A Nova Lei do Contrato de Seguros

2 de junho de 2025

Ilan Goldberg Professor da Fundação Getúlio Vargas Direito Rio

Compartilhe:

Depois de cerca de 20 anos de tramitação no Congresso Nacional, a Lei no 15.040/2024 – doravante, Lei do Contrato de Seguro ou LCS – entrará em vigor em 10 de dezembro do ano corrente (art. 134), estabelecendo regime jurídico novo para todos os contratos de seguros celebrados no país.  

Consequentemente, serão revogados os artigos 757 a 802 do Código Civil (trata-se do Capítulo XV do Diploma Civil, que estabelece as regras aplicáveis aos contratos de seguros), os artigos 9o a 14 do Decreto-Lei no 73/1966 (trata-se da norma estruturante do Sistema Nacional de Seguros Privados – SNSP), bem como o artigo 206, § 1o, inc. II, do Código Civil, norma que, naquele Diploma, trata da prescrição das pretensões entre segurados, seguradoras e vice-versa.

São diversas as alterações introduzidas pela nova lei do contrato de seguro, tanto em termos quantitativos quanto organizacionais. Enquanto o Código Civil dispunha de 45 artigos, a LCS conta com 134. No tocante à organização dos textos legais, o Código dispunha de uma parte geral, além das seções vertidas aos seguros de danos e aos seguros de pessoas. A LCS, por seu turno, apresenta-se em seis capítulos (disposições gerais, seguro de dano, seguro sobre a vida e integridade física, seguros obrigatórios, prescrição e disposições finais/transitórias), espraiando-se em múltiplas seções.     

Em análise ampla, a lei do contrato de seguro estabelece um regime consideravelmente protetivo aos interesses dos segurados, o que decorre da principiologia constitucional em prol da tutela dos vulneráveis (CR, artigo 5o, inc. XXXII). E, nessa direção, o artigo 128 da LCS estabelece que “a autoridade fiscalizadora poderá expedir atos normativos que não contrariem esta Lei, atuando para a proteção dos interesses dos segurados e de seus beneficiários”. 

Se, por um lado, a LCS deve, de fato, tutelar os interesses dos vulneráveis, não é razoável assumir que esse diploma legal, aplicável a todos os seguros comercializados no país (LCS, artigo 4o), ofereça tratamento igualitário aos não vulneráveis. Assim como na Europa, a Diretiva 2009/138/CE, de 25/11/2009, estabeleceu tratamento diferenciado para seguros considerados massificados e para os seguros de grandes riscos, com repercussões, e.g., na lei de seguros da Espanha (Ley no 50/1980, artigos 2o, 44 e 107 – que excepcionam o seu âmbito de aplicação aos seguros de grandes riscos). Entende-se que a LCS deveria ter seguido esse mesmo caminho. 

Lamentavelmente, o legislador brasileiro optou pela inexistência de tratamento distinto para seguros claramente distintos, cujos atores, abrangência, interesses legítimos assegurados etc., são notoriamente diferentes. 

A LCS tem a finalidade de aumentar a penetração do seguro na sociedade brasileira, preenchendo diversas lacunas deixadas pelas normas previstas no Código Civil. Segundo afirmado pelo diretor superintendente da Susep, Alessandro Octaviani, a lei trará mais confiança aos consumidores em geral, na medida em que ela estabelece prazos mais claros e obrigações definidas com maior rigor, resultando de amplos debates havidos no Congresso Nacional por cerca de 20 anos. 

Sinteticamente, a LCS estabelece modificações importantes em toda a “vida” dos contratos de seguros. Iniciando pela subscrição – fase em que há prestação de informações pelo proponente à seguradora – os artigos 45 e 46 explicitam a obrigação de que os proponentes deverão informar tudo o que saibam à seguradora, e, além disso, tudo o que deveriam saber, com a finalidade de diminuir a assimetria de informação entre os contratantes. Já o artigo 46 determina a obrigação de que a seguradora alerte o proponente a respeito de quais são as informações que deverão ser prestadas, esclarecendo as consequências decorrentes do descumprimento desse dever. 

