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O verdadeiro sentido do princípio da isonomia e a necessidade de proteção processual especial nas relações de consumo

19 de abril de 2013

Professor de Direito Processual da UERJ e Universidade Cândido Mendes

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1. A efetividade da tutela jurisdicional

A outorga da tutela jurisdicional exige o respeito a determinados princípios fundamentais do Direito Processual Civil, muitos deles alçados à categoria constitucional.

Partindo-se desses princípios, divisa-se uma tutela constitucional do processo, cujo significado e escopo são os de assegurar a conformação dos institutos processuais aos postulados que advêm da Constituição Federal.
Sendo, pois, a função dos juízes, a de afirmar a vontade abstrata da lei, tornando-a realidade no caso concreto, ressalta CHIOVENDA, sobre a natureza e finalidade da função jurisdicional, que “parece-nos que o que é característica da função jurisdicional seja a substituição por uma atividade pública de uma atividade privada de outrem. Essa substituição tem lugar de dois modos, referentes a dois estágios do processo, a cognição e a execução” (Principi di diritto processuale civile, §2º , reimp. Padova, 1965, p. 296).

A doutrina de CHIOVENDA está permeada de méritos que serviram, e ainda servem, como proposições fundamentais da ciência processual. Contudo, a crítica mais séria que se poderá fazer a essa doutrina, sem que isto a desmereça, evidentemente, está em que o grande processualista italiano, sob a influência das ideias jurídico-filosóficas predominantes no século XIX, concebia como funções separadas a de legislar e a de aplicar a lei ao caso concreto. Assenta-se, pois, seu pensamento, na postulação de que o ordenamento jurídico estatal é um dado prévio, uma situação existente completa e imutável, que se coloca pela norma jurídica para o magistrado, restando a ele a exclusiva tarefa de aplicá-la ao caso concreto.

As modernas correntes de filosofia do direito, contudo, procuram mostrar que a atividade de aplicação da lei pelo juiz implica, de certo modo, também uma função criadora de direito, na medida em que o preceito legal abstrato como ele é, em sua formulação genérica, não passa de um projeto de norma reguladora de conduta, projeto que o julgador deve completar na sentença, de modo a concretizá-lo no caso particular submetido a seu julgamento.

Por outro lado, absolutamente de nada adianta a prestação da jurisdição, como atuação concreta da lei por intermédio do órgão do Poder Judiciário competente, se essa atividade carecer de efetividade, ou seja, se for inócua para aquele que é o titular do direito material invocado.

Essa preocupação já era manifestada por CHIOVENDA, ao asseverar que “o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter” (Dell’azione nascente dal contratto preliminare. Rivista del diritto commerciale, v. 9, p. 1).

Nessa perspectiva, foi abandonada pela ciência atual processual a ideia de que a simples prestação jurisdicional, consubstanciada em uma sentença de mérito, seria suficiente para caracterizar a outorga da tutela almejada pela parte. Com efeito, deve-se agregar a esse conceito as noções de utilidade e efetividade como elementos essenciais dessa tutela.

Assim, a exata noção de tutela jurisdicional, como sendo o pronunciamento judicial emanado da autoridade competente, a favor de quem esteja amparado no plano do direito material, somente se completa e se exaure quando possa ser útil e efetiva, assegurando-se a sua existência e o seu exercício no plano concreto.

Portanto, a noção de tutela jurisdicional deve encontrar atuação nos fatos, proporcionando a passagem do abstrato para o concreto, do dever ser para o ser.

Por esse motivo, deve-se compreender no conceito de tutela jurisdicional, não apenas o resultado declaratório do processo, mas igualmente os meios ordenados e predispostos à obtenção desse mesmo resultado almejado, devendo ser consideradas, neste aspecto, as chamadas tutelas diferenciadas.

A regra contida no §5º do artigo 461 do Código de Processo Civil é bastante expressiva neste aspecto e estabelece, para a prestação da tutela específica, concer­nente ao resultado prático almejado, uma série de medidas de suporte, algumas delas atuando indiretamente e outras proporcionando diretamente o bem da vida postulado pelo demandante.

