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O admirável mundo novo da arbitragem

15 de fevereiro de 2016

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19-Composição-amigável_BArrosoA reclamação de que “a justiça é lenta” está perto do fim. Pelo menos em casos de litígios nas relações comerciais. Desde a instituição da Lei da Arbitragem no País, em 1996, essa via alternativa de justiça, que tem entre seus pilares o compromisso de solucionar conflitos com rapidez e eficiência, tem ganhado força junto ao empresariado nacional e já é considerado o modelo mais adequado para a resolução de desavenças que envolvam direitos patrimoniais das partes. Reflexo disso são os números apresentados pelo Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), que, em apenas um ano, aumentou o índice de arbitragens realizadas em 600%.

Para pensar o passado, o presente e, principalmente, o futuro da Arbitragem no Brasil, o CBMA realizou o “I Congresso Internacional CBMA de Arbitragem”, nos dias 10 e 11 de dezembro, no Centro de Convenções da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), na capital fluminense. O evento trouxe para a mesa de debates nomes de peso do Poder Judiciário e do Direito brasileiro, como o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Roberto Barroso, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado Coelho, o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Alexandre de Freitas Câmara, os professores Joaquim Falcão, Nelson Eizirik, Marçal Justen Filho e Carlos Alberto Carmona, além de grandes advogados que atuam na área.

Desde 2003 – quando a OAB ajuizou, no STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o artigo 1o da Medida Provisória nº 2.221, que incluía na Lei Federal nº 4.591/1964 a obrigatoriedade de resolução de determinados conflitos mediante arbitragem – até a consagração do instituto houve longo caminho. E quase nada escapou dos debates. “Arbitragem no setor de óleo e gás”, “Arbitragem e Direito Tributário”, “Processo Civil e Arbitragem”, “Arbitragem nos conflitos envolvendo a Administração Pública” e “Direito Arbitral Brasileiro” foram algumas dos temas debatidos. O painel sobre “Arbitragem Internacional” trouxe atuantes especialistas estrangeiros. Os norte-americanos Luis O’Nagthen, professor da Miami University, e David Lindsey, advogado de Nova Iorque, e a advogada, com nacionalidades brasileira e portuguesa, Ana Elisa Bruder, do escritório Mayer Brown, em Frankfurt, Alemanha, dividiram suas experiências com a plateia. Assim como os portugueses Nuno Villa Lobos, presidente do Centro de Arbitragem Administrativa de Portugal, e os advogados José Miguel Júdice e Pedro Leite Alves.

Ao participar da mesa de abertura do evento, o presidente da OAB lembrou o episódio da ADI. “A OAB tem evoluído junto com a sociedade”, destacou Coêlho, ao explicar que a entidade tinha o entendimento, na época, que o compromisso arbitral impedia o acesso à Justiça e feria a cláusula constitucional da inafastabilidade da jurisdição ou do direito ao acesso à Justiça. “Essa era a posição da OAB, não vai uma crítica ao passado. Isso é uma evolução das coisas”, salientou. “O que ontem era algo visto com muito distanciamento e até oposição pela nossa entidade, hoje está cada vez mais nos corações e nas mentes dos advogados brasileiros. A arbitragem deve ser mais um espaço de atuação da advocacia no Brasil”, conclamou.

O STF decidiu, no final de 2001, que a Lei era constitucional. “A partir daí são criadas Câmaras de Arbitragem no Brasil e começa a florescer uma cultura de resolução de conflitos pela via da Arbitragem”, explicou o presidente do CBMA, Gustavo da Rocha Schmidt. A aceitação desse modelo de alternativa não para de crescer. Segundo pesquisa da professora e advogada Selma Lemes, o número de processos arbitrais saltou de 21 casos, em 2005, para 207, em 2014, nas cinco principais câmaras de arbitragem brasileiras. Os litígios entrantes nesses Tribunais de Arbitragem, nos últimos 10 anos, envolveram valores estimados em R$ 29 bilhões, de acordo com a mesma pesquisa. Segundo Gustavo Schmidt, a arbitragem tem uma série de vantagens em relação ao procedimento judicial. A primeira delas é que é muito mais rápida. “Um conflito de R$ 1 bilhão vai demorar 10, 20 anos no Judiciário para ser resolvido. Na arbitragem demora dois anos, sendo que há cálculos indicando que a média tem sido de 1 ano e 8 meses”. Um dos motivos da celeridade começa pelo fato de não haver recursos. “Além disso, tem outras vantagens. A arbitragem permite que sua causa seja julgada por árbitros altamente especializados na matéria. Aquela pessoa é escolhida porque entende tudo do assunto. No final das contas essa acaba sendo uma solução tecnicamente melhor”, defendeu. Na arbitragem, as partes elegem o árbitro que vai presidir o processo. No Judiciário, os juízes dos casos são sorteados, e é natural que o magistrado não possa conhecer de todos os assuntos ao mesmo tempo”, esclareceu Schmidt.

Apesar das aparentes diferenças com o sistema judicial, arbitragem e Poder Judiciário se harmonizam no entender de vários juristas. Entre os quais o desembargador Alexandre Câmara, membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem e benemérito do Instituto Nacional de Mediação e Arbitragem. “Sem participação do Judiciário haverá casos em que a arbitragem não vai atingir os resultados a que se propõe. Poderá surgir necessidade de atos de império que o árbitro não poderá realizar. Mas é necessário que, havendo esses casos, o papel do juiz seja o de auxiliar. Ele deve, unicamente, praticar os atos necessários para viabilizar a atuação do órgão arbitral”, ponderou Câmara. Para ele, o Judiciário não pode fechar os olhos para a arbitragem e vice-versa.

“Tem de haver cooperação. Tanto no sentido de ajuda, como no de trabalhar juntos para que resultados sejam alcançados”, sustentou. Câmara disse que, por influência de culturas jurídicas estrangeiras, no Brasil formou-se um ambiente que leva a sociedade a acreditar que o meio ordinário para resolver conflitos é o Judiciário, quando na realidade deveria ser o extraordinário. “Tenho sustentado – e às vezes enfrentado olhares enviesados – que precisamos inverter essa lógica. Arbitragem, mediação e conciliação são os meios mais adequados e civilizados para resolução de conflitos. O verdadeiro meio alternativo é o meio judicial. Só deveríamos ir ao Judiciário quando os outros mecanismos falhassem”. Para Sérgio Tostes, Presidente da Comissão de Mediação, Conciliação e Arbitragem do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), “a Arbitragem é o futuro. A Justiça continuará a existir mais fortalecida, porque vai se dedicar mais às causas sociais”.

Administração Pública e arbitragem: solução jurídica e econômica

A exposição do ministro Barroso foi um dos pontos altos do evento. Ele ressaltou que, segundo as últimas estatísticas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem cerca de 100 milhões de ações em trâmite no Brasil. “Isso, estatisticamente, significa – considerando que somos 200 milhões de brasileiros – que um em cada dois brasileiros está em juízo. Provavelmente, é um dos maiores índices de judicialização do mundo”. Ele, no entanto, esclareceu que essa conclusão, de que quase todos os cidadãos estão presentes no Judiciário, é um equívoco. “Na verdade, litigantes habituais, como o Poder Público e alguns setores econômicos específicos, usam o Judiciário frequentemente para procrastinar o pagamento de ações. O Poder Judiciário não pode ser o centro da vida brasileira. Ninguém pode achar que a judicialização seja a forma normal de viver a vida. A forma normal é a composição amigável”, destacou Barroso.

O grande advogado, segundo o ministro, vai deixar de ser aquele que “faz peças belíssimas e depois, uns sete, oito anos depois, obtém uma longa sentença. O mundo atual não comporta esse timing do Poder Judiciário”. Para ele, os processos têm de durar seis meses ou, no máximo, um ano. Se for muito difícil tem que demorar 18 meses.

É uma ilusão achar que o processo que não termina beneficia alguém. Creio que a advocacia do futuro é a do advogado negociador, que consegue não litigar em juízo. E dentro desse setor vai ter um nicho que vai ser do advogado “resolvedor” de problemas, que vai fazer uma espécie de arbitragem light, a quem as partes podem recorrer.

O ministro Barroso também comentou a Lei nº 13.129, em vigor desde julho, que faculta à Administração Pública a utilização da arbitragem. Antes, porém, ele lembrou à plateia que já foi procurador do Estado do Rio de Janeiro. E como ex-advogado público, classificou a atuação em juízo da Fazenda Pública como um verdadeiro desastre. “O Poder Público litiga, frequentemente, com requintes de má-fé”, disparou o ministro da Suprema Corte brasileira. “Um tipo de litigância que contesta tudo, recorre de tudo durante o processo de conhecimento, depois durante a execução e depois não paga o precatório. Essa é a prática do litígio da Administração Pública. O Estado se comporta de maneira incorreta com o seu cidadão. É indecente”, resumiu. Barroso sustenta que antes de chegar à arbitragem, a Administração Pública tem de mudar o modo como litiga em juízo, afirmando em seguida “que tudo que pode ser objeto de contrato pode ser objeto de arbitragem na Administração Pública”, como telecomunicações, transporte, parcerias público-privadas (PPPs) e contratos de exploração e produção de petróleo e gás natural.

Sobre esse ponto, a professora Selma Ferreira Lemes, que participou do painel “Arbitragem nos Conflitos Envolvendo a Administração Pública”, ao lado de Marçal Justen Filho, Pedro Leite Alves e o presidente da CBMA, Gustavo Shmidt, chamou atenção para um fundamento, considerado por ela muito importante, mas relegado ao esquecimento: o princípio da economicidade. “A cláusula de arbitragem no contrato administrativo de PPP ou de concessão não é uma cláusula jurídica para resolver conflito, é uma cláusula financeira, porque ela traz uma economia que pode chegar a 58% dos custos do processo. Portanto, não é algo a ser negligenciado”, destacou.

Geração de empregos

Além do avanço na legislação, outro fator festejado no Congresso foi o fato de a arbitragem ser uma atividade geradora de empregos. “Quando se fala em Câmara de Arbitragem, as pessoas pensam logo em advogados, mas para cada profissional de advocacia envolvido em mediação ou arbitragem existem outros quatro empregos vinculados, nas mais diversas áreas”, afirmou o diretor de arbitragem do CBMA, Joaquim de Paiva Muniz. Ele citou o exemplo de Paris, sede da maior câmara do mundo, a Câmara de Comércio Internacional (CCI), que gera para a capital francesa cerca de 200 milhões de euros por ano. “O que me anima nisso é que estamos diante de um novo mercado de trabalho”, destacou o professor Joaquim Falcão, diretor do Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. Ele divulgou um estudo da FGV que estima que 17 mil novos postos de trabalho serão criados somente na área da mediação e destacou ainda o uso da rede mundial de computadores na arbitragem. “A nossa escola está investindo nisso”, revelou, afirmando que alguns alunos estão montando empresas de mediação pela internet. “A lei está em vigor, o mercado de trabalho está latente, é preciso agora atrair o consumidor porque isso é do interesse público”, concluiu.

Temas do dia a dia de quem trabalha com arbitragem foram abordados no Congresso. A questão da autonomia privada e da ordem pública, o sigilo da arbitragem e a transparência das empresas de capital aberto, a lista fechada para conselho arbitral, os honorários de sucumbência e custos de arbitragem, o sigilo da arbitragem e a transparência das empresas de capital aberto, a cláusula compromissória, os custos de sucumbência na arbitragem internacional e os mecanismos do Common Law (Direito Comum) estiveram presentes nos debates, cuja qualidade impressionou o advogado nova-iorquino David Lindsey. “A Arbitragem se desenvolveu no Brasil em 20 anos o mesmo que nos Estados Unidos em 75. O Brasil é hoje a estrela sul-americana da arbitragem”, afirmou.

O Congresso terminou com a proposta de ser realizado anualmente e com muitos elogios ao organizador do evento e presidente da CBMA Gustavo Schmidt. Em seu discurso de encerramento, Schmidt destacou que o Rio de Janeiro avança para se tornar o principal centro de solução de conflitos extrajudiciais do Brasil. “A qualidade e a eficiência da secretaria, a melhora das instalações da Câmara. Isso é resultado de um processo que conta com a participação de toda a equipe”, repartiu os méritos.

A CBMA é um órgão sem fins lucrativos fundado em 2001 por três das mais representativas entidades da economia brasileira: a Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização (Fenaseg) e a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).

“Fenaseg, Fenaseg e Associação Comercial fizeram tudo isso, porque acreditam que é pelas instituições que se vai fazer a mudança do Brasil”, afirmou o presidente da ACRJ, Paulo Protásio.