“Prerrogativas dos magistrados são garantias da democracia”

7 de julho de 2020

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Entrevista com o novo presidente da Ajufe, Juiz Federal Eduardo André Brandão

Eleito em abril pela classe, o Juiz do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) Eduardo André Brandão de Brito Fernandes tomou posse em junho como Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), com mandato até 2022. O magistrado já presidiu a Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo (Ajuferjes) e participou como dirigente das últimas três gestões da Ajufe sob a presidência de Antônio César Bochenek, Roberto Veloso e Fernando Mendes.

Nessa entrevista, Eduardo André Brandão aponta como prioridade a recuperação da imagem da Justiça Federal diante dos recentes ataques desferidos por integrantes dos demais Poderes, bem como a recomposição da relação com o Congresso Nacional. O magistrado comenta ainda outras bandeiras de sua gestão, como a aprovação do Fundo de Custas da Justiça Federal (Fejufe/ Projeto de Lei nº 7.735/2017) e a realização de eleições diretas nos Tribunais Regionais Federais (TRFs). 

Revista Justiça & Cidadana – Quais são as propostas e desafios para essa nova gestão?
Eduardo André Brandão – A Justiça Federal tem sofrido muitos ataques no Legislativo, com repercussão na mídia, no sentido de limitar e inibir a independência judicial, sendo as alterações recentes na Lei de Abuso de Autoridade o maior exemplo desta postura. Nosso principal desafio é resgatar a imagem da Justiça Federal perante a sociedade, principalmente demonstrando que as prerrogativas dos magistrados não são privilégios, mas garantias para a nossa democracia. 

A questão remuneratória precisa ser resolvida de forma definitiva, pois a diferença entre a magistratura federal e as estaduais (incluídos os Ministérios Públicos) não para de aumentar e não faz nenhum sentido esta distinção de tratamento, que precisa ser exposta para a sociedade.

RJC – Quais são as prioridades estratégicas da Ajufe?
EAB – A solução da questão remuneratória é essencial, não podendo os juízes federais ficarem assistindo os estados aumentando a remuneração dos seus juízes e promotores por meio de verbas indenizatórias aprovadas em leis locais, enquanto a magistratura federal não tem tido sequer o cumprimento do direito garantido na Constituição Federal de revisão anual de subsídios. Essa imensa e injusta contradição tem de acabar, principalmente se considerarmos a situação financeira dos estados, comprovada no combate à epidemia da covid-19.

Precisamos também refazer a relação com o Congresso Nacional, que pela mudança muito significativa de 2018, precisa ter conhecimento da realidade da Justiça Federal e do trabalho que é desempenhado.

Outra prioridade é a aprovação do Fejufe, como exceção do teto de gastos instituído pela Emenda Constitucional (EC) nº 95. A destinação das custas judiciais para o Judiciário está prevista na EC nº 45/2003 e até hoje não foi cumprida para a Justiça Federal, dificultando cada vez mais a prestação jurisdicional com as novas limitações orçamentárias.

RJC – Qual é a importância do Fejufe para a recomposição do orçamento e estrutura da Justiça Federal?
EAB – Ao passar a receber as custas judiciais e poder gastar apenas na sua estrutura com a EC nº 45, a Justiça Estadual conseguiu alcançar um nível tranquilo para a prestação dos serviços. É impressionante que, ainda em 2020, a Justiça Federal não possa usar as custas judiciais que arrecada para a sua estrutura e melhor prestação jurisdicional. Precisamos acabar com esta injustiça, principalmente com as limitações orçamentárias que foram impostas após a EC nº 95, que estipulou o teto de gastos.

RJC – Qual legado o senhor recebe de seu antecessor no cargo para amparar as decisões cotidianas da gestão?
EAB – O meu exemplar colega Fernando Mendes deixa uma excelente interlocução com os presidentes e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), além de uma grande visibilidade da Ajufe na mídia. Conseguimos um espaço importante e mostramos a voz dos juízes federais, sendo essencial agora aproveitar esta realidade para que consigamos que a magistratura federal seja cada vez mais respeitada e reconhecida, em relação aos direitos e prerrogativas dos seus membros.

RJC – O senhor já presidiu a Ajuferjes e foi membro da diretoria nas últimas três gestões da Ajufe. Como essa bagagem o auxilia para este novo cargo?
EAB – A experiência associativa é muito enriquecedora. Nós juízes trabalhamos nos gabinetes com nossos servidores nos auxiliando na pressão do trabalho diário, mas podemos criar uma rotina, ao menos de horário. Na vida associativa, além da incrível responsabilidade de representar uma classe tão respeitada e de competência reconhecida, você precisa desenvolver poder de convencimento, saber se colocar em situações de desconforto e respeitar a imagem do juiz federal que a sociedade e os membros dos demais Poderes têm.

RJC – Outra proposta debatida durante as eleições da Ajufe foi a unicidade da magistratura com simetria real. Como isso deve funcionar?
EAB – Não pode ser mais aceito que os juízes e promotores estaduais recebam remunerações muito acima dos juízes federais. Os estados estão falidos e a crise da pandemia da covid-19 veio escancarar isso de vez, não podendo mais ser justificável a diferença de vencimentos que hoje existe. O teto salarial só pode existir se houver revisão anual dos subsídios. Este descumprimento seguido gerou soluções peculiares em cada estado, distorção que já se arrasta por anos e precisa ser enfrentada e superada. A magistratura federal não pode ter menos direitos remuneratórios que outras carreiras jurídicas, tanto estaduais quanto federais (Ministério Público Federal, Advocacia Geral da União, etc.). A sociedade não acredita que sejamos os mais mal remunerados, até por ser algo incoerente e inadmissível.