Impende dizer, diante disso, que a tutela jurisdicional não é apenas o pronunciamento judicial dado em favor daquele que afirma ser titular de um direito subjetivo, mas também um pronunciamento que seja efetivo e útil, sob pena ser frustrada a pretensão daquele que, em face da violação de seu direito, busca guarida e proteção junto ao Poder Judiciário.

Diante disso, é inexorável a conclusão no sentido de que a eficiência da justiça civil, como valor a ser defendido e preservado, encontra amparo no princípio constitucional da efetividade da tutela jurisdicional e constitui elemento essencial do Estado Democrático de Direito.

Além disso, o processo, como instrumento de realização do direito material e dos valores sociais mais importantes, deve proporcionar esse resultado com rapidez, sob pena de tornar-se inútil e de perecer com o tempo.

Daí decorre a ideia de efetividade como garantia fundamental do processo, a ser extraída dos princípios constitucionais que alicerçam os fundamentos do sistema processual brasileiro. Não basta assegurar, portanto, a existência de mecanismo adequado à solução de controvérsias, se as pessoas não tiverem efetivo acesso a ele e, ainda, em tempo hábil.

Em razão disso, a inafastabilidade do processo ou do controle jurisdicional não deve representar apenas uma garantia formal de exercício do direito de ação, absolutamente o contrário é que deve ocorrer, no sentido de que sejam oferecidas e deferidas as condições reais para a utilização desse instrumento, sempre que necessário.

Absolutamente de nada adianta assegurar-se o contraditório, a ampla defesa, o juiz natural e a imparcialidade, se a garantia de acesso ao processo não for efetiva, ou seja, não possibilitar realmente a todos a utilização dos meios suficientes para superar eventuais óbices existentes ao pleno exercício dos direitos postos em juízo.

Do mesmo modo, também de nada adianta possibilitar o acesso ao Poder Judiciário daqueles considerados hipossuficientes, se estes não tiverem condições plenas para o exercício da postulação ou da defesa em juízo, por carecerem, por exemplo, de recursos financeiros suficientes para sustentar a questão levada a juízo.

Evidentemente, a efetividade da tutela jurisdicional pressupõe, conforme será observado mais adiante, um tratamento igualitário entre as partes que estão litigando, em consonância com o princípio constitucional da isonomia (CF, artigo 5º, caput).

Entretanto, tratamento igualitário não significa, necessariamente, tratamento idêntico, até porque, em determinados casos, uma das partes apresenta-se em posição muito mais vantajosa do que a outra, como ocorre, por exemplo, nas relações de consumo, motivo pelo qual é necessária uma intervenção legal ou judicial, a fim de que essa igualdade seja estabelecida ou mantida.

Ressalta-se, desta forma, que isonomia não significa colocar em confronto as partes litigantes, de forma direta, pura e simplesmente, até porque cada uma delas possui uma realidade diferente da outra, particularmente quando há evidente desequilíbrio econômico entre elas, de modo que reduzi-las à mesma condição processual significaria, na verdade, colocar um dos litigantes em posição de extrema vantagem em relação ao outro.

Por esse motivo, as normas jurídicas de direito material e processual possuem uma ratio legis voltada para a tutela de interesses sociais, conferindo ao Poder Judiciário mecanismos que restabeleçam o equilíbrio processual, levando em consideração, dentre outros, o princípio da proporcionalidade.

Ou seja, o direito de agir em juízo, assegurado em sede constitucional, não se exaure em si mesmo, devendo ser examinado em função da tutela pretendida, que deve ser efetiva, real, útil. O que interessa para o destinatário da prestação jurisdicional é a possibilidade concreta de obter proteção ao direito substancial afirmado, e não, ao contrário, ser indenizado em razão das lesões sofridas, particularmente quando essas lesões são pulverizadas em função do grande número de pessoas atingidas, como, por exemplo, os consumidores, destinatários finais que são de produtos ou serviços, hipótese em que até a pretensão de ressarcimento é, muitas vezes, impossível, na medida em que é praticamente inviável a identificação de cada uma das pessoas que tenha sofrido prejuízo, bem como a aferição da extensão desse prejuízo.

