Edição 297
Os direitos de imagem e de arena na esfera desportiva: breve análise da evolução legislativa e jurisprudencial
2 de maio de 2025
Ana Paula Pellegrina Lockmann Presidenta do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região

O
s direitos de imagem e de arena, insertos no contexto mais amplo dos direitos da personalidade, representam prerrogativas inerentes à condição humana, de natureza pessoal e extrapatrimonial. Tais direitos, compreendidos como atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em suas projeções sociais, são absolutos, indisponíveis, intransmissíveis e irrenunciáveis. A Constituição Federal de 1988, elevando a dignidade da pessoa humana a fundamento da República, e o Código Civil de 2002, dedicando um capítulo aos direitos da personalidade, corroboram a centralidade desses direitos no ordenamento jurídico pátrio.
O direito à imagem assegura a proteção contra a divulgação ou exploração comercial não autorizada da imagem de uma pessoa. Alçado à categoria de direito fundamental pela Carta Magna, nos incisos V e X do seu artigo 5o, garante o direito à indenização por danos materiais, morais ou à imagem. A proteção à imagem possui aspecto moral, visando impedir sua divulgação indesejada, e aspecto patrimonial, consubstanciado na possibilidade de exploração econômica mediante cessão contratual. No âmbito desportivo, a cessão do uso da imagem de atletas para fins comerciais é prática comum.
A Lei no 9.615/98 (Lei Pelé), em sua redação original, não tratava especificamente do contrato de cessão do uso de imagem, sendo esta possibilidade amparada pela Constituição e pelo Código Civil. A Lei no 12.395/2011 introduziu o artigo 87-A na Lei Pelé, explicitando que o direito ao uso da imagem do atleta pode ser cedido ou explorado por meio de contrato civil, com direitos e deveres distintos do contrato de trabalho desportivo.
Um problema recorrente reside na prática de clubes pagarem valores desproporcionalmente altos a título de direito de imagem para atletas de baixa visibilidade, buscando burlar a legislação trabalhista e evitar encargos. Para coibir tais fraudes, a Lei no 13.155/2015 (Lei do Profut) acrescentou um parágrafo único ao artigo 87-A da Lei Pelé, limitando o valor do direito de imagem a 40% da remuneração total do atleta (salário mais direito de imagem).
A Nova Lei Geral do Desporto (Lei no 14.597/2023), em seu artigo 164, elevou este limite para 50% da remuneração total e explicitou a necessidade de efetivo uso comercial da imagem para combater simulações e fraudes. A nova lei também estendeu o direito de imagem aos membros das comissões técnicas, diferentemente do artigo 87-A da Lei Pelé, que se restringia aos atletas profissionais.
A jurisprudência tem-se debruçado sobre casos de fraude no contrato de direito de imagem, especialmente quando o valor pago a este título é muito superior ao salário e não há efetiva exploração da imagem do atleta.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem entendido que, comprovado o desvirtuamento do contrato civil, os valores pagos como direito de imagem podem ter sua natureza salarial reconhecida, aplicando o princípio da primazia da realidade. Casos, por exemplo, em que o direito de imagem correspondia a 100% do salário foram considerados nulos, com atribuição de natureza salarial à parcela.
O direito de arena, instituto específico do desporto e derivado do direito de imagem, consiste em uma parcela da receita oriunda da divulgação da imagem do atleta durante a transmissão de eventos desportivos.
A redação original do artigo 42 da Lei Pelé previa um mínimo de 20% a ser distribuído entre os atletas participantes, e houve vários julgados do TST entendendo pela sua natureza salarial. A Lei no 12.395/2011 alterou esse percentual para 5% e estabeleceu a natureza civil dessa parcela. A Lei no 14.205/2021 introduziu o artigo 42-A na Lei Pelé, explicitando que o direito de arena é devido a todos os atletas escalados para a partida, incluindo os reservas.
A Nova Lei Geral do Esporte (Lei no 14.597/2023), em seu artigo 160, manteve o percentual de 5% da receita da exploração dos direitos de difusão de imagens a serem repassados aos atletas profissionais, proporcionalmente ao número de partidas disputadas, como parcela indenizatória de natureza civil.
Nesses casos, a mais alta Corte Trabalhista firmou o entendimento de que, para contratos vigentes antes da Lei no 12.395/2011, o direito de arena possuía natureza salarial e percentual mínimo de 20%, sendo inválida sua redução. Em contratos que abrangeram ambos os períodos, reconheceu-se o direito adquirido ao percentual de 20% e à natureza salarial.
Após a Lei no 12.395/2011, a jurisprudência do TST sobre a natureza jurídica do direito de arena não é unânime. Algumas Turmas entendem que, apesar da previsão legal de natureza civil, a verba mantém sua natureza remuneratória e se incorpora ao salário do atleta, enquanto outras consideram que a lei conferiu expressamente natureza civil à parcela, desvinculando-a da remuneração.
O STJ, por sua vez, já chegou a decidir que árbitros e assistentes de arbitragem não possuem direito de arena, pois o objetivo da transmissão é a exploração da imagem dos atletas e do jogo, não dos árbitros. Uma tentativa de estender o direito de arena aos árbitros por meio da Lei do Profut foi vetada.
Outra controvérsia jurisprudencial diz respeito à base de cálculo do direito de arena. Há corrente no sentido de que a base de cálculo se restringe aos valores dos contratos de transmissão do espetáculo esportivo, excluindo receitas de marketing e publicidade. Em contrapartida, outra vertente defende que a base de cálculo deve abranger toda a receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais, incluindo valores de marketing e propaganda, em consonância com a proteção constitucional à participação nas atividades desportivas.
A matéria dos direitos de imagem e de arena no desporto tem experimentado significativa evolução legislativa, com o objetivo de regulamentar as relações e coibir fraudes. Contudo, algumas questões ainda demandam amadurecimento jurisprudencial, sendo essenciais reflexões acadêmicas e jurisdicionais para a consolidação de um panorama de estabilidade e segurança jurídica.