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A Justiça o Direito e a Lei

5 de novembro de 2004

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É notadamente incompreensível para o leigo, certas decisões prolatadas pelos Tribunais, principalmente, quando a sentido humanista e incidente da justiça é sufocado pela aplicação do direito e da letra fria da lei.

Encontra-se no Supremo Tribunal Federal, em julgamento, com vista ao eminente Ministro Carlos Ayres de Brito, o processo que trata do aborto de feto anencefalos. Poucos processos, como este, chegados a nossa mais alta Corte, despertaram tanta celeuma, opiniões, sustentação jurídica e acalorados debates entre os Ministros, além dos persistentes lóbis por parte de entidades, organizações e entidades religiosas.

O prevalecimento da sustação da Medida Liminar, pela votação da maioria da Corte, vencidos os ministros Ayres de Brito, Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Celso Mello, mas que havia sido concedida anteriormente pelo Ministro Marco Aurélio com a concordância unânime, deixa antever a pendência do julgamento contra o aborto, desprezando-se as manifestações das categorias médicas e de saúde, da opinião pública, da maioria da sociedade, além dos posicionamentos de órgãos representativos como OAB, entidades associativas e etc.

Está claro que a nossa opinião não se insurge contra a derradeira decisão do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, entretanto, desejamos chamar atenção para a problemática criada entre o que expressamos no parágrafo inicial deste editorial, sobre a visão simbólica e espiritual da realidade presente e do futuro próximo, como prenúncio de novos entendimentos alicerçados pela opinião da maioria, que sempre se coadunam e prevalecem no Estado democrático de Direito.

Independente das arraigadas convicções religiosas e a positiva prevalência na fé em Deus, porém, é de transcental importância acentuar a independência laica do Estado, que impede a subordinação a certos dogmas religiosos ou ideológicos, alguns já ultrapassados pela realidade dos avanços da humanidade, que não podem ficar impedidos ou se curvarem a imposições ultrapassadas.

Torna-se oportuno neste momento, face o portentoso julgamento, que envolve além da relevante matéria jurídica, aspectos de alta importância humanista, e também democrática, vivenciar o pensamento do eminente Ministro Celso Mello, expendido sobre julgamentos no presente, em especial a conscientização do significado e conseqüências do “voto vencido”, considerando-se as experiências em pleitos no passado, e as alterações fundamentais de sentido prático na aplicação da justiça, que se deliniam para o futuro, em razão das modificações estruturais que ocorrem em todos os setores da sociedade.

Disse S. Excia.: “o voto vencido possui o sentido mais elevado da ordem e da justiça, exprimindo na solidão de seu pronunciamento, uma percepção mais aguda de realidade social que pulsa na coletividade, antecipando-se, aos seus contemporâneos, na revelação de sonhos que animarão as gerações futuras na busca da felicidade mais justa e solidária e na edificação de um Estado fundado em bases genuinamente democráticas”.

Entre outras consistentes considerações, o eminente mestre Ministro Celso Mello, aduziu e alicerçou seu pronunciamento com a opinião do imensurável Raymundo Faoro, que ao enfatizar que o voto vencido, muitas vezes “representa a honra de um corpo político, alicerce da opinião vencedora num passo subseqüente. É o voto da coragem, de quem não teme ficar só…”

Que o espírito de Themis baixe sobre o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL!