Rio de Janeiro sediou Congresso Mundial de Criminologia

5 de fevereiro de 2004

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A Sociedade Internacional de Criminologia – SIC, com sede em Paris, elegeu o Brasil para sediar o “XIII Congresso Mundial de Criminologia”, realizado ano passado, no Centro de Convenções do Riocentro, na capital fluminense. Foi a primeira vez que o evento, que ocorre a cada cinco anos, lançou âncoras em uma cidade da América Latina.

A SIC é a mais antiga e tradicional entidade acadêmica dirigida aos estudos e às pesquisas criminológicas no mundo, atuando como Órgão Consultivo da ONU e do Conselho da Europa para matérias de prevenção do crime, segurança pública e tratamento de delinqüentes. A programação discutiu direitos humanos e sistema de justiça penal, assim como terrorismo, globalização, violência, reforma do sistema penal, prevenção e alternativas de combate ao crime, entre outros temas. O público estimado no Rio foi de quatro mil pessoas: mil estrangeiros, de 51 países, e três mil brasileiros, dentre conferencistas e espectadores.

O Desembargador Federal Carreira Alvim, que integra a 1ª Turma do TRF-2ª Região participou da abertura solene do congresso realizada no Teatro Municipal e presidiu uma das mesas do encontro. Em entrevista publicada nesta edição, o magistrado defendeu que, mais importante que reformar Códigos de Leis e a estrutura do Judiciário para punir mais rigorosa e rapidamente os crimes, o poder público precisa investir pesado na prevenção da criminalidade via educação do povo – principalmente das crianças, que ele chama de “cidadãos em formação” -, bem como provendo condições dignas de vida para a população: “Fazer boas leis é fácil. Pode-se montar excelentes Códigos Penal e de Processo Penal. Mas depois que o indivíduo se torna um criminoso pouco lhe importa que existam as leis e tampouco ele teme as sanções. No Brasil, não se leva as leis e as noções de cidadania às crianças. Eu sempre digo que se deve ensinar responsabilidade social a elas nas escolas, e discutir o que é tolerado ou não pela sociedade”.

Diferentes realidades

Na opinião do professor Peter Grabosky, da Universidade Nacional da Austrália – UNA, não é apenas para a realidade brasileira que a educação tem importância capital na prevenção da criminalidade. Grabosky, que leciona na Escola de Pesquisa em Ciências Sociais da UNA, citou, em sua palestra, experiências bem sucedidas do governo de seu país para evitar, por exemplo, crimes ambientais. Ele contou como campanhas junto à população têm levado consumidores a rejeitar produtos fabricados em desacordo com as leis ambientais locais, como o caso do atum enlatado que deve conter uma etiqueta “dolphin safe”, indicando que a pesca utilizou redes que não representam risco para os golfinhos. O professor também falou que o governo australiano tem dado, com sucesso, incentivos fiscais para empresas ecologicamente responsáveis, como isenção e redução de tributos e linhas de crédito especiais.

Mas a professora Jody Miller, docente das matérias Criminologia e Justiça Criminal na Universidade do Missouri (EUA), alertou, em sua exposição, para o equívoco de massificar conceitos quanto a causas e características da violência e da criminalidade, principalmente quando se foca a questão nos países do 3º mundo. Para a pesquisadora, a infração recorrente das leis penais pode ser um eco de aspectos culturais, sociais e econômicos específicos em cada parte do mundo. Em sua pesquisa sobre o que ela chamou de “indústria sexual” realizada no Sri Lanka, ela constatou que a prostituição nos países pobres pode ser uma atividade econômica significativa nas comunidades carentes. Em muitas nações, como os Estados Unidos e países árabes, a prostituição é crime: “Algumas mulheres e meninas a partir de 12 anos sustentam famílias inteiras às custas do comércio sexual em algumas localidades do Sri Lanka. Turistas e trabalhadores de navios estrangeiros são os principais suportes da atividade”. Em sua entrevista, o Desembargador Carreira Alvim toca a mesma tecla: “as suas causas (da violência) são as mais diversas, dependendo do perfil político, social e cultural dos povos. Há crimes que são praticados em países do 1º mundo que não são o tipo de crimes praticados em países periféricos”.

Qual a importância do Congresso Mundial de Criminologia no estado em que se encontra a segurança pública no Brasil? E qual foi sua participação no evento?

