
Começo este editorial com uma excelente notícia: em 19 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF), atingiu um recorde ao registrar o menor número de processos em andamento nos últimos trinta anos. Atualmente são 22.021 processos no acervo – a última vez em que o estoque esteve abaixo deste número foi em 1993, quando havia 18.626 casos. Experimentei fazer uma busca com as palavras-chaves “STF” e “recorde” para identificar quem mais noticiou fato tão importante. Localizei no site do STF e em poucos veículos de mídia, a maioria deles especializados na divulgação de notícias sobre o Poder Judiciário. Por outro lado, minha busca resultou em alguns “recorde de demora” e até “recorde de despesas”.
Então me lembrei de uma frase dita pelo Presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso, em entrevista concedida ao programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, no último dia 10 de junho. “Abaixo da linha da notícia é onde acontecem as coisas mais importantes”, declarou ele aos jornalistas que o entrevistaram. Essa frase também me leva a refletir sobre a máxima que circulava nas redações até bem pouco tempo: “notícia boa não vende jornal”. Hoje, sabemos que sem clickbait você é massacrado pelo algoritmo. A psicologia tenta explicar: eventos negativos tendem a ter impacto maior em nossas emoções e comportamentos do que os positivos. Viés que faz com que as pessoas prestem mais atenção e deem mais importância às falhas e aos problemas do que às conquistas.
É sobre estas constatações que amparo a construção deste editorial. Indo além da notícia “ruim” que vende jornal, sinto que, praticamente, temos nos tornado mais “ávidos” pela oportunidade da crítica. É claro que resposta para isso está no maior acesso à informação e na oportunidade de expormos nossas opiniões instantaneamente, sem quase nenhum tipo de filtro por parte das corporações tecnológicas que controlam essas plataformas de mídias sociais. E o problema está justamente em nos limitarmos a abstrair o que está acima da linha da notícia sem qualquer senso crítico. O que se torna um campo minado para a desinformação e o compartilhamento de um senso raso de compreensão ou mesmo de inverdades.
Se por um lado o maior acesso à informação tem como positivo o aumento da demanda por transparência e responsabilidade em todas as áreas da vida pública ou privada, por outro a desinformação é terreno fértil para quebrar a confiança nas instituições. Esse ambiente de críticas é certamente agravado por agendas políticas ou ideológicas. Colocando os holofotes no próprio Supremo, basta observar que estamos saindo de um período de pelo menos quatro anos em que a Corte foi continuamente atacada em sua legitimidade. Se hoje o nível de críticas permanece elevado, certamente há que se investigar até onde estas se baseiam na legitimidade.
E a oportunidade de esclarecer alguns desses pontos se deu durante a entrevista mecionada. Primeiramente, cabe destacar que o programa tem feito um meritório trabalho jornalístico. Além de formato que permite trazer luzes sobre temas que estão no centro da discussão midiática (e acima da linha da notícia), a condução dos questionamentos pelos jornalistas convidados não deixa espaço para tergiversações nas respostas.
Durante a entrevista, o Ministro foi questionado pelos jornalistas sobre decisões recentes do Supremo. Justamente aquelas que suscitam amplo debate social. Em resposta a uma pergunta sobre a validade das “delações premiadas” em casos específicos recentes, o Ministro defendeu seu ponto de vista de ser este um “instituto positivo para a persecução penal”. E não há novidade nisso, mesmo para quem não é operador do Direito. A colaboração premiada integra um conjunto de normas e mecanismos legais. Um instituto utilizado principalmente em casos de crimes complexos, como corrupção e organizações criminosas – exatamente do que se trata o caso questionado pelos jornalistas, e como bem destacou Barroso em sua resposta.
Outro ponto destacado no programa foi a participação de ministros das cortes superiores em eventos privados, como parte de suas agendas pessoais. Barroso destacou a não obrigatoriedade da divulgação da agenda particular dos integrantes da Corte, esclarecendo que isso é uma questão individual. A divulgação das agendas dos ministros é prática restrita aos compromissos oficiais relacionados ao exercício de suas funções públicas. O Ministro também apontou que a pergunta trouxe a oportunidade de lembrar que os ministros do STF – e de outras cortes superiores –, como parte de seu trabalho, interagem com público diverso, desde representantes de comunidades de povos originários a empresários.
Em relação à segurança dos ministros da Corte, mesmo que em eventos privados – outro dos questionamentos feitos durante o programa –, resta claro de que se trata de medida preventiva e essencial para garantir que estes possam exercer suas funções com independência. Ainda que fora do expediente de trabalho, por diversas razões, principalmente relacionadas à proteção pessoal e à garantia da integridade física, dado o caráter sensível e muitas vezes controverso de suas funções. Desnecessário seria citar razões específicas além da mais óbvia: a natureza das decisões, que frequentemente envolvem questões de grande impacto político, econômico e social, e os riscos de retaliação a estas atrelados.
Ao analisar as respostas do Ministro Barroso durante o programa, percebe-se portanto a mesma postura firme, segura, imparcial, abalizada e fundamentada em amplo saber jurídico que este demonstra nas sessões plenárias do STF. E não poderia ser diferente para um magistrado que desde 2013, quando foi indicado para vaga pela então Presidente da República, Dilma Rousseff, vem julgando alguns dos casos mais polêmicos da história recente de nosso país – e, por isso mesmo, tanto mais midiáticos.
Como bem mencionou o Ministro Barroso – ainda que não propriamente com essas palavras –, não há dúvida de que uma decisão, seja ela qual for, irá desagradar a um dos lados. Isso é cristalino. O que não se pode ter é “obsessão pelo negativo” – e estas sim foram palavras proferidas pelo Magistrado durante o programa. O Ministro também lembrou da individualidade dos ministros nas decisões, e que estes eventualmente divergem, mas isso não significa que haja alguma irregularidade na decisão e sim apenas uma percepção crítica de cada Magistrado. Por fim, cabe destacar que as sessões do Supremo estão abertas a todos os brasileiros, por meio da TV Justiça. Não é necessário ser formado em Direito para compreender que as decisões ali tomadas, os votos proferidos, são estritamente pautados pela legislação vigente, pela racionalidade, pela lógica e pela experiência de seus ministros.
Leia nesta edição – A edição de julho traz a cobertura da sétima edição do Encontro de Magistrados Brasil-EUA, realizado em Washington. Coordenado pelo membro de nosso Conselho Editorial, Ministro do STJ João Otávio de Noronha, o seminário debateu o financiamento de litígios, crimes cibernéticos e inteligência artificial. Confira também a cobertura de dois outros eventos: a mais recente edição do programa Conversa com o Judiciário, que teve foco na atualização do Código Civil, com participação do Presidente do nosso Conselho Editorial, Ministro Luis Felipe Salomão, e a primeira edição da Jornada de Direito da Saúde, no Conselho da Justiça Federal.
Boa leitura!
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