Essa visão da garantia constitucional da ação leva à conclusão de que o Estado deve colocar à disposição das pessoas os meios adequados para a concreta e integral satisfação dos direitos. É necessário proporcionar acesso à tutela jurisdicional efetiva.

2. As diferentes espécies de tutela jurisdicional

Diferentes critérios são utilizados para a classificação dos tipos de tutela jurisdicional, ora considerando apenas a eficácia processual do provimento, ora considerando aspectos relevantes sob a ótica do direito material.

A classificação tradicional, ou clássica, como a ela se referem os processualistas, é composta das tutelas de conhecimento, executiva e cautelar. Na tutela de conhecimento divisam-se as tutelas declaratória, constitutiva e condenatória.

Ao lado dessas chamadas tutelas “tradicionais”, a doutrina reconhece, cada vez com maior intensidade, a existência das tutelas denominadas de executiva em sentido lato e mandamental.

A tutela executiva em sentido lato, reconhecida pelo nosso sistema processual, determina a satisfação imediata do provimento jurisdicional independente da instauração de novo processo ou do incidente de cumprimento. A referida identificação ocorre a partir da autorização legal para que a ordem se cumpra por mandado, isto é, por ordem do juiz, v. g., nos casos de despejo, reintegração de posse, ação de depósito.

Quanto ao provimento mandamental, ele tem sido identificado na regra do artigo 461 do Código de Processo Civil, e reside no aspecto de que o juiz, em vez de condenar, emitiria uma ordem, cuja inobservância daria ensejo às práticas de sanções tendentes a compelir o devedor ao adimplemento da sua obrigação de fazer, de abster-se de fazer ou, ainda, de entregar alguma coisa.

A tutela cautelar, por seu turno, tem por objetivo garantir a subsistência de um determinado bem ou direito. Tem por objetivo garantir o objeto do processo de conhecimento em curso ou a ser oportunamente instaurado, enquanto as partes litigantes debatem sobre qual delas é a efetiva titular desse bem.

A controvérsia somente foi resolvida com a inserção do instituto da antecipação de tutela no Código de Processo Civil, decorrente da reforma realizada pela Lei n. 8.952/94.

Até a edição dessa norma, as ações cautelares eram utilizadas indiscriminadamente, não apenas para garantir o resultado útil da demanda principal já aforada ou em vias de sê-lo (cautelar incidente ou cautelar preparatória), mas também como meio de satisfação do resultado prático, que somente seria alcançado com a tutela definitiva, via de regra transitada em julgado, daí surgindo a controvertida questão das ações cautelares de natureza satisfativa. A antecipação de tutela veio resolver essa questão, propiciando o adiantamento dos efeitos práticos da sentença que, anteriormente, somente poderiam ser deferidos após a verificação da formação da coisa julgada material.

O instituto da antecipação de tutela, previsto no Código de Processo Civil em seus artigos 273 e 461, possui origens que remontam à Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965 – Lei da Ação Popular – e na Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985 – Lei da Ação Civil Pública – e possui nítida influência da Lei n. 8.978, de 11 de setembro de 1990 – Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Essa tutela diferenciada pode ser deferida, quer em razão da urgência na obtenção do resultado prático postulado pela parte, e que somente seria alcançado na sentença; quer em função da evidência ou incontrovérsia do direito; quer em função do abuso do exercício do direito de defesa da parte contrária, e destina-se à própria satisfação total ou parcial da pretensão deduzida em juízo, no plano do direito material.

Ademais, conforme foi observado, mesmo que não houvesse expressa previsão legal no sentido de ser possível a concessão de tutela provisória, quer no âmbito cautelar, quer no âmbito da antecipação de tutela, ainda assim poder-se-ia cogitar a outorga de provimento jurisdicional equivalente, em função das regras pertinentes à inafastabilidade do poder judiciário quanto à apreciação de lesão ou ameaça de direito (CF, artigo 5º, inciso XXXV) e à garantia do exercício constitucional de petição, nele incluído o exercício do direito de ação (CF, artigo 5º, inciso XXXIV, letra “a”), invocando-se, inclusive, os princípios constitucionais da isonomia, assim entendido como o de paridade de armas para que haja igualdade processual e, ainda, o princípio da proporcionalidade, na medida em que não seria razoável sacrificar o direito daquele que tem razão, apenas e tão somente para se prestigiar o formalismo processual.

