“O aumento da participação on-line criou um caldo novo de cultura política”

23 de agosto de 2013

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Pedro AbramovayNesta entrevista exclusiva concedida à Revista Justiça & Cidadania, o advogado Pedro Vieira Abramovay, diretor de campanhas da organização não governamental interna­cional Avaaz, fala sobre os resultados da atuação da entidade, as principais petições ativas em torno de temas nacionais e as mudanças ocasionadas pelo chamado “clicativismo” no mundo real e nas manifestações de rua. A Avaaz é hoje a maior e mais reconhecida comunidade on-line de mobilização do mundo, criada para convocar a população mundial a apoiar causas internacionais, a maior parte delas ligadas aos direitos humanos e ao combate à corrupção.

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, com mestrado em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília, Abramovay também é professor na FGV Direito Rio. Antes disso, ele foi secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça (2007-2010) e ocupou a Secretaria Nacional de Justiça do governo federal (2010-2011). Entre os destaques de sua carreira está o fato de ter dado início ao primeiro processo de consulta pública colaborativa pela internet do governo, voltada para o marco civil da web, que deverá regular o uso da rede no Brasil e garantir os direitos dos usuários.

Justiça & Cidadania – Como foi criada e qual a trajetória da Avaaz no Brasil?

Pedro Vieira Abramovay – A Avaaz, que significa “voz” em várias línguas da Europa, do Oriente Médio e da Ásia, foi criada em 2007 por Ricken Patel, seu atual CEO. Desde muito jovem, ele sonhava com a noção de “cidadão global”. A Avaaz tem a missão de mobilizar pessoas de todos os países para construir uma ponte entre o mundo em que vivemos e o mundo que a maioria das pessoas quer. Desde o início, o português foi uma das línguas oficiais da comunidade. A primeira campanha grande aqui no Brasil foi a da “Ficha Limpa”, em 2010, em que pressionamos pela votação do projeto no Congresso.

JC – Qual é o número atual de membros, petições e assinaturas alcançado pela ONG no Brasil e no mundo?

PVA – No mundo, são 24,5 milhões de membros, dos quais 4,7 milhões estão no Brasil. Desde 2007, 138 milhões de ações – assinaturas de petições e envio de mensagens aos tomadores de decisão, por exemplo – foram encaminhadas no mundo todo. São cerca de 900 campanhas até hoje. Desde que lançamos, em maio do ano passado, o site de petições da comunidade – no qual os membros podem iniciar suas próprias campanhas –, mais de 24 mil petições foram criadas no Brasil, e elas já angariaram quase sete milhões de assinaturas.

JC – Quais são os temas de trabalho da Avaaz e de que maneira estes são selecionados para se transformarem nas causas defendidas pela ONG?

PVA – As campanhas são definidas pelos membros da Avaaz. Todo ano, uma pesquisa é feita para definir temas prioritários (veja gráficos 1 e 2). As ideias de campanhas podem vir da própria equipe, a partir do que está presente nos noticiários nacional e internacionais, por exemplo, ou de sugestões enviadas por nossos membros. Pode ser, também, que uma petição criada por um membro no site de petições da comunidade envolva um assunto de interesse nacional/internacional, e então a Avaaz pode apoiá-la e ajudar a amplificá-la. A partir disso, mandamos a campanha para uma amostra de dez mil membros, escolhidos aleatoriamente, e avaliamos a reação. Só mandamos para toda a lista se houver um nível alto de assinaturas nesse grupo amostral inicial. Se o retorno é baixo, é porque ou a campanha não é interessante, ou não mandamos o melhor texto, nesse caso, o reescrevemos.

JC – A Avaaz atingiu milhões de membros em vários países. São diversas campanhas por mês. Qual a efetividade dessa mobilização? Como são mensurados os resultados alcançados?

