Getúlio Vargas governou o Brasil, durante quase vinte anos e participou decisivamente da política nacional, por mais de trinta. Nada mais natural que tivesse marcado o País em múltiplas facetas, algumas delas da maior relevância. Além disto, viveu em período de grandes mudanças para a humanidade, em que se deu, inclusive, a Segunda Guerra Mundial, envolvendo a maioria das Nações. Embora haja muito a ressaltar e a discutir quanto a sua presença na política brasileira, neste breve ensaio destacar-se-ão três pontos fundamentais. A Revolução de Trinta, a criação do Partido Trabalhista Brasileiro, com raízes nacionalistas, e a auto imolação que encerrou sua presença na terra, justamente no dia 24 de agosto de 1954.
A vigorosa presença de Getúlio, na política brasileira, deu-lhe a liderança da Revolução de Trinta, onde havia expoentes mais jovens, como Luiz Carlos Prestes (que, pouco antes, dela se afastou), Siqueira Campos (morto em desastre de avião), Oswaldo Aranha, Góes Monteiro, Eduardo Gomes, Juracy Magalhães e tantos outros, tão destacados quanto. Com sua experiência, equilibrou as propostas afoitas e radicais e instalou governo revolucionário e nacionalista que mudou a cara do País. Permaneceu quinze anos no poder, lançando as bases para a industrialização, com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional – CSN e a promulgação do Código de Águas e Energia Elétrica, entre outras medidas de vulto. Houve tempestades internas e cisões dentro do grupo original, mas a condução global teve a sabedoria de um estadista que separava o essencial, para a reconstrução estrutural do Brasil.
A Revolução de Trinta terminou seu ciclo em 1945, separando-se entre as diversas correntes políticas que a tinham composto ou que a ela se opuseram, a se destacar o liberalismo, essencialmente urbano, e o velho coronelismo rural, respaldando sentimentos contrários a mudanças. Os liberais, apoiados pelos descontentes em relação ao continuísmo, derrubaram Getúlio e seguiu-se a eleição do General Dutra, ex–Ministro da Guerra, ligado a muitos dos antigos revolucionários, inclusive a seu líder. Realizou governo essencialmente conservador, tendo proibido o jogo e tornado ilegal o Partido Comunista, levando à cristalização do liberalismo, por um lado, e ao crescimento dos partidos de esquerda, pelo outro.
Getúlio foi eleito Senador e Deputado, por diversos Estados da Federação e reafirmou sua popularidade. Cevou o trabalhismo, como representante maior das correntes nacionalistas, preocupadas com a Justiça Social, definindo-se o novo quadro partidário com os liberais da UDN, os conservadores do PSD e os trabalhistas do PTB, além de outras siglas de menor expressão. Criou o trabalhismo, no Brasil, com ênfase em projeto nacional, para fortalecer as instituições e integrar a todos os cidadãos, combatendo a pobreza. Passou a ser considerado o pai dos pobres e foi eleito Presidente da República, em 1950, pelo PTB, sem obter maioria absoluta dos votos, ficando o País dividido entre as três correntes dominantes, viabilizando-se o governo graças ao apoio parcial do PSD, face a laços políticos preexistentes.
Apesar das dificuldades, junto ao Congresso Nacional, Getúlio imprimiu ao novo governo forte marca nacionalista, patrocinando a criação da PETROBRÁS, da ELETROBRÁS, do BNDES, da Companhia de Álcalis, da COSIPA, da ACESITA e da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, o que veio a se somar à CSN. No plano social, aproximou-se dos sindicatos, nomeando seu futuro herdeiro político, João Goulart, Ministro do Trabalho. Duplicou o salário mínimo, provocando a ira das então chamadas classes produtoras. Gerou, evidentemente, forte reação dos conservadores, em especial daqueles ligados ao latifúndio, e dos liberais, nesta ocasião enamorados das propostas de internacionalização, posicionando-se nitidamente à direita.
As características políticas das tendências dominantes não se relacionam com o que hoje existe no cenário brasileiro. Os liberais viam em Getúlio uma ameaça à Democracia enquanto que davam respaldo à corrente militar que pregava o planejamento estratégico e a intervenção sobre o Estado, compondo-se, também, com o capitalismo internacional. Os conservadores sentiam-se incomodados pela crescente participação dos trabalhadores (e da esquerda) e, embora antípodas em sua essência, os militantes desses dois grupos se reuniram e financiaram combativo jornalista, ex-comunista, Carlos Lacerda, para ser o arauto de seu descontentamento, com propostas que não eram nítidas, nem uniformes. Organizaram-se no intuito de derrubar Getúlio e escantear a esquerda, armando-se a cena do golpe militar.
Getúlio Vargas tinha a grande qualidade política de absorver os anseios dos seus liderados e transformá-los em discursos e propostas. Assim o tinha feito, por ocasião da Revolução de Trinta, quando consolidou, em liderança nacional, os movimentos tenentista e revolucionário dos mais jovens. Novamente o fez, ao assumir a posição de líder nacionalista e da democracia social, na forma do trabalhismo que ainda não repousava sobre estruturas sindicais, por inexistirem ou não terem expressão. Tornou-se o pára-raios de todas as pressões e chegou a momento de decisão, em que, se renunciasse a função que ocupava, ainda passaria para a História e tranqüilamente viveria seus últimos dias no retiro preferido, o Itu, em São Borja. Mas o Brasil seria incorporado prematuramente ao processo de globalização que o capitalismo internacional estava engendrando, para engabelar os países subdesenvolvidos.
A outra opção, em favor do Desenvolvimento e da Justiça Social, era heróica e poderia levar ao derramamento de sangue, com destaque para os que se alinhavam a Getúlio, pois o poder bélico estava do outro lado. Havia membros do Ministério e de sua própria família dispostos a personificar resistência simbólica, mas ele resolveu morrer sozinho, sem completar os cincos anos de mandato e oferecendo sua vida aos brasileiros, eternizando sua coragem e despreendimento, mas sobretudo buscando que se realizasse mobilização popular, contra as propostas de internacionalização do País. Seu sacrifício adiou a intervenção militar por dez anos, que só veio a ocorrer quando as Forças Armadas já se haviam dividido entre diversas correntes de pensamento, com ênfase também ao nacionalismo.
A História mostrou erros e acertos dos militares que, em pouco tempo, se desvincularam dos liberais e dos conservadores, que lhes haviam inicialmente apoiado, criando novo grupo político, totalmente invertebrado e sem ideologia, que se amoldava aos desejos dos comandantes. Getúlio, contudo, havia marcado a trajetória da reformulação nacional, a partir de 1930, instituindo corrente nacionalista e trabalhista que deixou seus frutos em quase toda a atividade política que se sucedeu, inclusive no atual Governo Brasileiro, com suas raízes sindicalistas. Morreu defendendo o povo, da maneira mais marcante que encontrou, dando um tiro em seu próprio coração. A melhor homenagem que pode receber é o permanente esforço dos brasileiros em direção ao Desenvolvimento e à Justiça Social, com independência em relação às grandes Nações do Mundo.