A garantia constitucional do direito de ação, portanto, não está limitada às tutelas definitivas e satisfativas. A tutela cautelar e as chamadas tutelas diferenciadas, merecendo destaque a antecipação de tutela, estão incluídas no âmbito de proteção que a Constituição Federal defere ao direito de ação que, em última análise, é direito de acesso às garantias do devido processo legal ou devido processo constitucional.

Evidentemente que a efetividade da tutela jurisdicional, como garantia constitucional de todas as pessoas, impõe a admissibilidade da tutela cautelar e da tutela antecipada também contra a Administração Pública, naquelas situações em que haja risco de dano irreparável ao direito pleiteado. Não fosse assim, sucumbiria o particular diante do Poder Público, ainda que, ao final, seu direito viesse a ser reconhecido.

3. Os princípios da isonomia e da proporcionalidade da tutela jurisdicional

As discussões travadas em torno do princípio da isonomia têm ocupado lugar de destaque entre os filósofos do direito, os processualistas, os constitucionalistas, enfim, entre os juristas que se preocupam não apenas com o direito no seu aspecto formal, mas também e principalmente com seu aspecto de Justiça.

Durante muito tempo foi corrente a acepção ditada por ARISTÓTELES de que isonomia seria tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, com a qual, de modo geral, concordavam os juristas sem, contudo, se aperceberem que haviam apenas transferido para outro patamar o grau da discussão, sem resolver a questão de se saber, efetivamente, o que seria isonomia.

Isto porque é necessário identificar as pessoas que seriam consideradas iguais, daquelas que seriam consideradas desiguais para, a partir daí, outorgar-lhes tratamento diferente.

Ademais, tanto aqueles que estariam encartados numa posição de igualdade, como aqueles encartados numa posição de desigualdade, possuiriam entre si peculiaridades que os tornariam diferentes uns dos outros, motivo pelo qual é pragmaticamente impossível dar-lhes um tratamento igualitário ou diferenciado, sem que, adotando uma ou outra posição, houvesse o risco de se causar prejuízos a uns ou a outros decorrentes de uma injusta discriminação.

Enfim, quem são os iguais e quem são os desiguais?

Uma solução para essa questão é encontrada na Constituição Federal vigente, observada em Cartas anteriores, que determina: “todos são iguais perante a lei (…)”, locução a respeito da qual já havia se manifestado com aguda percepção FRANCISCO CAMPOS, no sentido de que “malgrado a infelicidade da redação, tem como principal destinatário o legislador, pois de nada adiantaria uma aplicação igual do direito a pessoas, coisas ou fatos que vieram arbitrariamente desequilibrados na lei – sem dúvida o mandamento constitucional tornar-se-ia inócuo” (Direito Constitucional, p. 16. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956).

Prossegue o eminente jurista dizendo que “assim, não poderá subsistir qualquer dúvida quanto ao destinatário da cláusula constitucional da igualdade perante a lei. O seu destinatário é, precisamente, o legislador e, em conseqüência, a legislação; por mais discricionários que possam ser os critérios da política legislativa, encontra no princípio da igualdade a primeira e mais fundamental de suas limitações” (op. cit. supra, v. II, p. 30).

Pondera HANS KELSEN, a respeito da questão da isonomia, que “a igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção entre eles, como, por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres” (Teoria pura do direito, p. 190. Coimbra: Armênio Amadado, 1992).

Acrescenta CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO que “o princípio da igualdade interdita trata­mento desuniforme às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, o propósito da lei, sua função precípua, reside exata e precisamente em dispensar tratamentos desiguais. Isto é, as normas legais nada mais fazem que discriminar situações à moda que as pessoas compreendidas em uma ou outras vêm a ser colhidas por regimes diferentes. Donde, a algumas são deferidos determinados direitos e obrigações que não assistem a outras, por abrigadas em diversa categoria, regulada por diferente plexo de obrigações e direitos. Exemplificando, cabe observar que às sociedades comerciais guardam, por lei, prerrogativas e deveres diferentes dos que pertinem às sociedades civis; aos maiores é dispensado tratamento inequiparável àquele outorgado aos menores; aos advogados se deferem certos direitos e encargos distintos dos que calham aos economistas ou aos médicos, também diferenciados entre si no que concerne às respectivas faculdades e deveres” (Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, pp. 12 e 13, 3a ed. 5a triagem. São Paulo: Malheiros, 1998).

Conclui-se, diante disso, que somente a lei pode apresentar elementos válidos de discriminação entre as pessoas, reciprocamente consideradas, bem como em relação às coisas e aos fatos juridicamente relevantes.

Deve-se, entretanto, observar, que o princípio da isonomia deve ser considerado não apenas pelo legislador, no momento da elaboração da norma jurídica, mas também e principalmente pelo Poder Judiciário, que tem a função fundamental de interpretar a norma jurídica e aplicá-la, de acordo com a finalidade social a que se destina.

É preciso, ainda, considerar que o legislador, ao editar uma lei reguladora de condutas humanas, o faz sempre em atenção a uma finalidade específica, mesmo que esta não esteja previamente fixada na Constituição, porém nunca contrária a ela. O fim pretendido pela lei tem de ser obtido por um processo de interpretação no momento em que ela é questionada e aplicada.

Sob esse enfoque, o problema da igualdade na lei é solucionado pelo princípio da proporcionalidade que, segundo SUZANA DE TOLEDO BARROS “foi cunhado como forma de limitação do poder de polícia, no âmbito administrativo, para coibir medidas excessivamente gravosas aos direitos dos cidadãos (…). Tem por conteúdo os subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Entendido como parâmetro a balizar a conduta do legislador quando estejam em causa limitações a direitos fundamentais, a adequação traduz a exigência de que os meios adotados sejam apropriados à consecução dos objetivos pretendidos; o pressuposto da necessidade é que a medida restritiva seja indispensável à conservação do próprio ou de outro direito fundamental e que não possa ser substituída por outra igualmente eficaz, mas menos gravosa; pela proporcionalidade em sentido estrito, pondera-se a carga de restrição em função dos resultados, de maneira a garantir-se uma equânime distribuição de ônus” (O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, p. 210, 1ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1996. Destaques do original).

Diante do princípio da proporcionalidade, extraído da Constituição Federal dos artigos 1º, inciso III; 5º, caput, e incisos II, XXXV e LIV, e seus §§1º e 2º; e 60, §4º, inciso IV, correlato dos princípios da isonomia e da reserva legal; para a verificação do respeito de uma lei ou decisão judicial ao postulado da isonomia, estas devem ser analisadas nos seus aspectos intrínsecos, em consonância com a mens legis.

Desta forma, são passíveis de reavaliação as valorações efetuadas pela lei, analisadas em consonância com a Constituição Federal, sendo que esta conclusão não autoriza uma outra, qual seja, a de que o juiz possa substituir os valores legais pelos seus próprios valores.

Com efeito, constata-se o respeito, ou não, aos princípios da isonomia e da proporcionalidade, quando se analisa a decisão judicial confrontando-a com os aspectos fáticos da causa e com a qualificação jurídica que lhes foi dada, em outras palavras, se foi correto o procedimento de subsunção dos fatos à norma jurídica aplicável, ou que deveria ser aplicada ao caso concreto.

Havendo conflito aparente de normas, na medida em que é extremamente raro o conflito real (antinomia de segundo grau), é preciso definir qual delas deve prevalecer para ser aplicada ao caso concreto, sendo que essa definição será obtida mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da isonomia.

