As políticas de compliance como critérios de desempate nas licitações das empresas de transporte

6 de outubro de 2014

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Rogeria-GieremekEntrou em vigor, em 29 de janeiro de 2014, a Lei Federal no 12.846, conhecida como Lei Anticorrupção. Essa lei foi promulgada em razão da Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da qual o Brasil é signatário. A lei brasileira ainda será regulamentada em âmbito federal. A nova norma permite a punição, na esfera civil e administrativa, dos atos de corrupção, estabelecendo a responsabilidade objetiva, ou seja, sem a necessidade de comprovar-se o dolo do agente, ou, em outras palavras, a sua vontade de praticar aquele ato, tratando da punição de empresas por corrupção praticada relativamente a funcionários públicos, nacionais ou estrangeiros, oferecimento de vantagem indevida a agente público, e fraude a licitações e contratos. Vale destacar que a nova lei não exclui a responsabilidade individual dos dirigentes ou administradores da empresa ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ilícito, na medida de sua culpabilidade.

Embora não use a palavra compliance, todos os dispositivos da lei tocam, em alguma maneira, nos programas de compliance essenciais para a efetividade dessa lei, notadamente no sistema de transporte terrestre urbano, cujas atividades resultam de concessões outorgadas pelo poder público e, portanto, decorrentes de licitações públicas. Assim, é fundamental que as empresas que prestam esses serviços mantenham os seus programas de compliance sempre atualizados e desenvolvam comportamento favorável à “ética nos negócios. Excelente notícia seria a constatação, na prática, dos rumores que indicam que a existência de sólidos programas de compliance será considerada para o desempate de propostas dessas empresas em licitações públicas. Essa seria uma ótima forma de incentivar as empresas que ainda não levam essa questão tão a sério a passar a fazê-lo.

É que a lei engloba todo o processo que envolve a corrupção e visa à punição de empresas privadas que pratiquem ações corruptoras. Antes, o Brasil só punia os indivíduos que recebiam/ofereciam as propinas e não as empresas por eles representadas. Esta é a grande novidade trazida pela Lei no 12.846/2013: as penalidades para a empresa infratora abrangem multas que vão de 0,1% a 20% de seu faturamento anual bruto, deduzidos apenas os impostos (ou, se não for possível tal apuração, multas, de R$ 6.000,00 até R$ 60.000.000,00), em valor nunca inferior ao do prejuízo causado ao Estado pela conduta danosa; restituição integral dos benefícios obtidos ilegalmente; perda de bens, direitos ou outros valores obtidos como resultado da infração; suspensão ou interdição parcial das atividades e dissolução compulsória.

A lei brasileira, a exemplo de outras estrangeiras, também tem abrangência extraterritorial, aplicando-se às sociedades estrangeiras com sede, filial ou representação no Brasil, bem como aos seus agentes, empregados ou órgãos que as representem. Para a aplicação das penalidades administrativas e civis contidas na Lei Anticorrupção, será considerada, entre outros fatores, a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, como, por exemplo, um programa de compliance, ou a existência de uma área de controles internos, a aplicação efetiva de Códigos de Ética e de Conduta etc. (art. 7o, inciso VIII).

De fato, a corrupção não afeta somente os governos e as entidades públicas, mas os cidadãos e as entidades privadas, na medida em que desvirtua a concorrência e os mecanismos de livre mercado, encarece produtos e serviços, afetando, portanto, o desenvolvimento econômico e político dos países. Assim, com o efetivo combate à corrupção, há melhora na concorrência e na imagem do País, interna e externamente. Ademais, a corrupção desacredita as instituições e afasta investidores sérios, podendo causar danos à reputação, à imagem, à saúde financeira da empresa, além de prejudicar as próprias companhias que trabalham dentro da lei e buscam competição leal e transparente.

A implementação efetiva de programas de compliance nas empresas certamente ajudará a evitar que a empresa tenha envolvimento com tais práticas, ao estimular a observância de políticas internas e da legislação aplicável, como a Lei Anticorrupção.

Os principais objetivos de um programa de compliance devem ser: prevenir danos à imagem e à reputação da empresa; reduzir o número de ações judiciais e processos administrativos; auxiliar na minimização de riscos e perdas financeiras; e agregar valor à empresa, pois a ética nos negócios é um diferencial para os acionistas e os empregados. Com isso, garante-se a perenidade do negócio, pois a falta de controles contra a corrupção pode gerar incidentes que afeeam a sua sustentabilidade.

Já os componentes de um programa de compliance são o mapeamento de riscos; a elaboração de regras claras, como política anticorrupção e/ou código de conduta; a identificação e o tratamento de questões de compliance,; o estabelecimento de controles internos; o treinamento constante de empregados e terceiros; a realização de auditoria, interna e/ou externa, para testar a efetividade dos controles; o monitoramento permanente dos controles de compliance; o “tone at the top”, essencial para que o programa de compliance seja efetivo; um canal de denúncias que permita o anonimato e, por fim, a independência e autonomia da área de compliance, para que esta consiga implementar o programa de forma efetiva.

Com estrutura autônoma, a área de compliance pode estabelecer normas e regras a serem seguidas por todos os colaboradores, além de ser responsável pela avaliação e pela fiscalização de possíveis acordos ou convênios a serem firmados pela empresa. Garante, dessa forma, algo que a partir de agora será obrigação de todas as empresas: assegurar a conformidade de sua atuação e da de seus empregados, com a legislação em geral.

As sanções estabelecidas pela Lei Anticorrupção, por si só, justificam a aplicação efetiva e imediata de programas de compliance. Mas, não se pode perder de vista que a medida alimenta também um ciclo virtuoso, mencionado anteriormente, ao melhorar a concorrência leal entre as empresas. Os processos de compliance adicionam valor à marca de qualquer empresa, já que a ética nos negócios é um diferencial de mercado e proporciona segurança a todos. E podem nos ajudar a obter um mundo melhor para criar nossos filhos e netos!