Na realidade, esse congresso não foi realizado aqui no país em função da violência atual que grassa no Brasil. Mas não deixa de ser uma grande coincidência a realização de um congresso cujo objetivo é estudar e buscar soluções para a violência no mundo todo e as suas causas, que são as mais diversas, dependendo do perfil político, social e cultural dos povos. Há uma massa de crimes que são praticados em países do 1º mundo que não são o tipo de crimes praticados em países periféricos. No Brasil, o principal problema são os crimes cometidos por uma população que se encontra numa situação de desamparo social. Não que a pobreza seja um fator de desencadeamento do crime por si só. Mas as pesquisas têm revelado que essa sociedade que sofre do abandono social é a grande vítima e agente da violência. E como não aprendemos ainda a praticar uma política global de natureza social para elevar a qualidade de vida dessas pessoas, nós, que pertencemos a outras camadas da sociedade, acabamos sendo alvo de nossa própria incúria. O congresso (de criminologia), diria, atende, no presente, a uma situação especial por que nós passamos, porque, infelizmente, em nossas grandes cidades o crime organizado fez de todos nós reféns da apreensão e do medo. Eu participei da abertura oficial do evento no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e presidi uma mesa no Riocentro. Quando diretor da EMARF, já havia realizado um congresso envolvendo a violência (Violência Frente e Verso). Aquele congresso teve uma certa repercussão e o próprio Edmundo Oliveira (professor da Universidade Federal do Pará e membro da Fundação Internacional Penal e Penitenciária, criada pela Assembléia Geral da Onu, na Suíça), que participou do evento e é uma pessoa ligada à ONU, sabia dessa minha preocupação com a questão criminológica.

Como processualista, o Sr. acha que mudanças no Código Processual Penal poderiam influenciar positivamente no combate ao crime no Brasil, tornando o processo mais simples e a devida punição mais rápida?

Não acredito que só reformando leis você consiga a solução do problema. Nosso problema está localizado antes, nas condições sociais que contribuem para a prática da infração penal, e não propriamente no fato criminoso em si. Nós temos que investir em educação, na saúde, na habitação e em tudo que dá ao cidadão condições dignas de vida. Nós temos que prevenir antes de combater. E não temos tido realmente uma política de prevenção do crime eficaz. Fazer boas leis é fácil. Pode-se montar excelentes códigos penal e de processo penal. Mas depois que o indivíduo se torna um criminoso pouco lhe importa que existam as leis e tampouco ele teme as sanções. No Brasil, não se leva as leis e as noções de cidadania às crianças. Eu sempre digo que se deve ensinar às crianças, nas escolas, responsabilidade social e discutir com elas o que é tolerado ou não pela sociedade. O trânsito mata muito. Por que não ensinar à criança, na escola, a ser responsável no trânsito?

Na pedagogia praticada nos anos de governo militar, pelo menos, havia o estudo da Moral e Cívica e de OSPB. Com a volta da democracia, as matérias foram abolidas, como se elas simbolizassem a própria ditadura…

Porque foi a proposta de um regime que queria incutir a força à idéia de que deve-se amar o Brasil: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Era um programa de cunho político, que foi mal recebido pelo novo regime. Mas essas disciplinas, bem postas, principalmente agora que vivemos um estado de democracia plena, poderiam ser benéficas.

A impunidade, ou pelo menos a expectativa da impunidade, seria um fator que alimenta a criminalidade? Existe aquele axioma: a polícia prende, o juiz solta.

Não é que a polícia prenda e o juiz solte. Temos que ter consciência que nosso código penal erra por ser uma cópia dos códigos europeus: o que é crime lá é crime aqui. Para determinado crime a pena é de dois a seis anos, porque lá na Europa esse crime é punido assim. Só que lá o perfil do criminoso é um e aqui é outro. Nosso Código deveria ser reestruturado com o apoio de sociólogos, de humanistas, de psicólogos, para encontrar qual seria, do ponto de vista social, a pena adequada para cada fato. Tivemos na minha Turma (1ª Turma) o caso de um mineiro que trocou a foto de um passaporte para embarcar e trabalhar clandestinamente nos EUA. Nós o absolvemos. O crime existiu: foi o de falsificar documento público, mas será que a lei, quando disse isso, objetivava essa pessoa que partiu, por vias erradas, em busca de um emprego e melhores condições de vida? O juiz tem que ter sensibilidade para distinguir uma figura para a qual agora a jurisprudência começa a alertar, que é o desvio de conduta, que não chega a ser crime. Para a cadeia só deveriam ir as pessoas que representassem um perigo real para a sociedade, o criminoso de fato: o seqüestrador, o traficante…

No evento Violência Frente e Verso foi discutida a experiência de uma penitenciária, na região norte, que tem conseguido excelentes resultados na ressocialização dos apenados.

Fica em Roraima, onde há uma prisão voltada para a recuperação de adolescentes. E em Minas Gerais existe a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados. Na APAC os presos participam da administração das penitenciárias, são tratados como pessoas humanas, têm chance de trabalho. Eles são co-responsáveis pela sua recuperação e têm assistência espiritual, médica e psicológica, prestada por voluntários da comunidade. Além de freqüentarem cursos supletivos, de línguas e profissionais, evitando a ociosidade. Mas ainda são ações isoladas e incipientes. No Brasil fala-se muito e pouco se faz para solucionar os problemas.