Uma vez aperfeiçoado o contrato, a lei estabelece mudanças significativas no instituto do agravamento de risco, previsto no Código Civil nos artigos 768 a 770. Segundo o previsto no artigo 13 da LCS, a qualificação do agravamento de risco passa a exigir, concomitantemente, que a conduta do segurado que agrave o risco seja significativa e continuada (artigo 13, caput). Além disso, nos termos do artigo 16, “sobrevindo o sinistro, a seguradora somente poderá recusar-se a indenizar caso prove o nexo causal entre o relevante agravamento do risco e o sinistro caracterizado”. Ou seja, a identificação do agravamento relevante requer que a conduta seja significativa, continuada, bem como que haja nexo causal entre o agravamento e o sinistro ocorrido.  

Especificamente para os seguros de pessoas, a LCS determina que “nos seguros sobre a vida e a integridade física, mesmo em caso de relevante agravamento do risco, a seguradora somente poderá cobrar a diferença de prêmio”, isto é, mesmo que seja demonstrado o agravamento de risco no seguro de pessoas, a seguradora não poderá negar cobertura, restando autorizada apenas a cobrança de diferença de prêmio. 

Nota-se, assim, que a caracterização do agravamento de risco é consideravelmente mais difícil nos termos da LCS, o que, sob a perspectiva prática, deverá reduzir as negativas de cobertura em virtude desse fundamento. Ora, se a partir de então as seguradoras deverão pagar mais somas seguradas, é intuitivo que haverá aumento dos prêmios cobrados, já que, como ensina Friedman, “não há almoço grátis”. 

A regulação e a liquidação do sinistro dispõem de longo capítulo na LCS, compreendido nos artigos 75 a 88, o que corresponde a uma inovação perante o disposto no Código Civil, silente a respeito de matéria importante na dinâmica desses contratos. 

Nesses artigos, a disciplina da regulação e da liquidação dos sinistros é detalhada, impondo obrigações tanto à seguradora quanto à empresa nomeada ao exercício dessas atribuições. A grande novidade trazida nesta Seção diz respeito à obrigação de compartilhamento de todos os documentos pertinentes ao segurado (artigos. 82 e 83). Além disso, a lei estabelece a responsabilidade solidária entre o regulador/liquidante de sinistros e a seguradora (artigo 78, p. único). 

O cosseguro e o resseguro também dispõem de tratamento detalhado na LCS. No Código Civil, o cosseguro teve tratamento apenas pelo artigo 761, ao passo que, na LCS, a sua disciplina se encontra nos artigos 33 a 35, estabelecendo, essencialmente, a inexistência de solidariedade entre os resseguradores. O resseguro, por sua vez, recebeu tratamento nos artigos 60 a 65, nada obstante a previsão constante na Lei Complementar no 126/2007. 

A LCS também pretendeu reorganizar a prescrição de pretensões a serem exercidas entre segurados, seguradoras, resseguradoras, beneficiários etc., o que se encontra nos artigos 126 e 127. 

A arbitragem também foi contemplada pela LCS em seu artigo 129, que prevê o inédito regime protecionista segundo o qual, para arbitragens entre segurados e seguradoras, a lei e a jurisdição serão obrigatoriamente brasileiras. Para contratos de resseguro, permanece plenamente aplicável a lei brasileira de arbitragem – Lei no 9.307/1996, segundo a qual a escolha da lei e da jurisdição será livremente exercida pelas partes. 

As mudanças legislativas são realmente significativas e, a seguir, o mercado segurador aguarda ansioso pelas consultas públicas que serão realizadas pela Susep para fins de estabelecimento do direito infralegal aplicável a todos os ramos de seguros. Aos operadores do direito, fica a obrigação de acompanhar esse porvir com redobrada atenção, considerando que, como dito, as modificações são efetivamente intensas.

Conteúdo relacionado:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *