A linguagem simples e a comunicação: analisando o Manual do CNJ 

4 de agosto de 2025

Alexandre Chini Juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Marcelo Moraes Caetano Professor Associado da UERJ

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A comunicação como aliada do Estado Democrático de Direito

Como temos salientado em todos os nossos artigos, capítulos de livros e livros publicados a respeito do direito como teoria e prática (Chini e Caetano, 2020, 2022), trata-se de área das ciências humanas profundamente ligada à práxis social, isto é, à transformação da sociedade tendo os parâmetros civilizatórios como meta. 

As sociedades democráticas de direito, como é a brasileira, visam à aplicação de leis criadas para a inclusão de grupos cada vez maiores, mais plurais e abrangentes. Para isso, é claro que o direito se vale de incontornável necessidade de se comunicar adequadamente com toda a população, não podendo ficar restrito aos operadores de direito. A comunicabilidade, nesse sentido, configura-se como um dos fatores mais importantes da promoção da justiça e do bem-estar social, a que o direito visa incansavelmente.

Não haveria eficácia completa se a comunicação entre os agentes do direito e a população em geral fosse incompreensível, hermética, intangível. É essencial que todas as pessoas compreendam com total clareza quais são seus direitos e deveres, quais os impactos das decisões judiciais sobre suas vidas e quais as soluções e as medidas acessíveis para melhorar e até contornar, dentro da legalidade, tais decisões.

O direito não pode se colocar a uma distância exagerada em relação à população a quem serve, ou estaria ferindo a própria vocação primeira: a postulação e a construção da justiça, no âmbito individual e no coletivo. Neste nosso texto, analisamos parte por parte do Manual do CNJ. Para além disso, trazemos nossas reflexões e as anotações e citações de especialistas em comunicação.

Assim, a lição que analisaremos, extraída do “Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples”, promovido pelo Poder Judiciário pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), deve expandir-se às demais áreas do saber humano, evidenciando a necessidade de que os cientistas, pesquisadores e acadêmicos, de um lado, e a população em geral, de outro, possam se compreender mutuamente, minimizado ou eliminando ruídos comunicacionais. 

O que se pode recolher e concluir das lições apresentadas no aludido Manual é o fato de que, no Estado Democrático de Direito, também deveriam seguir as mesmas premissas a comunidade médica, a comunidade jornalística e as mídias comunicativas em geral. Como seus discursos interferem diretamente na vida cotidiana de todas as pessoas, devem ser seus alvos constantes e infatigáveis a clareza, a objetividade, a simplicidade, a busca pela expressão da verdade, a repulsa por notícias falsas ou por falas discriminatórias e atentatórias da dignidade da pessoa humana, a equação entre a livre expressão e o direito de igual liberdade das demais pessoas, a explicação concisa e acessível sobre aspectos de direitos e deveres, bem como de saúde física, mental, social e socioambiental. 

Portanto, é responsabilidade do direito, em uma atuação transdisciplinar, zelar por uma ecosfera comunicativa saudável e elucidativa, pedagógica e informativa, em todos os veículos capazes de promover comunicação, incluindo-se os meios digitais.

Analisando o Manual de Linguagem Simples do CNJ – Em Manual profundamente didático, de novembro de 2023, o CNJ apresenta um compêndio, intitulado Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, com cinco itens que se referem às questões sobre a linguagem simples e suas formas de concretização. Analisaremos trechos do referido Manual.

O texto trata dos seguintes tópicos, que explicaremos com base no que é apresentado pelo CNJ. Em seu primeiro eixo, diz o CNJ:

OBJETIVO:

[….] adotar linguagem simples, direta e compreensível a todas as pessoas na produção das decisões judiciais e na comunicação geral com a sociedade.

A linguagem simples também pressupõe acessibilidade: os tribunais devem aprimorar formas de inclusão, com uso de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e de audiodescrição ou outras ferramentas similares, sempre que possível. (CNJ, 2023, grifamos)

No eixo da Justificativa, assim se expressa o CNJ:

JUSTIFICATIVA

O uso da linguagem técnica e a extensão dos pronunciamentos em sessões no Poder Judiciário não podem se perpetuar como obstáculo à compreensão das decisões pela sociedade.

[….]

(CNJ, 2023)

No eixo de Compromissos da magistratura, o CNJ enumera as práticas comunicacionais que se aliam às metas de acessibilidade e inclusão buscadas pelo Pacto:

COMPROMISSOS DA MAGISTRAUTRA:

Todos os tribunais envolvidos assumem o compromisso de, sem negligenciar a boa técnica jurídica, estimular as juízas e os juízes e setores técnicos a:

eliminar termos excessivamente formais e dispensáveis à compreensão do conteúdo a ser transmitido;

adotar linguagem direta e concisa nos documentos, comunicados públicos, despachos, decisões, sentenças, votos e acórdãos;

explicar, sempre que possível, o impacto da decisão ou do julgamento na vida de cada pessoa e da sociedade brasileira;

utilizar versão resumida dos votos nas sessões de julgamento, sem prejuízo da juntada de versão ampliada nos processos judiciais;
[….]

utilizar linguagem acessível à pessoa com deficiência (Libras, audiodescrição e outras) e respeitosa à dignidade de toda a sociedade. (CNJ, 2023)

Na nossa obra “Argumentação jurídica: indo além das palavras”, acrescentaríamos aqui, oportunamente, as quatro máximas de Grice em relação à comunicação direta e eficaz (q.v. Capítulo relativo às Implicaturas):

QUANTIDADE: seja tão informativo quanto for necessário e requerido, nem mais, nem menos.

QUALIDADE: seja verdadeiro em sua informação (nem diga algo que não possa comprovar, nem algo que não acredite ser verdade)

RELAÇÃO: seja relevante, apresente informações importantes ao texto e ao contexto, saiba a hora e a vez (quando e como) de mudar o assunto.

MODO: seja claro, objetivo, evite ambiguidades, prolixidade, obscurantismo, seja organizado e ordenado. (Chini e Caetano, 2020, p. 43)

De outro livro de nossa autoria, Novos caminhos do texto: aprimoramento em interpretação e produção textual, trazemos contribuição crítica para o eixo aqui analisado, uma vez que o conceito de Pertinência Textual deve ser conhecido. Como vamos explicar, o que se quer dizer com tal conceito é que a comunicação precisa ser coerente não apenas do ponto de vista formal, ou seja, do plano da expressão. É necessário que haja coerência, antes de tudo, do ponto de vista funcional, ou do plano do conteúdo. Em outros termos, a escolha das palavras e o repertório lexical utilizados na comunicação que tenha como lastro a linguagem simples precisa aliar o que Aristóteles chamaria de fundo e forma, pois a escolha de vocábulos inadequados geraria uma possibilidade de interpretação ambígua e ambivalente, o que deve ser totalmente evitado em uma comunicação clara, simples e eficaz. (Cf. Chini e Caetano, 2022)

No eixo 4, o CNJ oferece as bases normativas para o Pacto:

REFERÊNCAS NORMATIVAS

Este Pacto está pautado sob as premissas dos mais importantes instrumentos internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é parte [….].

Além disso, a Constituição Federal de 1988 estabelece, entre os direitos e as garantias fundamentais, o acesso à justiça, à informação e à razoável duração do processo, os quais apenas podem se concretizar por meio do uso de palavras, termos e expressões compreensíveis por todas as pessoas, bem como sessões de julgamento mais céleres. Ainda, busca ampliar o uso de linguagem inclusiva, nos termos estabelecidos pela Recomendação no 144 de 25/8/2023 e pela Resolução no 376 de 2/3/2021. (CNJ, 2023)

Por fim, o CNJ desdobra o eixo 5, intitulado Eixos para Concretização, em outros cinco eixos que explicitam os modos de se pôr em prática a simplificação da linguagem com todos os seus benefícios. Os eixos são, como se verá: 1) simplificação da linguagem dos documentos; 2) brevidade nas comunicações; 3) educação, conscientização e capacitação; 4) tecnologia da informação; e 5) articulação interinstitucional e social:

EIXOS PARA CONCRETIZAÇÃO

A atuação dos tribunais será feita em cinco eixos principais, que envolvem: simplificar a linguagem de documentos; a brevidade e a objetividade nas comunicações; educação e capacitação do corpo técnico e o uso de ferramentas tecnológicas e parcerias institucionais.

EIXO 1

SIMPLIFICAÇÃO DA LINGUAGEM DOS DOCUMENTOS

Fomento ao uso de linguagem simples e direta nos documentos judiciais, sem expressões técnicas desnecessárias;

[….]

EIXO 2

BREVIDADE NAS COMUNICAÇÕES

Incentivo à utilização de versões resumidas de votos nas sessões de julgamento, sem prejuízo da juntada de versão ampliada nos processos judiciais;

incentivo à brevidade de pronunciamentos nos eventos promovidos no Poder Judiciário, com capacitação específica para comunicações orais;

[….]

EIXO 3

EDUCAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO E CAPACITAÇÃO

Formação inicial e continuada de magistrados (as) e servidores (as) para elaboração de textos em linguagem simples e acessível à sociedade em geral;

[….]

EIXO 4

TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO

Desenvolvimento de plataformas com interfaces intuitivas e informações claras;

[….]

EIXO 5

ARTICULAÇÃO INTERINSTITUCIONAL E SOCIAL

Fomento da colaboração da sociedade civil, das instituições governamentais ou não, e da academia, para promover a linguagem simples em documentos;

Criação de uma rede de defesa dos direitos de acesso à justiça por meio da comunicação simples e clara;

[….]

(CNJ, 2023)

Considerações finais – Cremos ter perpassado dignamente as lições relativas à linguagem simples e sua importância apresentadas com muita propriedade pelo texto do CNJ, contribuindo, com nossa lavra, com reflexões e esclarecimentos que, assim esperamos, auxiliem na compreensão sobre quão fundamental é o uso da linguagem simples, bem como sobre as formas práticas de atingi-la.

Como vemos, a comunicação é um dos pilares fundamentais para a existência do Estado Democrático de Direito, e a sua fluência e fluidez devem ser buscadas de modo incessante por todas as pessoas que desejam promover uma sociedade justa, civilizada e igualitária. 

BIBLIOGRAFIA

CAETANO, Marcelo Moraes. Em busca do novo normal: reflexões sobre a normose em um mundo diferente. Rio de Janeiro: Jaguatirica, 2020.

CHINI, Alexandre; CAETANO, Marcelo Moraes. Argumentação jurídica: indo além das palavras. Brasília: Conselho Federal da OAB, 2020.

CHINI, Alexandre; CAETANO, Marcelo Moraes. Novos caminhos do texto: aprimoramento em interpretação e produção textual. Brasília: Conselho Federal da OAB, 2022.

CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples. Brasília: CNJ, 2023. Disponível em:
<https://www.cnj.jus.br/gestao-da-justica/acessibilidade-e-inclusao/pacto-nacional-do-judiciario-pela-linguagem-simples/ Acesso em: 26 jun. 2025.

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