A Justiça do Trabalho e a pandemia

4 de dezembro de 2020

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Entre o “tsunami econômico” e a reinvenção do mundo do trabalho, o protagonismo do Poder Judiciário

No primeiro semestre de 2020, Mark Zadin, o economista chefe da Moody´s Analytics, utilizou-se da expressão “tsunami econômico” para identificar um dos maiores efeitos da pandemia do coronavírus. Para ele, o distanciamento social implicaria em “distanciamento econômico, diminuindo bruscamente a demanda por bens e serviços, e interrompendo a oferta de trabalho”.

O mundo do trabalho certamente sofreu um dos maiores e primeiros impactos da inegável recessão econômica, resultando em conflitos de difícil solução. Afinal, a mesma crise sem precedentes afeta, de maneira concomitante, valores sociais fundamentais, como o direito à subsistência e à existência digna, frente à quase impossibilidade de manterem-se os mesmos meios de produção, ao menos nos moldes anteriores a 2020.

A generalização de vulnerabilidades trazida pelo cenário pandêmico acaba por aproximar as angústias de todos os envolvidos no impasse entre a necessidade de preservação do emprego e o encaixe do papel da economia na sociedade, trazendo à tona a necessidade de buscas de soluções agregadoras e participativas.

Ao mesmo tempo em que é necessário repensar a contribuição do trabalho, e o modo como as economias e a maioria dos economistas o valorizam, de modo a “construir economias mais robustas, sustentáveis e equitativas, que recompensem cada trabalho de acordo com as contribuições reais que ele faz”, também é necessário se repensar o papel do Poder Judiciário, dentro de um contexto de pacificação de conflitos que se torna premente.

Para tanto, é preciso se ter em mente que, em um cenário no qual as vulnerabilidades se mostram exacerbadas e generalizadas, deve-se optar pelos caminhos que representem uma menor fragilização. Assim, entre a direção do conflito e a direção da sua solução, ainda que por métodos alternativos – e, preferencialmente, mais céleres – a criação de mecanismos que estimulem o segundo caminho parece ser a opção.

Atenta a tal conclusão, a Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho tem incentivado a solução consensual de conflitos em sede de correição parcial, envolvendo questões de notória sensibilidade decorrentes da pandemia da covid-19. Os resultados têm sido muito satisfatórios, representando cerca de 50% de êxito em questões de notória sensibilidade (muitas delas, aparentemente, sem solução), demonstrando que o diálogo social é, sem sombra de dúvidas, um caminho necessário para se atingir a citada sociedade equitativa, em uma economia sustentável e repensada.

Nesse contexto extraordinário em que vivemos, no qual é preciso utilizar os meios tecnológicos – que são postos à nossa disposição – em benefício do jurisdicionado, há o compromisso da Justiça do Trabalho com a prestação jurisdicional célere e eficiente, na busca da solução justa, em tempo razoável, mesmo na adversidade provocada pela pandemia. Proporcionar o diálogo social, como forma de acolhimento pelo Estado Juiz, dos cidadãos em condição de vulnerabilidade é criar meio eficiente do Judiciário trabalhista estar atento à demanda excepcional que lhe é posta.

No âmbito do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, a Resolução CSJT no 174/2016, ao regulamentar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos, deu continuidade ao rol de iniciativas voltadas à implementação, na Justiça do Trabalho, da Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por meio da Resolução no 125/2010. Sucedeu, por exemplo, ao Ato 168 GP.TST, de abril do mesmo ano, o qual havia instituído a mediação e conciliação pré-processual em dissídios coletivos. A Recomendação CSJT.GVP 1/2020, por sua vez, visando diminuir as distâncias em um momento tão sensível como o que estamos vivendo, buscou estimular o uso de ferramentas eletrônicas nas mediações e conciliações em ações relacionadas à pandemia.

O uso de novas ferramentas tecnológicas, aliás, foi um dos grandes aliados do Poder Judiciário para garantir a continuidade da atividade jurisdicional nos momentos de maior isolamento social, ao mesmo tempo em que se apresentou como desafio inovador, em meio a uma época de transformação e transição para um “novo tempo do processo” e novos meios de prática dos atos processuais.

As inovações e os desafios, contudo, nunca foram obstáculos para a Justiça do Trabalho. Foram várias as medidas tomadas ao longo de 2020 com tal viés cooperativo. No âmbito da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, mais uma vez, buscou-se ampliar os mecanismos de cooperação judicial e diálogo social, por meio de iniciativas voltadas a facilitar o acesso à Justiça e o atendimento das urgências afetas ao combate da covid-19.

Em abril de 2020, o Ato CGJT 11/2020 regulamentou a realização de audiências sob o meio telepresencial, a transmissão e armazenamento de tais dados, e ainda trouxe previsão acerca de mecanismos hábeis a promover maior celeridade e efetividade ao processo no período excepcional trazido pela pandemia.

Ainda atenta à urgência da viabilidade do acesso à Justiça em tempos de crise, a Corregedoria Geral editou a Recomendação GCJT nº 08/2020, referente à “implementação de medidas para viabilizar a atermação virtual e o atendimento virtual dos jurisdicionados”, em iniciativa considerada pelo CNJ como atinente “ao contexto de ampliação dos meios de acesso à Justiça, de forma segura e eficaz”. A Recomendação no 10/2020, por sua vez, trouxe a diretriz de priorização, na medida do possível, da tramitação de ações trabalhistas e recursos do interesse de profissionais de saúde que atuam no combate à covid-19. Por outro lado, com o objetivo de estimular o direcionamento de recursos no combate à pandemia, a Recomendação CGJT no 9/2020 já havia trazido a previsão de tratamento com criação de código de recolhimento próprio referente aos depósitos judiciais abandonados.

Por fim, no âmbito do CNJ, aprovou-se, em 27 de outubro de 2020, a Resolução nº 350/2020, estabelecendo  diretrizes e procedimentos sobre a cooperação judiciária nacional, ratificando a constatação inafastável de que, no momento atual, é necessário que o Poder Judiciário, em seu papel edificante e pacificador, observe três premissas: (i) fomentar o diálogo social; (ii) privilegiar os métodos alternativos de solução de conflitos que se utilizem e viabilizem esse diálogo social; e (iii) cobrar e garantir a responsabilidade comparticipativa dos atores sociais envolvidos, por meio, principalmente, da boa-fé e da cooperação processual.

Sem dúvidas, a Justiça do Trabalho, a partir dessa construção coletiva tão admirável que tem permeado a criatividade jurídica e os resultados surpreendentes atingidos, é a prova de que, como pregou Albert Camus, “o que se aprende no meio dos flagelos é que há nos homens mais coisas a admirar do que a desprezar”, e de que, indubitavelmente, juntos caminhamos mais fortes. Sigamos, pois, rumo a um novo tempo, de novos desafios, mas também de novas e gratificantes soluções.

Notas________________________

1 A expressão e o conceito foram utilizados por Mark Zadin, economista chefe da Moody´s Analytics, em entrevista  citada por KLEIN, Ezra. How the Covid-19 recession could become a depression: Coronavirus is a global economic catastrophe. Tradução livre. Disponível em https://www.vox.com/2020/3/23/21188900/coronavirus-stock-market-recession-depression-trump-jobs-unemployment. Acesso em 02/07/2020.

2 Trata-se de decisão proferida pela Conselheira Flávia Pessoa, nos autos do PCA 0004856-36.2020.2.00.0000, DJe 07/07/2020.