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Vem aí o TRF6

6 de agosto de 2019

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Em entrevista, representantes dos juízes e advogados públicos federais comentam a criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, recentemente aprovada pelo CJF.

Por iniciativa do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ministro João Otávio de Noronha, o Conselho da Justiça Federal (CJF) aprovou em maio a criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), com jurisdição sobre o Estado de Minas Gerais. Segundo a proposta, que ainda precisa ser aprovada pelo STJ e pelo Congresso Nacional, o novo tribunal será composto por 18 desembargadores federais e deverá ser criado a partir do desmembramento do TRF1. O Tribunal de origem manteria sob sua jurisdição o Distrito Federal e todos os estados da Região Norte, além da Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso e Piauí.

A discussão sobre a criação de novos TRFs vem de 2003, quando a Emenda Constitucional nº 73 (EC 73) promulgada pelo Congresso – e posteriormente suspensa por liminar do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Joaquim Barbosa – determinava que em um prazo de seis meses fossem criados e instalados quatro novos TRFs com sede em Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA) e Manaus (AM).

De acordo com o Ministro João Otávio de Noronha, que acumula a presidência do CJF, a criação do TRF6 é necessária para modernizar a Justiça Federal e melhor atender os jurisdicionados. Segundo ele, o Tribunal terá uma estrutura nova, compartilhando secretarias entre as unidades de 1º grau e fazendo a movimentação de servidores. “Estamos criando o TRF6 sem alteração no orçamento da Justiça Federal, aproveitando e redistribuindo recursos dentro do orçamento em vigor. Portanto, não terá nenhum aumento adicional ao erário, nem à União. Essa foi a nossa preocupação, pois sabemos que o momento é difícil e de contenção de gastos”, justificou o Ministro Noronha, na sessão colegiada do CJF que, em maio, aprovou a criação do TR6. O magistrado ressaltou que segundo estatísticas do próprio TRF1, 35% dos processos analisados na Corte são originários da Seção Judiciária de Minas Gerais.

Polêmica em sua origem em 2003, tendo sido inclusive questionada no Supremo, a proposta de criação dos novos TRFs atualmente encontra menos resistência entre  magistrados e juristas, o que podemos verificar nas entrevistas a seguir, a primeira com o presidente da Associação dos Juízes Federais de Minas Gerais (AjufeMG), Ivanir César Ireno Júnior, entidade diretamente interessada na questão. Para complementar, ouvimos o vice-presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), Rogério Filomeno, entidade que sucedeu a extinta Associação Nacional dos Procuradores Federais (Anpaf, que à época tinha Filomeno como presidente) como autora da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.071 (ADI 5.017), apresentada em face da EC 73/2013, que paralisou a criação dos TRFs na década passada. 

 

“O TRF1 é o tribunal mais congestionado do País”

É realmente necessária a criação de novos TRFs?

Ivanir Cesar Ireno Júnior – Com certeza, em especial o de Minas Gerais. Nos últimos anos, a Justiça Federal assumiu papel de destaque na efetivação e garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos – atendendo demandas nas áreas de Saúde, Educação, Meio Ambiente, tributação, economia, serviços públicos e Previdência Social, além do combate à corrupção. Para bem cumprir suas atribuições, desde 1989 o 1º grau da Justiça Federal cresceu mais de 700% em número de juízes, passando de 277 para 2.193, estando presente atualmente em 279 municípios. Em total descompasso, no mesmo período, o número de membros do 2º grau cresceu somente 89%, passando de 74 desembargadores para 139. (…) Essa deficiência do 2º grau em relação ao número de tribunais e desembargadores  provocou congestionamento nos TRFs, traduzido em elevada carga de trabalho e morosidade no julgamento definitivo dos processos. Os dados e informações colhidos do Relatório Justiça em Números 2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) confirmam a necessidade de ampliação do 2º grau da Justiça Federal.

Qual é o nível de sobrecarga do TRF1?

É o Tribunal mais congestionado e com a maior carga de trabalho do País, considerados todos os ramos do Poder Judiciário. Na Justiça Federal, conforme veremos adiante, destoa dos quatro outros tribunais, confirmando o total esgotamento de sua capacidade de prestar uma jurisdição com o mínimo de celeridade e eficiência. Em extensão territorial, abrange 80% do território nacional, exercendo jurisdição sobre 13 estados e o DF. Atende 37% da população nacional, com 294 varas e 651 juízes distribuídos em 96 municípios. (…)

A título de exemplo, a média de processos atribuídos a cada um dos desembargadores que julgam matéria previdenciária é de 33 mil, o que impõe uma espera de longos anos para a solução definitiva de casos que envolvem a própria subsistência do cidadão e sua família. A situação somente não é pior em razão de uma medida polêmica, que vem sendo adotada ininterruptamente nos últimos 15 anos, qual seja, a convocação de juízes federais de 1º grau para auxiliar os desembargadores no julgamento dos processos, aumentando a força de trabalho. Atualmente, o TRF1 conta com o auxílio de 36 juízes de 1º grau. Acontece que essa medida, a par de não resolver o problema do congestionamento e atraso nos julgamentos, traz efeitos colaterais negativos, podendo ser citados o desfalque de juízes no 1º grau, com prejuízo para a regular prestação jurisdicional nas varas federais, além de variações da jurisprudência do Tribunal, que atentam contra a segurança jurídica.