Este procedimento é imprescindível em relação àquelas hipóteses em que dois interesses juridicamente tutelados, mas conflitantes entre si, são colocados um diante do outro, sendo que apenas um deles poderá ser prestigiado pelo Poder Judiciário, circunstância que implicará, evidentemente, no sacrifício do outro interesse.

Importa saber, neste caso, qual interesse deve prevalecer em detrimento do outro, que acabará sendo desprestigiado e, para tanto, não é admissível dar ao caso uma solução aleatória ou, pior ainda, uma solução que acabe protegendo o interesse que não deveria sê-lo.

4. A necessária proteção processual especial do consumidor

O Código de Processo Civil, para refletir o princípio constitucional da isonomia e, ainda, prestar-se efetivamente à sua finalidade, qual seja a de ser instrumento efetivo e eficaz para a prestação da tutela jurisdicional, teve que sofrer uma série de modificações e, a despeito disso, foi necessário editar uma série de normas para amparar direitos que não teriam condições de ser satisfatoriamente garantidos, caso fossem utilizadas, única e exclusivamente, as regras originariamente contidas nesse diploma, marcadamente individualista.

Com efeito, o Código de Processo Civil veda expressa­mente o ingresso em juízo por aqueles que não tenham legitimidade ou interesse para litigar, segundo a dicção de seus artigos 3º e 6º. Em outras palavras, se não houver uma correspondência entre o direito material invocado e aqueles que o invocam em juízo e, ainda, se a tutela almejada (entenda-se ação utilizada) não for adequada para a finalidade postulada, a consequência jurídica será a extinção da demanda sem a apreciação do mérito.

Esse dispositivo, reflexo da feição estritamente individualista do nosso sistema processual de 1973, deixou desamparada a tutela daqueles direitos chamados de metaindividuais, posto que de interesse geral, mas que, muitas vezes, ficavam sem a necessária proteção judicial, por não se saber quem teria legitimidade para defendê-los em juízo, ou mesmo sendo identificados os titulares do direito subjetivo, legitimados para propor a demanda, estes não teriam condições de postular a defesa dos seus direitos, porque o processo civil não comportaria a participação de grandes quantidades de sujeitos em um ou ambos os pólos da demanda ou, ainda, porque o valor econômico do bem da vida discutido desautoriza o ingresso em juízo individualmente.

Este último aspecto acaba sendo de extrema relevância porque, muitas vezes, os detentores do poder econômico, como regra, acabam abusando dos seus direitos, na certeza de que as pessoas atingidas absolutamente nada farão, em função do diminuto valor do prejuízo. Entretanto, somados esses valores, aferidos em relação a milhares ou milhões de pessoas, atingir-se-ão cifras espantosas, revertidas em proveito de uns poucos, em detrimento de uma imensa maioria.

Com a finalidade de suprir a lacuna do sistema, pertinente à defesa dos interesses difusos, coletivos e mesmo dos individuais homogêneos, foi editada a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, denominada de Lei da Ação Civil Pública, com o objetivo de disciplinar a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico, assim como a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, merecendo destaque a defesa da ordem econômica, concedendo legitimidade extraordinária às pessoas mencionadas no seu artigo 5º para propor a demanda.

A Constituição Federal, por seu turno, sensível à necessidade de outorgar legitimação para pessoas e instituições voltadas para a defesa dos interesses coletivos, concedeu legitimação extraordinária para as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, para representar seus associados ou filiados nos âmbitos judicial e extrajudicial (CF, artigo 5º, inciso XXI) e, ainda, a possibilidade de impetrarem mandado de segurança coletivo (CF, artigo 5º, inciso LXX, letras “a” e “b”).

Posteriormente, foi editada a Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, denominado de Código de Proteção e Defesa do Consumidor, deferindo legitimação extraordinária para as pessoas mencionadas no seu artigo 82, a fim de que atuem em juízo para dar guarida aos interesses dos consumidores.

Releva destacar, que figuram entre os legitimados para a propositura de ação coletiva, com o objetivo de defender os interesses coletivos da sociedade e, particularmente, dos consumidores, o Ministério Público Federal e Estadual, as associações constituídas para essa finalidade e, ainda, as organizações sindicais.

Tanto a lei da ação civil pública como o código de proteção e defesa do consumidor possuem mecanismos que permitem a concessão útil e eficaz da tutela jurisdicional almejada pelo substituto processual, quer seja ele o representante do Ministério Público, quer seja ele sindicato ou associação.

Cabe ressaltar, desde logo, que o artigo 4º da Lei da Ação Civil Pública contém uma peculiaridade, qual seja, a tutela nele prevista não é apenas preventiva, mas pode conter um comando, uma determinação para um não fazer, para uma abstenção ou, ao contrário, um comando determinativo de um fazer, com o objetivo de assegurar a eficácia da tutela deferida em função dessa lei ou do código de proteção e defesa do consumidor.

Estas considerações são necessárias para dizer que em determinadas situações o dano é simplesmente irreparável, particularmente quando envolve tutela destinada a amparar interesses dos consumidores que, acaso não deferida quando a postularem, importará em absoluta irreversibilidade para estes do dano que se objetivou evitar.

Destaque-se que a primeira justificativa para o surgimento da tutela do consumidor, está assentada no reconhecimento de sua vulnerabilidade nas relações de consumo, sendo ele, evidentemente, a parte mais fraca.

Desta forma, sendo o consumidor a parte mais fraca, deverá receber tratamento diferenciado nas ações em que figure como parte um representante de seus interesses, isto com o objetivo de ser garantida a isonomia, o equilíbrio processual.

Tanto isto é verdade que a lei da ação civil pública e o código de proteção e defesa do consumidor, sob o pálio da Constituição Federal, apresentam uma série de mecanismos utilizados para a tutela dos interesses dos consumidores em juízo, tais como a inversão do ônus da prova, a legitimação concorrente para a propositura de ações coletivas, a antecipação de tutela, a relativização dos efeitos da coisa julgada etc.

Tudo isto para garantir o resultado útil e efetivo das demandas nas quais estejam sendo discutidos interesses de consumidores.

Reconhece-se que o legislador possui uma ampla liberdade de valorar as situações da vida, as relações entre as pessoas e coisas, estabelecendo regras diversas de distribuição de vantagens e ônus, segundo as notas características colhidas e o fim por ele eleito para a satisfação de necessidades práticas.

Esta liberdade de conformação ampla deve guiar-se pela Constituição, sopesar os valores e metas eleitos como fundamentais e, também, realizar o programa ideológico nela contido, relevando destacar o respeito ao princípio da isonomia acima mencionado e, caso haja eventual colidência de interesses juridicamente tutelados, deve ser tutelado aquele cujo sacrifício seja de difícil ou impossível reparação.

Assim, nos casos em que houver conflito de interesses tutelados, sendo que de um lado estejam interesses de consumidores e de outro os interesses de fornecedores de produtos ou serviços, na medida em que somente um deles poderá ser tutelado, por opção legislativa, devem ser prestigiados os interesses dos primeiros em detrimento dos segundos.

A antecipação de tutela apresenta-se, neste aspecto, não apenas como um meio para assegurar o resultado efetivo e satisfatório da prestação jurisdicional, mas também como forma de assegurar o equilíbrio, a igualdade processual, a identidade de armas e de poderes, visando propiciar um verdadeiro contraditório, sem que uma das partes se veja impossibilitada de litigar, assegurando o resultado do processo em razão da desproporcionalidade de condições e de poderes entre os litigantes, em decorrência, principalmente, de pressões econômicas e de ameaças, verdadeira coação do litigante “mais forte” sobre o “mais fraco”.

