A cada um, o seu

20 de setembro de 2013

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José Geraldo da FonsecaContrato de trabalho é um acordo tácito ou escrito que corresponde à relação de emprego e une o empregado (pessoa física) ao patrão (pessoa física ou jurídica) em uma única relação jurídica. Relação de emprego é uma relação de fato no qual uma das partes (o patrão) está na posição jurídica de poder exigir, e a outra (o empregado), na situação jurídica de ter de obedecer. Esse contrato não tem conteúdo específico e resume uma obrigação de fazer: prestar trabalho a outrem sob subordinação e mediante salário.

Como todos os demais tipos de contrato, o contrato de trabalho contém um feixe de atribuições ligadas diretamente à atividade principal para a qual o empregado é contratado e outro feixe de atividades correlatas que complementam essa obrigação principal. A doutrina costuma dizer que essas obrigações principais constituem o “núcleo do contrato”; as correlatas ou acessórias compõem as suas “obrigações periféricas”.

Em princípio — e porque o contrato de trabalho não tem conteúdo específico —, o empregado se obriga a prestar em favor do patrão as obrigações principais, que estão no núcleo do seu contrato, e as correlatas, que estão ao seu alcance e o completam1. Nem o empregado pode se recusar a cumpri-las nem o patrão pode exigir dele o cumprimento de funções que não estejam no rol de atividades complementares ou acessórias das obrigações principais.

Se, por exemplo, uma pessoa é contratada para trabalhar em uma casa de família como babá, no núcleo do seu contrato de trabalho está a obrigação de zelar pela criança, mas está também no rol de suas ocupações correlatas ou acessórias arrumar o quarto do bebê, dar-lhe
refeições ou remédios, ou arrumar os brinquedos no lugar próprio enquanto o bebê dorme. Deve ocupar-se de todas as demais tarefas que complementem a principal, que é cuidar do bem-estar da criança, mas não tem nenhuma obrigação de preparar a comida dos viventes da casa, lavar ou passar o enxoval da família, ou cuidar da piscina, por exemplo. Essas atividades domésticas não são correlatas às de babá e não complementam a obrigação principal que constitui o núcleo desse contrato de trabalho doméstico. Integram um novo núcleo de atividades que seriam próprias de um outro tipo de trabalho doméstico que não pode ser executado na mesma jornada de trabalho da babá.

Dou outro exemplo: não constitui infração ao contrato de trabalho o fato de uma empresa de ônibus exigir dos seus motoristas que abasteçam o veículo e calibrem os pneus antes de sair, ou que controlem a lotação dos veículos e efetuem a cobrança dos bilhetes de viagem dos passageiros que embarcam fora do ponto inicial. Todas essas atividades são periféricas àquela que constitui o núcleo da obrigação do motorista – a direção do veículo.

Tanto no caso da doméstica quanto no do motorista, não há fundamento legal para que se obrigue o patrão a pagar aos empregados dois salários, isto é, o de babá e de arrumadeira para o caso da doméstica, ou de motorista e de cobrador para o caso dos motoristas de ônibus.

A lei não proíbe que patrões e empregados domésticos combinem pagamento extra para uma ou outra função que não esteja no núcleo do contrato doméstico, assim como não veda que empresas de ônibus e motoristas ajustem pagamento de comissão sobre o total das passagens vendidas no percurso ou salário acima do piso normativo para compensar o trabalho extra. Mas, se as tarefas são correlatas à obrigação que está no núcleo do contrato de trabalho, e devem ser cumpridas na mesma jornada de trabalho, somente haverá direito a dois salários quando houver previsão expressa nas normas coletivas da categoria ou nos regulamentos da empresa, ou resultar de costume ou de acordo escrito ou tácito entre os empregados e os patrões.

A lei trabalhista é omissa2.

Notas _____________________________________________________________________

1 CLT, art. 456.
2 E. no 129/TST.