Sobre a carga de trabalho e jurisdição prestada pelo TRF1, escreveu o Desembargador Federal Ney Bello, membro da corte: “A exclamação óbvia que parte de leigos e versados é: não se faz jurisdição decente com tamanho acervo! Não é prestação jurisdicional: é não jurisdição. Obviamente, quem sofre com a ausência de serviço adequado não é o magistrado, mas o titular da vida que se discute nos autos em um processo que é apenas um, em meio a 30 mil”.

Por que priorizar Minas Gerais?

Ciente da grave situação vivenciada pelo TRF1, o Ministro João Otávio de Noronha, conhecido pela sua destacada capacidade de gestão e inovação, decidiu não esperar a solução da discussão no STF e se antecipou. (…) As justificativas para a criação, agora, de somente um tribunal, em Minas Gerais, envolvem aspectos técnicos, econômicos e de eficácia que são insuperáveis, a impedir, no momento, a reprodução, por lei, da EC 73/2013 e seus quatro tribunais. Como já demonstrado, o TRF1 é o Tribunal mais congestionado e com a maior carga de trabalho do País. Nesse contexto, a sua escolha como tribunal a ser desmembrado, neste momento, é evidente.

Do total de processos do TRF1, 35% são oriundos de Minas Gerais, sendo os outros 65% divididos entre as 13 unidades da federação restantes. Assim, o desmembramento do Estado de Minas Gerais representará relevante alívio ao TRF1, com redução da carga de trabalho em 42%, segundo dados do CJF. Essa divisão equitativa permitirá, com certeza, que os dois tribunais possam, com gestão eficiente, alcançar qualidade, eficiência e celeridade na prestação jurisdicional.

Em razão do difícil momento econômico pelo qual passa o País e por imposição da EC 95/2016, que impõe o teto de gastos, a criação do Tribunal somente pode ocorrer respeitado o orçamento global da Justiça Federal, ou seja, sem a criação de novos cargos, funções ou despesas. Os 18 cargos de desembargador do TRF6 serão criados a partir da conversão de 20 cargos de juiz substituto do TRF1, escolhidos de varas de reduzida demanda. O restante da força de trabalho do Tribunal virá de uma reestruturação do 1º grau da Justiça Federal de Minas Gerais, que, juntamente com provimento de cargos decorrentes de aposentadoria, proporcionará servidores, cargos e funções suficientes para o bom funcionamento do 2º grau. Além disso, a Justiça Federal em Belo Horizonte tem disponibilidade de estrutura física para abrigar o tribunal, sem a necessidade de utilização de novos imóveis. (…) Em resumo, a urgente necessidade de desmembrar o TRF1, o elevado percentual que Minas Gerais representa na demanda do Tribunal e a capacidade da Justiça Federal em Minas Gerais de ceder estrutura humana e física para permitir a instalação de um TRF sem acréscimo no orçamento global da Justiça Federal justificam a escolha feita pelo CJF neste momento.

O senhor acredita que de fato, com a realocação de recursos, não haverá esvaziamento da primeira instância da Justiça Federal em Minas Gerais?

Este temor é infundado, uma vez que a criação do TRF6 não se dará com esvaziamento, prejuízo ou enfraquecimento das atividades de 1ª instância (varas, juizados, turmas recursais e juízes federais), que é a porta de acolhida do cidadão na Justiça Federal. Diante do atual cenário de restrições orçamentárias, o CJF promoveu estudos e elaborou o projeto de criação do Tribunal fundado em três premissas: alto grau de informatização e automação; estrutura organizacional moderna, com reestruturação da 1ª instância, compartilhamento de estruturas administrativas entre 1ª e 2ª instâncias e secretarias unificadas de turmas e seções do Tribunal; e implantação sem impacto financeiro no orçamento do Poder Judiciário da União.

Sobre a reestruturação da 1ª instância, necessária para viabilizar cargos e funções do novo Tribunal, o projeto demonstra, com dados e estudos, que a extinção de varas e a unificação de secretarias não vão comprometer a prestação jurisdicional.  Após a extinção e redistribuição dos processos, as varas remanescentes terão acervo processual dentro da média regional, em observância às diretrizes do CNJ, estabelecidas na Resolução 184/2013. A unificação de secretarias, observada a manutenção em cada uma delas de um número de servidores compatível com a demanda processual (40 para os seis juizados especiais federais; 35 para os 13 juízos cíveis; 40 para os cinco juízos de execução fiscal; e 20 para os três juízos criminais), trata-se de medida já adotada com êxito na Justiça Federal, conferindo maior eficiência às atividades de tramitação dos processos. Os gabinetes dos juízes, atualmente com dois servidores, terão esse número mantido ou ampliado.

