O Direito não lava as mãos

8 de junho de 2020

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Entidades, escritórios de advocacia e magistrados unem forças para apoiar estudantes vulneráveis e discutir o
futuro do Direito no pós-pandemia

Para além da perda de vidas, os impactos sociais e econômicos da pandemia de covid-19 já são sentidos em vários segmentos da sociedade. No mundo jurídico a crise atingiu primeiro os estudantes de Direito, sobretudo os de baixa renda. Com a suspensão do atendimento ao público nos tribunais, os escritórios de advocacia e as próprias cortes suspenderam milhares de contratos de estágio em todo o País. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), por exemplo, manteve apenas os estagiários lotados em setores que mantiveram atividades presencias ou aqueles que podem desempenhar suas funções de forma remota. Para os estagiários mais pobres, além de ajudar a mantê-los nos estudos, a bolsa era uma importante complementação de renda.

Pensando nesses estudantes, a FND e a Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI) lançaram uma ação solidária. Com o apoio da Revista JC, de várias entidades, escritórios jurídicos, magistrados e juristas foi realizado em 27/5 o webinar “A Covid-19 e o futuro das cortes do direito”, que reverteu a arrecadação para o pagamento de auxílio-emergencial a 224 alunos da Faculdade em situação de grave vulnerabilidade. 

 O webinar contou com a participação do presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Luiz Fux, e dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão e Benedito Gonçalves – três egressos da FND, seja na condição de alunos ou de docentes. Mediado pelo Desembargador do TJRJ Cezar Augusto Rodrigues Costa, o evento contou ainda com a participação do Diretor da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj), André Gustavo de Andrade, do Presidente da seccional fluminense da OAB, Luciano Bandeira, e de diversos juristas e acadêmicos. 

 Autocontenção – Encarregado de apresentar os participantes, o ex-Presidente da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, deixou aos ministros a pergunta: “Qual é o papel do Poder Judiciário nesse momento de pandemia e no pós-pandemia, primeiro para a retomada do desenvolvimento econômico, do emprego e da capacidade de sobrevivência dos brasileiros e, em segundo lugar, para a preservação do Estado de Direito, da democracia e das instituições?”

 O Ministro Luiz Fux alertou que o estado de calamidade pública tem implicações no Direito Constitucional, pois permite a adoção de medidas de exceção. Ele lembrou que, na análise dessas medidas, o STF já se debruçou sobre a possibilidade de acordos individuais entre empregadores e empregados sem intervenção dos sindicatos; a classificação da covid-19 como doença profissional; a validação das deliberações remotas no processo legislativo; e a definição da competência das unidades federativas para o enfrentamento à pandemia, dentre outras demandas.  

O Ministro defendeu, contudo, a autocontenção dos tribunais superiores: “Há momentos em que os tribunais devem ter a virtude de decidir não decidir, exatamente nessas questões em que não têm expertise e, portanto, devem se valer de órgãos que possam auxiliá-los para a melhor solução dos litígios”. 

 Sobre a retomada da economia do pós-pandemia, o Ministro Fux procurou transmitir tranquilidade aos trabalhadores e empresários: “Como indica a vigilância sanitária é hora de lavarmos as mãos, mas não como Pilatos. Devemos lavar as mãos para nos unir, segurarmos uns as mãos dos outros para fazermos a travessia necessária”.  

 Novas abordagens – Ao comentar as incertezas de uma situação “sem precedentes, que atinge o Direito, a saúde, a economia e toda a vida social”, o Ministro Benedito Gonçalves alertou para a perspectiva de milhões de quebras de contratos em decorrência da crise. “Hoje precisamos de um grande pacto entre juízes e advogados, públicos e privados, para traçar estratégias e uma abordagem mais adequada para resolver os conflitos e, assim, contribuir para a sustentabilidade do Poder Judiciário”. 

 No campo do Direito Privado, ele opinou que o respeito à autonomia da vontade deve ser o mote para que pessoas e empresas utilizem outros instrumentos para resolver seus conflitos, deixando a judicialização como último recurso. Já no Direito Público, seu campo de atuação, o Ministro explicou que a judicialização é a regra em função da indisponibilidade de vários direitos. Ele porém elencou alguns avanços recentes nessa seara e disse apostar que a crise poderá ensejar a adoção de novas abordagens.  

Subproduto da crise – O Ministro Luis Felipe Salomão reiterou a necessidade da adoção dos métodos extrajudiciais de resolução de conflitos e outras formas de desjudicialização. “Com o acréscimo de demandas relacionadas à pandemia, estamos à beira de um colapso. É preciso programar essa situação, evitar demandas, usar as soluções extrajudiciais para evitar que essas causas sejam judicializadas”, afirmou.

 Para o magistrado, uma importante consequência da pandemia será a adoção generalizada do trabalho remoto no mercado, com reflexos também na necessidade de readequação de hábitos dos magistrados e servidores do Judiciário. Contudo, o Ministro Salomão apontou algumas situações que deverão ser preservadas, como os julgamentos presenciais dos casos mais complexos e sensíveis. “O julgamento telepresencial perde muito em qualidade. O advogado fica muito limitado, porque não consegue entregar os memoriais, não consegue ter uma visão olho no olho com os julgadores. Os próprios julgadores não conseguem se reunir para debater antes a causa.