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A advocacia corporativa como vetor de transformação da prática jurídica e da realidade social brasileira

3 de março de 2023

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Ao longo dos anos no exercício da atividade jurídica, dentre algumas preocupações sobre a classe dos advogados, há uma que toca mais o coração: o fato de que alguns dos nossos colegas ainda compartilham a ideia de que à profissão de advogado associa-se um prestígio automático.

De fato, a inscrição na ordem outorga ao advogado um poder valioso: o acesso quase exclusivo ao sistema jurídico do País. No entanto, a realidade do exercício desse poder é muito diferente do que se possa imaginar.

Gera comoção ver tantos advogados mal remunerados e beirando a invisibilidade porque acreditaram que a advocacia ainda hoje é uma profissão que pode se sustentar apenas da existência desse poder; que buscaram a advocacia não pelo amor ao Direito, mas como uma tentativa de ascender socialmente, baseado em uma crença já inaplicável à maioria dos causídicos, pelo menos há meio século.

Advogados são fundamentais dentro de um Estado Democrático de Direito.

O problema é que muitos estudantes, bacharéis e mesmo advogados atuantes continuam a acreditar que a prática jurídica por si só trará automaticamente respeito e mobilidade social. Essa percepção distorcida da realidade só gera um grande volume de advogados frustrados.

É preciso desconstruir urgentemente essa visão romântica do advogado como um nobre, para instalar na mente dos profissionais a realidade de que, mesmo o trabalho duro e a dedicação, só serão recompensados com reconhecimento e boa remuneração, na medida em que gerem resultados que possam ser percebidos pelos clientes e pela sociedade.

Obviamente não são todos os colegas que estão prontos para aceitar essa realidade, de que hoje o advogado “nasce” com poder, mas sem autoridade, que deve construída com resultados.

Em maio de 2021, uma pesquisa inédita divulgada pelo Datafolha, realizada com o apoio da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs e em parceria com a empresa Digesto, revelou o perfil econômico e de atuação da advocacia no País, apontando dados interessantes: (i) 62% da classe atua de forma autônoma, sem vínculo formal com escritórios ou empresas; (ii) a renda individual mensal média da classe é de R$5.855,00, com 44% dos profissionais situados na faixa de R$2.500,00; (iii) a maioria da categoria manifesta alto grau de insatisfação com a profissão. Em uma escala de 0 a 10, a nota média de insatisfação foi 7,5, sendo que três em cada quatro (74%) deram avaliações de 7 a 10.

Obviamente, o cenário desolador da advocacia não é resultado exclusivo da visão dos advogados sobre a sua própria prática. Uma série de questões institucionais tem igual ou maior impacto, a exemplo da quantidade e qualidade dos cursos de formação, da alteração das demandas diante das mudanças de legislação, entre outras. Todavia, os demais fatores não excluem a máxima de que para ser relevante, reconhecido e bem remunerado uma outra mentalidade profissional é necessária: a de que não basta ser um advogado, é necessário ser um advogado que gere transformações na história do seu cliente.

Só assim, os advogados poderão reconstruir sua autoridade e autoestima perante a sociedade, retomando a capacidade de estabelecer o valor justo dos seus serviços, pelos resultados que são capazes de entregar, e não apenas porque possuem uma carteira de identificação vermelha.

Nesse sentido, pela experiência da última década, observo que a advocacia corporativa é um terreno fértil para cultivar a mudança. As constantes mudanças econômicas e a velocidade exponencial com a qual as transformações tecnológicas têm sido aplicadas ao modo de produção criam um ambiente empresarial e empreendedor dotado de um dinamismo sem precedentes.

Entretanto, vejo muitos advogados empresariais, colaboradores internos às empresas, e também terceiros, com dificuldade de atender empresários e empreendedores por (i) estarem amarrados à essa pretensão de ser parte de uma corte imaginária, mas também por (ii) não entenderem que a advocacia empresarial não se confunde com a advocacia corporativa.

Esclareço que faço uso da expressão “corporativa” para além da acepção tradicional da palavra, que é a de representar ou dar significado ao que está ligado a uma empresa de grande porte ou a um grupo de empresas. Empresto a palavra para diferenciar e evidenciar o foco da atividade do advogado, que nas empresas de grande porte, desenha-se de forma mais próxima à execução do negócio.

A advocacia corporativa a qual me refiro aqui se funda no domínio técnico do chamado Direito Empresarial, mas não tem o Direito como objetivo principal, a advocacia corporativa tem a realização de negócios como foco, independente do porte da empresa ou do empreendimento. Ou seja, embora frequentemente vista como uma função essencialmente legal, a advocacia corporativa também é uma função de negócios.

O advogado corporativo é responsável por garantir que a empresa e os empreendimentos estejam operando dentro da lei e, ao mesmo tempo, por maximizar seus resultados financeiros, cuidando também dos aspectos legais, gerenciais e econômicos dos desafios trazidos pelos clientes.

Sustentada pelos pilares do engajamento estratégico, da responsabilidade corporativa (interna e externa) e da multidisciplinaridade, a prática jurídica corporativa não busca apenas representar os interesses empresariais nas relações jurídicas estabelecidas, mas acaba tornando-se parte da própria empresa, do próprio negócio: defende, gerencia ativos, assume riscos e viabiliza oportunidades.

Dessa forma, os advogados corporativos permitem que as empresas e empreendimentos naveguem pelos complexos sistemas legais e regulatórios, minimizando os riscos e maximizando as oportunidades econômicas, por meio de uma abordagem proativa.

A realidade aponta que o Brasil, em dezembro de 2022, contava com 1,3 milhões de advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o que significa uma proporção de um advogado para cada 164 brasileiros. Sendo que, segundo a Pesquisa Datafolha, a atuação dos profissionais está distribuída da seguinte forma entre as áreas: família e sucessões (42%), trabalhista (38%), previdenciário (24%), consumidor (22%) e criminal (20%).

A conta entre oferta e demanda claramente não fecha para a maior parte das áreas. Ao confrontarmos esse dado com outro do Ministério da Economia, de que há quase 20 milhões de empresas ativas no País, torna-se cristalina a vantagem competitiva daqueles que vierem a se dedicar à prática jurídica corporativa. 

Diante de tais dados, aproveito aqui a ocasião do mês de homenagem e reflexões sobre a vida das mulheres, para chamar especial atenção das advogadas sobre o potencial de oportunidades que podem encontram no Direito Empresarial e na advocacia. Explico.

Em 2020, o Global Entrepreneurship Monitor (GEM) em pesquisa realizada em parceria com o Sebrae e com o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBPQ), aponta o Brasil como o 7º País do mundo com o maior número de mulheres empreendedoras: de 52 milhões de empreendedores que existem no País, 30 milhões são mulheres, sendo 44% delas chefes de família e 85% responsáveis pelas decisões de compra em suas casas.

Essa informação é de extrema relevância para as advogadas. Compreender a dimensão do empreendedorismo feminino no Brasil é entender o cerne sobre como a advocacia corporativa pode transformar a vida da profissional do Direito, em termos de remuneração e relevância, ao mesmo tempo em que atua como mecanismo de fortalecimento de negócios liderados ou posições corporativas ocupadas por mulheres.

Como advogada e gestora em um departamento jurídico de companhia brasileira de atuação internacional me sinto na reponsabilidade de apontar os caminhos às que virão depois de mim. Uma medida simples, mas que tem o potencial de equilibrar a competição e economizar algumas batalhas e cicatrizes. 

Apontar a direção é o mínimo a fazer diante da uma realidade na qual as mulheres advogadas permanecem com uma renda média mensal significativamente inferior do que a de homens que realizam a mesma atividade.

Destarte, é pelo pioneirismo e potencial de transformação social existente no DNA da sua prática que a advocacia corporativa apresenta-se como o portal de entrada para a compreensão de que uma outra advocacia é possível.

Mais do que apresentar aspectos sobre uma distinção conceitual pouco explorada entre o advogado empresarial e o advogado corporativo, esse é um convite aos colegas (e às colegas) para refletirem sobre a possibilidade de assumirem o papel de agentes de transformação da realidade empresarial e empreendedora, atuando como advogados e agentes de prosperidade. Papel que pode, e também deve, ser desempenhado por profissionais autônomos, associados e sócios de escritórios.

Falo aqui sobre uma advocacia corporativa propositiva, capaz de ser vetor da circulação de riquezas e mobilidade social. Advocacia que seja capaz de fazer negócios; que seja feita fora do escritório, do ambiente acadêmico, do departamento jurídico.

Uma advocacia praticada para devolver o equilíbrio às conexões, na qual o advogado pode liderar e servir, sendo o fiel da balança da justiça no mundo dos negócios como um colaborador estratégico ou parceiro terceiro qualificado e, portanto, relevante, reconhecido e bem remunerado.

Notas__________________________

1 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/datafolha-pesquisa-inedita-revela-perfil-economico-e-de-atuacao-da-advocacia-do-pais.shtml

2 https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2022/julho/mais-de-1-3-milhao-de-empresas-sao-criadas-no-pais-em-quatro-meses