houvesse decisão do INPI. 

Esses argumentos são afastados com base na própria LPI, que assegura, ao titular da marca ou da patente, a proteção de seu ativo mesmo que ainda em fase de análise administrativa. Em nosso sistema jurídico, a expectativa de obter a exclusividade sobre a patente ou a marca depositadas já garante ao depositante uma série de garantias legais, inclusive zelar pela integridade ou reputação da marca (art. 130, III) e obter indenização pela exploração da patente (art. 44), além de, em relação a ambos os ativos, poder celebrar contratos de licenciamento (art. 61 e art. 130, II) e até de cessão dos bens (art. 58 e art. 130, I, todos da LPI). 

Logo, ainda que a ausência de decisão administrativa possa vir a limitar o exercício dos direitos inerentes aos ativos de PI em situações pontuais, ao depositante são garantidos mecanismos jurídicos apropriados para assegurar não só a proteção dos ativos, mas a sua própria exploração comercial, durante a tramitação do processo administrativo de registro. 

Todas essas questões foram consideradas pela Segunda Turma do TRF-2 no julgamento do mandado de segurança. Foi concluído que, inexistindo limitação significativa à proteção e à exploração da patente ou da marca durante o processo administrativo, não está presente critério essencial para autorizar a atuação do Judiciário na esfera administrativa, já que os direitos do administrado não estão em risco. Ademais, a pretensão de que o INPI decida os processos que lhe são submetidos em prazo exíguo não possui suporte legal, não se adequa à complexidade do processo administrativo especializado e está em descompasso com os escritórios internacionais mais bem estruturados, com orçamentos múltiplas vezes superiores ao do escritório nacional. 

A Segunda Turma observou, porém, que o Judiciário ainda mantém sua atribuição de fiscalizar os trabalhos do INPI e impor, ao órgão, o cumprimento de suas obrigações legais. Foi destacado que situações como preterição indevida na fila de exame, irregularidades nas exigências, demora no julgamento de recursos administrativos, indeferimento indevido de pedidos e a própria ação de nulidade continuam podendo – e devendo – ser analisados pelo Judiciário. Entender em sentido diverso seria contrário às basilares funções judiciais de controle de excessos da Administração e de garantia dos direitos do administrado. 

Não obstante, não havendo previsão legal de prazo de decisão dos processos de registro e comprovada a atuação do órgão para atender à demanda que lhe é apresentada, não cabe, ao Judiciário, impor ao INPI prazo para decisão com base em critérios abstratos e subjetivos, em respeito às atribuições normativo-constitucionais de ambos os órgãos. 

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