A ilegalidade na utilização do rito emergencial nos processos trabalhistas

27 de agosto de 2021

Marta Alves Presidente da Comissão de Direito do Trabalho Empresarial da OAB-RJ

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Pouco tempo após o início da pandemia e a decretação do Estado de calamidade pública, os tribunais se depararam com a repentina necessidade de adaptação ao trabalho de forma remota, com produção de atos por meio telepresencial, a fim de manter a atividade jurisdicional. Com isso, foi publicado o ato nº 11 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, de 23 de abril de 2020, cujo objetivo era atender uma “necessidade extraordinária de adaptação do processo à realidade vivida por força da pandemia”, com prazo de vigência de 180 dias.

O referido ato previu, em seu art. 6º, a possibilidade de o Juiz trabalhista utilizar o rito processual previsto no art. 335, do Código de Processo Civil (CPC), para apresentação de defesa sem audiência, o que, apesar de ser contrário à expressa previsão na legislação trabalhista, buscava garantir, naquele momento, o direito constitucional do acesso à Justiça e também a razoável duração do processo. 

Entretanto, o que era exceção passou a ser adotado como regra nos processos trabalhistas, mesmo após a regulamentação das audiências telepresenciais e até mesmo a reabertura dos tribunais ao trabalho presencial. A legislação processual da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) tem sido afastada sem nenhum fundamento legal para tanto.

Não há lacuna na CLT que justifique a aplicação subsidiária do CPC (permitida pelo art. 769), o que implica concluir que o prazo de 15 dias para protocolo da contestação aos autos não se aplica às reclamações trabalhistas, já que a CLT prevê a sua apresentação em audiência, facultando até mesmo que seja feita de forma oral, conforme disposto no art. 847, da CLT: 

“Não havendo acordo, o reclamado terá 20 minutos para aduzir sua defesa, após a leitura da reclamação, quando esta não for dispensada por ambas as partes.

Parágrafo único.  A parte poderá apresentar defesa escrita pelo sistema de processo judicial eletrônico até a audiência”.

Ademais, vale destacar que nem mesmo o art. 335, do CPC, tem sido utilizado corretamente, uma vez que o prazo de contestação se iniciaria somente após a audiência de conciliação, o que não tem acontecido na maioria dos casos, em que o magistrado já determina o início do prazo com o recebimento da notificação.

Art. 335 – O réu poderá oferecer contestação, por petição, no prazo de 15 dias, cujo termo inicial será a data:

I – da audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação, quando qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição;

Portanto, parece evidente que a utilização do dispositivo do CPC para apresentação de defesa na reclamação trabalhista é ilegal, pois um ato do tribunal não pode se sobrepor à lei, e também é inconstitucional, pois viola os princípios da legalidade e do devido processo legal, inseridos nos incisos II e LIV, do art. 5º da Constituição Federal.

Notas_________________________

1  “O ministro Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho, no uso das atribuições legais e regimentais, considerando o disposto no art. 6º do Ato Conjunto CSJT.GP.CGJT nº 5, de 17 de abril de 2020, que prorrogou as medidas de prevenção ao contágio pelo novo coronavírus (covid-19), e dispôs sobre a suspensão de prazos processuais no âmbito da Justiça do Trabalho de 1º e 2º graus; considerando o disposto nas Resoluções nº 313/20 e nº 314/20 do Conselho Nacional de Justiça; considerando as informações prestadas pelo Conselho Nacional de Justiça quanto à viabilidade técnica de uso da plataforma CISCO-WEBEX, bem como a possibilidade de armazenamento das gravações de som e imagem das audiências e sessões de julgamento na plataforma PJe-Mídias; considerando a necessidade de extraordinária adaptação do processo à realidade vivida por força da pandemia decorrente do covid-19, de modo a minimizar seus impactos, e as possíveis dificuldades de acesso às plataformas de realização dos atos telepresenciais (…)”

2 Artigo 11º- O presente Ato entra em vigor na data de sua publicação, pelo prazo de 180  dias, podendo ser revisto a qualquer tempo, caso sejam alteradas substancialmente as condições extraordinárias da pandemia que lhe deram origem.

3 Artigo 6º. Preservada a possibilidade de as partes requererem a qualquer tempo, em conjunto (art. 190 do CPC), a realização de audiência conciliatória, fica facultado aos juízes de primeiro grau a utilização do rito processual estabelecido no artigo 335 do CPC quanto à apresentação de defesa, inclusive sob pena de revelia, respeitado o início da contagem do prazo em 4 de maio de 2020.