PVA – Vemos a internet como ferramenta para alcançar uma mobilização única, mas só isso não é suficiente: temos uma equipe capaz de, em dois dias, criar a campanha, preparar as estratégias, organizar atos em diferentes países, encontrar-se com líderes mundiais e influenciar o processo de tomada de decisão. Em nosso site na internet, listamos algumas das campanhas que mais se destacaram (veja quadro 1) – neste ano, conseguimos banir o uso de pesticidas que estavam matando as abelhas na União Europeia, por exemplo. Foram mais de dois anos de campanha. No Brasil, a “Ficha Limpa”, organizada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), foi uma das maiores campanhas das quais a Avaaz participou. Há, ainda, aquelas campanhas que dão um empurrão a mais ou ajudam a alcançar o resultado desejado – podemos mencionar, como exemplo, os vetos da Presidente Dilma ao texto do Código Florestal ou a PEC contra o trabalho escravo. Mesmo quando não alcançamos nosso objetivo, consideramos a campanha vitoriosa se ela fez com que as pessoas se sentissem mais conectadas ao processo democrático. Em nossa experiência, uma vez que as pessoas sentem o gostinho da participação, elas tendem a querer participar cada vez mais. Há tantas possibilidades diferentes de resultados que é difícil dizer quantas campanhas foram “vitoriosas”, mas fica claro para nós que as vozes dos nossos membros estão sendo ouvidas – o que consideramos um grande sucesso.

JC – Quais são as maiores campanhas já realizadas pela Avaaz no Brasil e no mundo? 

PVA – A maior em termos mundiais, com mais de 3,5 milhões assinaturas, foi a campanha contra a “SOPA”, lei norte-americana que ameaçava a liberdade na internet. Após a mobilização de diversas organizações e indivíduos, o projeto foi engavetado. No Brasil, as maiores campanhas foram a “Fora Renan”, com mais de 1,6 milhão de assinaturas em questão de semanas, e a “Ficha Limpa”, com mais de 2 milhões de assinaturas – somadas as dos 500 mil membros da Avaaz mais aquelas de pessoas que aderiram por meio da campanha do MCCE. A terceira maior foi contra a PEC 37 [o texto propunha a limitação do poder de investigação criminal às polícias federais e civis, retirando-o do Ministério Público, entre outras organizações], com mais de 840 mil assinaturas, e que saiu vitoriosa.

JC – De que modo a ONG consegue atuar em tantas causas simultaneamente? Quantas pessoas trabalham nas equipes alocadas nos países-membros? 

PVA – A equipe remunerada da Avaaz tem menos de cem colaboradores, que trabalham em todos os continentes, com a ajuda de centenas de voluntários no mundo todo. Trabalhamos via internet, via videoconferência, como um “escritório virtual”. Não há uma divisão geográfica – cada um pode trabalhar na campanha em que tiver mais interesse. É uma equipe muito experiente, de gente que já trabalhou em governos, em grandes organizações da sociedade civil, universidades, e que está hoje dedicada à transformação social.

JC – Como são estipuladas as metas de cada abaixo-assinado?

PVA – No caso das campanhas iniciadas pela Avaaz, as metas são estipuladas conforme o resultado que se quer alcançar e a quem ela é direcionada – o número de assinaturas para uma campanha nacional a ser entregue à Presidente da República é diferente de uma campanha municipal a ser entregue a vereadores, por exemplo. No caso das petições da comunidade, o membro define a meta que pretende atingir, também considerando esses fatores. No caso da petição pela saída de Renan Calheiros da presidência do Senado, o criador usou o critério da lei de iniciativa popular – 1% do eleitorado.

JC – Atingidas as metas, de que modo os temas têm encaminhamento?

PVA – Nem sempre o alvo da petição será alguém do governo. Ao elaborarmos uma campanha, pensamos em quem são as pessoas que podem efetivar a mudança que queremos, e elas serão nosso alvo – pode ser o CEO de uma grande empresa, por exemplo. A entrega é uma forma de mostrarmos ao responsável quantas pessoas se interessam por aquela questão específica. Quando fazemos a entrega, um integrante da equipe da Avaaz vai até o alvo da petição e conversa a respeito da questão, explica o motivo de as pessoas terem se mobilizado. No caso das petições criadas no site de petições da comunidade, o próprio autor pode fazer a entrega, inclusive imprimindo as assinaturas a partir da nossa plataforma.

JC – A Avaaz é 100% financiada por doações feitas pelos membros. Quem são, no Brasil, os apoiadores da ONG?

PVA – Qualquer um, desde que seja pessoa física, pode doar para a Avaaz. Não aceitamos doações de empresas nem de governos, e ninguém pode doar valor superior a cinco mil euros.

JC – Qual o possível interesse de George Soros, homem de negócios e conhecido especulador em todo o mundo, em uma associação como a Avaaz?

PVA – Em sua fundação, a Avaaz recebeu pequenas doações de cerca de US$ 5 mil de organizações parceiras, como a Res Publica, MoveOn e Open Society Foundation (fundada por George Soros). Esse dinheiro é mínimo considerando o orçamento da Avaaz hoje, e, desde 2010, a organização é 100% financiada apenas por doações de pessoas físicas.

JC – Quais são as principais petições brasileiras que estão em andamento no site da Avaaz?

PVA – Entre as campanhas nacionais que temos em andamento hoje, estão: “Voto Aberto Já”, contra o deputado Marco Feliciano na CDHM, contra Renan Calheiros na presidência do Senado e contra o plantio de cana-de-açúcar na Amazônia (veja quadro 2).

JC – Atualmente, o site da Avaaz abriga petição pró-impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Qual o seu entendimento dessa ação, uma vez que o senhor já ocupou cargos no governo federal?

PVA – No site de petições da comunidade, qualquer pessoa pode usar nossa ferramenta para criar uma petição. É importante esclarecer que eu sou parte da equipe da Avaaz no Brasil. Nenhum membro da equipe pode decidir sozinho quais campanhas entram ou saem do site de petições da comunidade – todos precisam observar uma série de procedimentos, que eu explico a seguir. Em alguns casos, quando as petições vão claramente contra nossos termos de uso (como conteúdo racista, de ódio, etc.), nós as tiramos do ar imediatamente. Quando ela não viola frontalmente nossos termos de uso, mas gera controvérsia entre os nossos membros, fazemos uma pesquisa com uma amostra aleatória dos membros da comunidade e deixamos que eles decidam se devemos manter ou tirar a petição do ar. Foi o que aconteceu com a petição que pede o impeachment da presidente, e a pesquisa feita com os membros deu empate. Nessa situação, deixamos a petição no ar. Mesmo que, pessoalmente, eu discorde radicalmente da petição. Qualquer outra decisão não seria isonômica.

JC – O chamado “clicativismo” é criticado como sendo “preguiçoso”. No entanto, assistimos, agora, às pessoas “saindo” das redes sociais e manifestando-se nas ruas. O “clicativismo” seria, então, um estopim para o ativismo na vida real?

PVA – A internet tem alterado a forma como compramos, a forma como ouvimos música, o modo como nos informamos. Por que não alteraria a forma como nos manifestamos politicamente? Nada mais natural do que nesse ambiente no qual a pessoa se comunica diariamente ela vá também compartilhar suas visões políticas. Considerar que a política feita na internet é menos política desvaloriza essa parte importante da vida das pessoas. No meu ponto de vista, não existe essa divisão entre “clicativismo” e “ativismo da vida real” – ativismo é ativismo e pode ser feito de todas as formas que tivermos ao nosso alcance: manifestação na rua, na internet, por meio da arte… Dito isso, eu acredito que o aumento da participação on-line criou um caldo novo de cultura política. As pessoas passaram a ver o resultado das suas ações, passaram a querer participar cada vez mais. Isso, em um ambiente no qual a política tradicional está envelhecida e continua sendo feita do mesmo jeito há pelo menos vinte anos, ia explodir em algum momento – e explodiu, indo para as ruas.

JC – A grande repercussão da Avaaz é, sem sombra de dúvida, um reflexo da “sociedade em rede”, o termo criado pelo sociólogo Manuel Castells. O senhor acredita que as recentes manifestações públicas no Brasil são também uma consequência da internet – algo tão somente permitido pela rede?

PVA – Acho que a internet permite uma mobilização incrível – em questão de minutos, você está conectado com seus amigos, com os moradores da sua cidade, com gente do mundo todo, que pensa como você, tem as mesmas vontades e ideias. Com isso, foi peça-chave nas mobilizações não só no Brasil, mas também no Egito e na Turquia, por exemplo. Por meio da internet, a organização das manifestações ficou muito mais ágil, as informações sobre o que ocorria durante os protestos chegavam mais rapidamente, por meio de vídeos, atualizações instantâneas, relatos.

Temas que a Avaaz deve priorizar em 2013

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Campanhas que a Avaaz deve priorizar em 2013

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Fonte: https://secure.avaaz.org/po/2013_global_survey_results/.

Quadro 1

Principais resultados conquistados pela Avaaz nos últimos anos

1-Quadro 2

Principais petições brasileiras atualmente na Avaaz

2-Fonte: http://www.avaaz.org/po/petition/