Edição

A carta

5 de agosto de 2004

Oscar Niemayer Arquiteto

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Quando Darcy me pediu para desenhar o monumento à Getúlio Vargas, logo pensei na Carta Testamento. Um texto de tal grandeza e patriotismo que todos os brasileiros o deveriam ler e guardar. E imaginei contida num grande cilindro de concreto com 25 metros de altura.

Pouco contato tive com Getúlio. Uma única vez, ele já deposto, na casa de Maria Martins, em Petrópolis. A princípio só tivera razões para criticá-lo. Lembrava os tempos da ditadura, amigos presos e torturados, recusando-me a acreditar ser tudo isso feito a sua revelia. Mas, paralelamente, na minha displicência de carioca, achava graça nas suas artimanhas, no seu sorriso fácil, no seu ar tranqüilo e destemido.

Mas a situação internacional agravou-se. Hitler e seu bando ameaçavam o mundo, e Getúlio, ladino como era, depois de aproximar-se da direita, passou a apoiar francamente a luta antifacista.

E um vento de boa vontade nos envolveu e começamos  considerar que o nosso presidente não era  tão reacionário como pensávamos, mas uma figura estranha ainda por definir.

E quando, saído do cárcere, Prestes subiu com ele no palanque, já estávamos predispostos a compreendê-los.

Pouco a pouco, fomos aderindo a Getúlio Vargas, contentes com as medidas de caráter popular e nacionalista que tomava, as leis sociais, a Petrobrás, Volta Redonda, Vale do Rio Doce.

Lembro-me, na véspera da sua morte, da palavra de ordem do Partido Comunista Brasileiro: “Todos nas células. É preciso defender Getúlio”.

E lá fui eu com meus companheiros para a minha célula na Gávea, onde ficamos até as 4h da manhã, à espera da tarefa anunciada.

Naquela noite, Getúlio suicidou-se, para surpresa dos seus opositores daqui e do exterior. Uma mágoa imensa desceu sobre o povo brasileiro, orgulhoso na sua revolta com a carta testamento que deixou.

Não tem importância se foi Getúlio que pessoalmente a escreveu, ou se instruiu um auxiliar para redigir o esboço da carta. O essencial é que nela, com seu próprio sangue, Getúlio exalta a nossa soberania, diante das forças  imponderáveis da ignorância e da política internacional.