A vida se alonga

5 de outubro de 2004

Miriam Leitão Jornalista

Compartilhe:

No próximo dia 7, o livro organizado pela pesquisadora do Ipea vai ser lançado em um seminário que discutirá vários aspectos desta complexa questão. “Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60?” É uma atualização de um livro lançado há cinco anos. Há muitos fatos novos na nossa sempre mutante demografia.

Uma questão que dividirá opiniões no seminário é a do conflito de gerações na disputa pelos recursos públicos. Alguns economistas acham que há mais dinheiro público indo para idosos e pouco para as crianças.

Há sempre uma ponta de preocupação quando se fala em envelhecimento da população, como se isso fosse sempre ruim.

– Envelhecimento da população é resultado do sucesso de políticas públicas. O risco é torná-lo a falência do sucesso – diz a demógrafa Ana Amélia.

No Brasil há enorme espaço para aumento da esperança de vida:

– Se tivermos todas as mortes evitáveis, a expectativa de vida brasileira vai aumentar mais 14 anos e será maior do que a do Japão hoje.

Todos os países que se desenvolvem estão vendo, ou já viram, sua população ficar mais velha. E isso traz inúmeros desafios. No Brasil a questão é ainda mais desafiadora, diz a pesquisadora, porque a geração que nos próximos anos entrará nessa fase da vida é um grupo numeroso:

– Os futuros idosos são filhos de uma época em que as mulheres tinham mais filhos e durante sua infância viram aumentar muito as chances de uma criança sobreviver, pela queda da mortalidade infantil, e chegam à meia-idade quando os avanços da medicina permitem que sobrevivam mais tempo. Os brasileiros que  tem hoje mais de 50 anos são filhos do baby boom – diz Ana Amélia.

Ou seja, a população idosa vai crescer rapidamente dentro de alguns anos, até porque este grupo é que está chegando naquela linha imaginária, de 60 anos ou mais, que o Estatuto do Idoso no Brasil fixou.  Algumas políticas públicas, como a de transporte ou a da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), são a partir de 65 anos.

Hoje o Brasil é um país de população madura, não é mais um país de crianças como na década de 70. Daqui para diante vai experimentar um rápido envelhecimento da população.

Hoje tem 15 milhões de pessoas nesta faixa e em 2020 terá 31 milhões.       Em 1980, 22 meninas tinham chance de completar 80 anos. Agora, o número dobrou.

Mas quando a conversa vai para esse lado e se pergunta para Ana Amélia quantos serão os idosos em 20 anos, ela costuma discutir a terminologia.

– Hoje quem tem 70 anos é como quem tinha 50 anos alguns anos atrás. Estamos empurrando a velhice para mais adiante. Não apenas pelo apelo da juventude, pelos tratamentos de rejuvenescimento, mas porque há chance de viver mais com qualidade de vida – diz.

Num país desigual como o Brasil, as pessoas envelhecem desigualmente.

– Há velhos e velhos – constata.

Um dos maiores problemas que temos à frente é o que vai acontecer com os 40 milhões de brasileiros que hoje estão no mercado de trabalho, mas não contribuem. Existe o benefício da assistência social, a Loas, mas ele é apenas para quem chegar aos 65 anos com uma renda familiar per capita de um quarto de um salário-mínimo.

– Eu sou contra a visão economicista de que os velhos são um peso para a sociedade, pelo custo previdenciário, mas este problema tem de ser enfrentado.

O problema do Brasil é que as pessoas se aposentaram antes de ser idosas por qualquer parâmetro. As reformas da Previdência  ajudavam pouco. Em 1998, 91% dos homens que estavam aposentados por tempo de contribuição começaram a receber antes de completar 60 anos. Em 2002, 84%. No caso das mulheres, o índice caiu de 98% para 97%.

Ana Amélia conta uma história que ilustra bem a estranha realidade desse Brasil de tantos privilégios. Uma amiga dela foi detida no aeroporto de Londres:

– Ela estava com 48 anos, super bem-conservada, e declarou que era aposentada. A polícia achou que ela estivesse mentindo!

As reformas só conseguiram frear as aposentadorias extremamente jovens, mas o Brasil continua sendo um país diferente dos outros:

– Só sete países, além do Brasil, tem aposentadoria por tempo de contribuição. E são todos produtores de petróleo – diz Ana Amélia.

Ela acha que as reformas previdenciárias estão indo na direção contrária, porque dificilmente os futuros idosos conseguirão provar tempo de contribuição em um mercado de trabalho cada vez mais flexível.

O livro tratará de várias questões desse complexo tema. Uma delas: o impacto das revoluções familiares feitas por essa geração que em breve será idosa: as mulheres foram trabalhar, tiveram menos filhos, se casaram, se separaram, recasaram ou não. Quem vai cuidar dos velhos do futuro, se a família mudou tanto?