“A palavra é a ferramenta do universo jurídico”

3 de agosto de 2020

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As sugestões de leitura de José Roberto de Castro Neves

José Roberto de Castro Neves é advogado, professor de Direito Civil pela PUC-RJ e da FGV-RJ, mestre em Direito pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.  É autor de vários livros, entre eles “Medida por medida – O Direito em Shakespeare”, “A invenção do Direito” e “Direito das obrigações”. Nessa breve entrevista, fala sobre seus hábitos de leitura e dá várias boas sugestões de livros.     

Revista Justiça & Cidadania – Quais livros o senhor está lendo?
José Roberto de Castro Neves – Ainda estou tentando compreender o conceito de “tempo” na quarentena. Por um lado, sinto-me muito mais ocupado, mas, por outro, consigo fazer muito mais coisas, entre elas ler e estudar. Recentemente, li “Lei de Liberdade Econômica e seus impactos no Direito brasileiro”, obra organizada pelo Ministro Luis Felipe Salomão, pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva e pela Professora Ana Frazão; “Inexecução das obrigações”, organizado pelas professoras Aline Terra e Gisela Sampaio – obras nas quais participei com artigos – e “Revisão contratual”, do professor Francisco Marino.

Entretanto, nesse período de confinamento, consegui, para minha alegria, ler bastante literatura. Concretizei um desejo antigo de “rever” velhos amigos, voltando a clássicos, comoMoby Dick”, de Melville, “Crime e castigo”, de Dostoievski, “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury, “O Mestre e Margarida”, de Bugákov, “O nome da Rosa”, de Umberto Eco, além de “novos” clássicos, como “A vida pela frente”, de Romain Gary. Gosto muito de história, assim reli “Um espelho distante – O terrível Século XIV”, de Barbara Tuchman.

RJC – De que forma eles conversam com o momento atual?
JRCN – Os clássicos sempre conversam com o momento atual, porque, afinal, eles são atemporais. O estudo da brilhante historiadora americana – que ganhou por duas vezes o Prêmio Pulitzer, um dos mais relevante do universo literário – sobre o Século XIV nos interessa especialmente neste momento, porque relata a reação da sociedade diante da peste negra. É bom lembrar que, depois daquela desgraça, a Europa viveu a Renascença, o que pode ser alentador. “Fahrenheit 451”, por sua vez, vale ler mais de uma vez pela importância de sua mensagem. Ele conta a história de uma sociedade na qual os livros são queimados exatamente para evitar que as pessoas tenham ideias contrárias ao sistema. “O nome da Rosa” também se volta a esse tema – o controle e a contenção da informação – mas, nele, o pano de fundo é um mosteiro medieval, que conteria o maior acervo de pergaminhos de seu tempo. Em um momento como o nosso, no qual a transmissão de informação se dá de forma tão ampla, mas também desorganizada e suscetível a falsidades, esses fantásticos livros nos dão o que pensar.

RJC – Qual o senhor recomendaria para os estudantes de Direito? Por que?
JRCN – Sempre acreditei que, para o profissional do Direito, conhecer literatura é tão importante quanto estudar Direito Civil ou Direito Penal. A palavra é a ferramenta do universo jurídico. A literatura serve tanto para aprimorar a exposição de uma ideia, quanto para interpretar um texto de lei ou de um contrato. Além disso, a literatura nos permite entender um pouco melhor a enigmática e bela natureza humana. Tudo isso contribui para a atuação do profissional do Direito – e também no seu aprimoramento pessoal.

Com tantas boas opções de leitura, vale ler e reler os clássicos, que sempre carregam muitos ensinamentos e cuja leitura nos oferece enorme prazer. Falei de alguns como “Crime e castigo” e “O Mestre e Margarida. Ambos, de autores russos, receberam recentes traduções diretas para o português (até pouco tempo, para ler os russos em português, tínhamos que passar por uma tradução francesa). “Crime e castigo” cuida, em resumo, do tribunal da nossa consciência, sempre soberano. “O Mestre e Margarida”, por sua vez, relata a visita do diabo e sua entourage à Moscou, remetendo ao importante tema do poder despido de um valor ético. Como disse, são temas atuais, que orientam o profissional do Direito nas muitas escolhas morais a que ele se submete na sua atuação.

RJC – Outras sugestões de literatura fora do Direito?
JRCN – Muitas! Como disse, a literatura revela-se fundamental ao profissional de Direito, até mesmo para oxigenar a dogmática jurídica. Harold Bloom, grande crítico literário e shakespeariano, escreveu um interessante trabalho chamado “Onde encontrar a sabedoria”. Alberto Manguel, por sua vez, tem, entre outros, um precioso trabalho denominado “Uma história da leitura”. Recentemente, ajudei a organizar uma obra coletiva com diversos brasileiros falando de outros conterrâneos, enaltecendo, sempre de forma crítica, os nossos “heróis”. São pequenas “bios”, em um livro chamado “Brasileiros”. Lamentavelmente, conhecemos pouco e nada louvamos brasileiros que tiveram grande participação na construção do nosso País. Por fim, permito-me indicar meu estudo sobre a história da advocacia e de sua importância histórica em “Como os advogados salvaram o mundo”. Como o livro demonstra, os advogados, de fato, salvaram a humanidade e, espero, seguirão salvando.