RJC – A implementação do juiz de garantias, previsto na Lei nº 13.964/2019, ainda divide opiniões entre os magistrados. Como a nova diretoria pretende solucionar essa questão para melhor regulação do instituto?
EAB – Tivemos juízes que defenderam e outros que criticaram. A Diretoria da Ajufe seguiu a posição defendida pela sua Comissão de Penal e Processo Penal, formada por especialistas na matéria, exatamente como faz em todos os projetos que digam respeito ao exercício da magistratura. O único lamento é o projeto ter passado como se fosse uma retaliação ao trabalho dos juízes, especialmente dos federais. Esta postura além de longe de ser verdadeira, traz instabilidade para a sociedade.   

RJC – Os assuntos políticos do País por vezes esbarram em competências da magistratura federal, requerendo o posicionamento da Ajufe. Como o senhor vê a necessidade de posicionamento da entidade nessas questões?
EAB – O Brasil precisa de estabilidade. O confronto passou a ser a tônica entre as instituições e até entre os Poderes. Nossa sociedade se polarizou muito nos últimos anos e, se por um lado é bom, por ser um embrião de uma nova consciência política de todos, precisamos manter o equilíbrio. A Ajufe só se posicionará em assuntos que envolvam ameaça ao Estado Democrático de Direito e a independência judicial.

RJC – Durante a campanha, foi debatida ainda a PEC nº 187/2012, que promove a democratização da participação dos juízes federais no Conselho da Justiça Federal (CJF). Quais os benefícios de uma maior participação nas decisões administrativas dos TRFs?
EAB – As eleições diretas para os TRFs trarão maior diálogo e transparência para juízes e desembargadores. Temos realidades distintas mesmo no primeiro grau de jurisdição e as prioridades da Justiça Federal precisam ser tratadas por todos.

RJC – A nova realidade imposta pela pandemia do novo coronavírus e o regime de home office na Justiça Federal têm aberto discussões sobre produtividade e integralidade de salários. Como a Ajufe tende a se posicionar nessa questão?
EAB – Os juízes federais, mais uma vez, demonstraram ao País seu compromisso e sua força de trabalho. Mesmo com todas as mudanças do home office, nossa produtividade não diminui e conseguimos atender a demanda, cabendo aqui enaltecer a opção pelo processo eletrônico que nos permitiu ter poucas adaptações durante este período de pandemia.

 RJC – Quanto à ampliação da segunda instância da Justiça Federal, será necessário criar novos tribunais e aumentar o número de desembargadores naqueles já existentes?
EAB – Sem dúvidas. O volume de trabalho da Justiça Federal aumentou demais nos últimos anos e as estatísticas provam isso. Para um serviço de qualidade é necessário o aumento do número de desembargadores. Se fizermos uma comparação com a quantidade de desembargadores da Justiça do Trabalho, que também é da União, perceberemos a imensa diferença e a dificuldade na prestação jurisdicional.

RJC – A Ajufe tem ações no STF contra alguns pontos da reforma da Previdência. Como está o andamento?
EAB – A reforma da Previdência veio ampliar o abismo que nos separa da Justiça Estadual com um aumento de alíquotas de contribuição previdenciária que representa confisco se somadas aos descontos de Imposto de Renda. Agora, ganhamos menos e pagamos mais contribuição previdenciária. É uma desvalorização da carreira que lamentamos muito. O STF indeferiu a liminar da nossa Ação Direta de Inconstitucionalidade contra as novas alíquotas, mas esperamos que o Plenário reconheça o confisco, até pelo fato da ação estar baseada na própria jurisprudência da Corte.

RJC – No próximo mês de setembro, o STF e o STJ terão mudanças em suas presidências. Como será a interlocução com os presidentes desses dois importantes tribunais superiores?
EAB – Acredito que será excelente. Tanto o Ministro Luiz Fux quanto o Ministro Humberto Martins valorizam demais a nossa carreira e sabem da necessidade de um tratamento igualitário entre as magistraturas. São sensíveis ao momento delicado que vivemos.  

RJC – Quais são as pautas prioritárias da Ajufe no Conselho Nacional de Justiça (CNJ)?
EAB – A simetria com o Ministério Público e as demais magistraturas, não sendo justificável diversidade de tratamento, além de defender a independência judicial e a tranquilidade para que os juízes trabalhem. São muitos os ataques, na maioria das vezes sem nenhum sentido, que chegam ao CNJ e acabam tentando limitar nossa liberdade de decidir. O CNJ tem sido muito atento e valorizado os juízes, mas nosso trabalho é sempre o de defender a magistratura federal.

 RJC – Como será a atuação da Ajufe na discussão dos temas importantes para a Justiça Federal e para os Juízes Federais no CJF?
EAB – A Ajufe tem auxiliado o CJF trazendo a realidade e o anseio dos juízes e desembargadores federais, sempre com o objetivo de melhorar nossa estrutura e ter o reconhecimento dos nossos direitos. Precisaremos de uma grande mobilização dos juízes federais para que possamos sempre demonstrar com transparência a vontade da Justiça Federal para o Conselho da Justiça Federal.