Nesse sentido, SAN TIAGO DANTAS já advertia para o problema da igualdade na criação da lei, asseverando que “quanto mais progridem e se organizam as coletividades, maior é o grau de diferenciação a que atinge seu sistema legislativo. A lei raramente colhe no mesmo comando todos os indivíduos, quase sempre atende a diferenças de sexo, profissão, de atividade, de situação econômica, de posição jurídica, de direito anterior; raramente regula do mesmo modo a situação de todos os bens, quase sempre os distingue conforme a natureza, a utilidade, a raridade, a intensidade da valia que ofereceu a todos; raramente qualifica de um modo único as múltiplas ocorrências de um mesmo fato, quase sempre os distingue conforme as circunstâncias em que se produzem, ou conforme a repercussão que têm no interesse geral. Todas essas situações, inspiradas no agrupamento natural e racional dos indivíduos e dos fatos, são essenciais ao processo legislativo, e não ferem o princípio da igualdade. Servem, porém, para indicar a necessidade de uma construção teórica, que permita distinguir as leis arbitrárias das leis conforme o direito, e eleve até esta alta triagem a tarefa do órgão máximo do Poder Judiciário” (Igualdade perante a lei e due process of law: uma contribuição ao estudo da limitação constitucional do poder legislativo, RF 116/364. Rio de Janeiro: Forense, 1948).

Quanto aos valores a serem considerados para essa distinção, releva destacar que a Constituição Federal declara que a ordem econômica é fundada na “valorização do trabalho humano e na livre iniciativa” e “tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” observados os princípios da soberania nacional; da propriedade privada; da função social da propriedade; da livre concorrência; da defesa do consumidor; da defesa do meio ambiente; da redução das desigualdades regionais e sociais, dentre outros mencionados no artigo 170.

Isto significa que a Constituição Federal consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, pois a iniciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista. Em segundo lugar significa que, apesar de adotar o regime capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre os demais valores da economia de mercado, enfatizando a necessidade de se atribuir uma função social à propriedade.

Ressalte-se, ademais, que o respeito à livre concorrência encontra limite na defesa do consumidor e do meio ambiente; na redução das desigualdades regionais e na busca do pleno emprego.

Estes aspectos todos evidenciam que há uma desigualdade entre aqueles que são detentores do poder econômico, titulares dos meios de produção e de fornecimento de bens e serviços de um lado, e os consumidores desses bens e serviços de outro.

Por este motivo, não por outro, que a própria Constituição Federal elegeu como um de seus princípios basilares, nos arts. 5º, inciso XXXII e 17, IV, a defesa do consumidor.

Ademais, Constituição Federal procura assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social. Esta tarefa, evidentemente, não é fácil num sistema de base capitalista, ainda mais quando possui contornos essencialmente individualistas.

Desta forma, apesar de consagrar a livre iniciativa como categoria constitucional, esta não deve prevalecer em detrimento dos direitos dos consumidores, igualmente tutelados pela Constituição Federal.

Diante disso, havendo colidência entre os interesses dos consumidores e o dos detentores dos meios de produção de bens e serviços, evidentemente que deverão os primeiros ser tutelados de forma especial.

Essa tutela, como visto acima, deverá ser outorgada pelo Poder Judiciário, como resultado do processo judicial.

Em relação à antecipação de tutela, esta sempre poderá acarretar risco de irreversibilidade no plano empírico. Esse risco, entretanto, pode decorrer tanto do deferimento, como do indeferimento da tutela antecipada. De qualquer forma, quer seja deferida, quer seja indeferida a antecipação de tutela, o juiz ou tribunal estará beneficiando uma das partes da demanda em detrimento da outra. Nestes casos, atuará o princípio da proporcionalidade, devendo o juiz ou o tribunal evitar o risco ou o prejuízo maior, protegendo aquela parte da demanda processual considerada mais fraca, cujo interesse prepondera em relação ao da outra parte, por ter menor possibilidade de suportar o risco da irreversibilidade.

Podemos, assim, concluir que o poder Judiciário, aparelhado com leis que viabilizam uma rápida e eficaz proteção àquelas pessoas que se encontram em situação de desvantagem econômica, ou em relação a bens e interesses relevantes para a sociedade, assim considerada em seu conjunto, não deve vacilar em outorgar a tutela jurisdicional almejada, maxime quando se colocam em confronto os interesses de grupos econômicos voltados apenas e tão somente para a aferição de lucro, decorrente de formação de cartéis e restrição da livre concorrência, de um lado, e os interesses coletivos de outro.