 Diversos fatores somados – informatização do processo, redução de demanda e aumento da produtividade – autorizam a reestruturação da 1ª instância da Justiça Federal em Minas Gerais proposta pelo CJF, sem prejuízo para a qualidade e celeridade da prestação jurisdicional. A força de trabalho liberada por esta responsável reestruturação será direcionada, como medida de eficiência e economicidade, para enfrentar o congestionamento da prestação jurisdicional de 2ª instância, verdadeiro anseio do jurisdicionado mineiro. 

O que acredita que o TRF6 deverá trazer de novo em relação aos congêneres?

Atualmente, não temos dúvidas de que o maior problema do Poder Judiciário brasileiro, com reflexos negativos sobre todos os aspectos da vida do País e das pessoas, é o número elevado de processos e o dilatado prazo temporal para julgá-los. Em resumo, o problema é como prestar uma jurisdição de qualidade e célere. A tradicional solução de resolver o problema a partir de reformas de natureza processual e aumento do número de juízes e servidores mostrou-se pouco efetiva, tornando o Judiciário brasileiro um dos mais caros (1,4% do PIB) e pouco eficientes do mundo. É preciso buscar novas soluções, com a introdução de reformas estruturais centradas na otimização da força de trabalho, modernização tecnológica e organizacional e adoção de gestão estratégica com foco em resultados, com o propósito de obter uma decisão final que seja simultaneamente justa e rápida. O TRF6 está sendo concebido sob essa filosofia. Espera-se que o Tribunal, com uma estrutura enxuta e moderna, um layout que favoreça ganhos de produtividade, técnicas de gestão eficazes e eficientes, maciço investimento em tecnologia da informação e inteligência artificial, baixo custo, espírito inovador e comprometimento de magistrados e servidores, seja um modelo de eficiência no Poder Judiciário brasileiro, cumprindo sua missão de entregar justiça célere e de qualidade.

Enxerga a necessidade de outros ajustes na malha judiciária brasileira?

Vou restringir minha análise à Justiça Federal, que nesses últimos 20 anos passou por várias mudanças, com destaque para a interiorização, estando hoje presente em quase 300 municípios brasileiros. Minas Gerais é um exemplo disso. Até 2003, estávamos presentes somente em quatro cidades: Belo Horizonte, Uberlândia, Uberaba e Juiz de Fora. Atualmente, a Justiça Federal está em 27 cidades espalhadas pelo estado, com 83 varas. Novas demandas surgiram, em especial ligadas à efetivação de direitos fundamentais e combate à corrupção. O número de juízes cresceu mais de 700%. Mudanças como essas merecem, em algum momento, uma reflexão crítica aprofundada sobre o que deu ou não deu certo, os próximos objetivos, o custo de funcionamento, como ganhar em eficiência e eficácia. O importante é que esse debate seja feito de forma técnica, transparente e construtiva.

 

“A motivação sempre foi defender o interesse público”

A Anafe é sucessora da Anpaf na ADI 5017, apresentada em face da EC 73/2013, com alegação de vício de iniciativa pelo fato da Emenda ter sido proposta pelo Legislativo e não pelo Judiciário. A iniciativa agora é do Poder Judiciário. Qual é a posição da entidade? 

Rogério Filomeno – A Anafe nunca foi contra a criação dos novos TRFs. Defendemos que não basta a simples criação de novos tribunais sem que as outras estruturas das funções essenciais à Justiça também sejam equiparadas, principalmente a Advocacia-Geral da União (AGU), a quem compete a defesa judicial da União. O entendimento da Associação, à época da EC 73/2013, foi de questionar, além dos vícios de constitucionalidade indicados na ADI 5017, principalmente, a razoabilidade da criação dos novos tribunais sem equipar as demais instituições que atuam diretamente na Justiça Federal, especialmente os advogados públicos federais, visto que esse descompasso prejudica a sociedade e o próprio interesse público.

A motivação da Anpaf sempre foi defender o interesse público na medida em que os procuradores federais, representados pela Anpaf e membros da AGU, assim como a própria AGU e a Procuradoria-Geral Federal (PGF), não teriam condições estruturais e orçamentárias para acompanhar o crescimento do Judiciário, sem prejuízo à representação da União e com isso ao próprio interesse público. A liminar concedida pelo presidente do Supremo, à época, corrobora que a Anpaf estava no caminho certo. Note-se que a Anpaf não é contra a criação de novos tribunais, apenas questionou a forma e o motivo da expansão do Judiciário sem prever a expansão das demais estruturas necessárias à realização da Justiça e da proteção ao interesse público e a própria sociedade. Esse foi o mote da atuação.

A Anpaf também questionava a criação de novos tribunais sem a aprovação das devidas dotações orçamentárias. Segundo a proposta agora apresentada pelo CJF, contudo, a criação do TRF6 não trará impactos sobre o orçamento do Judiciário. Qual é a posição da Anafe a respeito? 

Em relação à criação do TRF6, em Minas Gerais, entendemos que se trata de uma questão interna corporis. A Anafe não possui qualquer tipo de sugestão ou opinião, apenas continua atenta à preservação das competências constitucionais e do interesse público, assim como de garantir as condições de trabalho dos advogados públicos federais. A preocupação continua sendo no sentido de que a expansão do Judiciário seja acompanhada da expansão das demais funções essenciais à Justiça.