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A modelação dos contratos no novo código

5 de maio de 2004

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Autonomia da vontade. Liberdade de contratar. Liberdade de estipular o contrato. Liberdade de determinar o conteúdo do contrato. Crise no século XX. Concentração do poderio econômico. Intervenção estatal. Os contratos de adesão e a mutilação da liberdade de negociação. Os princípios do novo Código Civil Brasileiro. Sociabilidade. Eticidade. Efetividade. Modelação comprometida com a finalidade social do direito.

O fascínio do tema que envolve a abusividade nos contratos, e, portanto, o atualíssimo tema da boa-fé, obriga-nos a adentrar em outro tema atualíssimo, que tem sido denominado de modelação do contrato.

O novo Código Civil Brasileiro, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que entrou em vigor em janeiro de 2003, estabeleceu no art. 421: “ Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

O novo Código Civil Brasileiro permite, ainda, que as partes estipulem contratos atípicos, dispondo no art. 425: “ Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.”

Importante ressaltar, neste ponto, que a liberdade contratual está também expressamente autorizada na codificação civil portuguesa, constando do artigo 405º.:

“ 1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhe aprouver.

“ 2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.”

Estes textos legais encerram o princípio da autonomia da vontade, o que significa dizer que encerram as regras que determinam o poder dos indivíduos de traçar uma determinada conduta para o futuro.

No clássico conceito, o princípio da autonomia da vontade manifesta-se sob um tríplice aspecto: a liberdade de contratar propriamente dita, a liberdade de estipular o contrato, a liberdade de determinar o conteúdo do contrato.

A liberdade de contratar permite que as partes regulem seus interesses por formas diversas, não estando obrigadas a obedecer, sequer, as linhas gerais de estrutura de cada contrato.

São livres, não só para determinar o conteúdo dos contratos, como os limites legais do contratado.

José de Oliveira Ascensão, na obra denominada Acções e Factos Jurídicos destacou a crise da autonomia da vontade no século XX, lembrando que a concentração do poder econômico, assim como o crescente intervencionismo estatal, aliado à formação da sociedade de massas, levaram ao obscurecimento do princípio da autonomia da vontade.

Para o professor de Lisboa, a  liberdade de criação sofreu novas restrições, quer diretas, como nos contratos de seguro, quer indiretas, nas hipóteses das situações jurídicas a que as partes podem dar vida, criando novas tipificações de contratos.

Afirmou, ainda, que o contrato de adesão, típico daquele século, suprimiu completamente a liberdade de estipulação e, em conseqüência, mutilou a liberdade de negociação.

Lembrou o professor que sempre houve contratos em que não existia liberdade de estipulação, a novidade no contrato de adesão é a imposição do conteúdo do contrato genericamente imposto pela unilateral vontade de uma das partes.

Com  as novas regras do Código Civil Brasileiro, agora regido pelos princípios da sociabilidade, da eticidade e da efetividade ou operabilidade¸ tem-se, apressadamente,  afirmado a morte do princípio da autonomia da verdade e da força obrigatória do contrato.

No entanto, esta não é, com certeza, a intenção do legislador brasileiro e, como adequadamente refletido no pensamento de Sylvio Capanema de Sousa, estes princípios continuarão sendo os pilares de sustentação de todo o direito das obrigações, cabendo aos magistrados o grande desafio de compatibilizá-los com os novos princípios.

Desta forma, nos estritos termos do textos codificados quer na legislação brasileira, como na portuguesa, as partes podem definir o objeto do contrato, precisando seu conteúdo e sua extensão, sem que esta modelação do contrato importe em qualquer excludente de responsabilidade.

Não se pode olvidar, no entanto, que a liberdade de contratar é uma faculdade concedida às partes para precisar o conteúdo das obrigações assumidas, balizando os limites da relação contratual, mediante a inclusão ou a exclusão de certas obrigações.

A hipótese codificada, repita-se, não é a de excludente de responsabilidade e sim de modelação do contrato, através da supressão (ou da inclusão) de obrigações.

A informalidade e a liberdade de escolher o que, como e com quem contratar são fundamentais para o bom desenvolvimento dos contratos, assegurando às partes o necessário equilíbrio, como uma eficaz proteção contra a vulnerabilidade e a hipossuficiência natural nas relações humanas.

Em trabalho publicado pelo Instituto Jurídico da Comunicação, o professor Antonio Pinto Monteiro discorreu sobre as cláusulas de exclusão de responsabilidade, fazendo uma perfeita delimitação diferenciadora de outras figuras, com as quais são comumente confundidas, tais como, as cláusulas limitativas do conteúdo contratual.

Em tempo de conceitos, disse o festejado professor que as cláusulas de exclusão de responsabilidade constituem um meio de o devedor se prevenir das conseqüências desfavoráveis que a situação de não cumprimento lhe acarretará, ou seja, configuram a hipótese em que o devedor previamente se furta à responsabilidade que sobre ele poderá recair.

Necessário, no entanto, para que a também denominada cláusula de irresponsabilidade seja capaz de desonerar o devedor, que, sem ela, tivesse de indenizar o devedor.

Ou seja, com a cláusula de exclusão de responsabilidade, como o próprio nome está a sugerir, as partes afastam uma obrigação que, normalmente, faria parte do contrato.

Para finalizar este tópico de nosso estudo, podemos dizer, sem medo de errar, que a grande modificação advinda do novo Código Civil Brasileira é a passagem, – de um modelo individualista, solidamente alicerçado nos conhecidos e vetustos dogmas do Estado liberal, com os princípios da autonomia da vontade  e da imutabilidade dos contratos  considerados como valores absolutos -, para um modelo comprometido com a função social do direito, preocupado com a construção da dignidade humana, inserido na busca da formação de uma sociedade mais justa e igualitária.