A certeza da impunidade

5 de novembro de 2005

Presidente do Conselho Editorial e Consultor da Presidência da CNC

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O país vem assistindo – graças ao clamor da sociedade – um espetáculo inimaginável há tempos atrás, qual seja os comentários que tomaram conta de todos os segmentos sobre a corrupção que atingiu os três Poderes:  Executivo, Legislativo e Judiciário.

A propósito, merece ser lembrado o famoso ensaio “Mirabeau ou o Político” de José Ortega y Gasset, o genial pensador espanhol, naquela linguagem rica de beleza e de significado, que até hoje faz o deleite daqueles que têm a felicidade de se dedicar à leitura de seus escritos; nesse precioso ensaio, o iluminado autor das “Meditações do Quixote” empreendeu, ou tentou empreender, a tarefa sem precedentes de traçar, com tintas fortes, os traços distintos do que para ele seriam os homens intelectuais e os homens políticos.

Imaginava ele poder estremar as duas espécies, como se a Natureza, rica e caprichosa, energizada pelos desígnios do Criador, não pudesse eleger alguns para cumular com as virtudes que o filósofo entendia irremediavelmente separadas.

O intelectual – afirmava o compatriota de Cervantes – não sente a necessidade da ação, de ser ocupado com coisa alguma, e isso é a sua glória e, talvez, a expressão da sua superioridade.  E destacava: em última instância, ele se basta a si mesmo, e vive de sua própria germinação interior, de sua magnífica riqueza íntima, não precisando, a rigor, de nada, nem de ninguém.  Numa palavra, o intelectual é um microcosmo, uma síntese do universo.

O político, diversamente, deve ser o homem da ação, aquele que responde prontamente às necessidades do mundo circundante, aquele em que o primeiro impulso conduz ao fazer, e ao fazer já, aquele, enfim, de quem não se pode exigir contemplações inibidoras, mas apenas que se arrependa depois da ação realizada, se errou, porque só então lhe será dado refletir sobre os deslizes perpetrados ou os erros cometidos.

Daí o quadro atual por que passa o Brasil, com as instituições caminhando para o descrédito, o desânimo e a desesperança, a motivar o grito, o protesto e a reprovação da sociedade.

Claro que esse movimento reivindicatório da sociedade – com a punição a ser feita dos envolvidos no esbulho dos dinheiros públicos – está a irromper com a mais ampla ressonância porque é ele de redenção nacional, operando dentro de critérios de ordem moral e ética.

Não há como deixar de reconhecer que a atual crise política é grave e poderá atingir contornos imprevisíveis, a ponto de resvalar para influências no campo econômico, dada a fusão existente entre a economia e a política.

Ora, é imprescindível que a sociedade demonstre a sua força – como já vem fazendo – ao clamar contra essa postura criminosa de apropriação indébita dos dinheiros públicos, solapadora das reservas cívicas de um povo, destruidora da essência da seriedade e ultrajadora daqueles que se preocupam com o engrandecimento da Nação, antes que a mortalha da corrupção atinja os brios da soberania nacional.

Nesse sentido, é imperioso que se assegure ao nosso país um futuro sem os acessos e os golpes recidivos perpetrados por corruptos e corruptores, criando mecanismos que os conduzam à cadeia e, conseqüentemente, pondo um basta definitivo na chamada certeza da impunidade.