Não residência fiscal: momento da caracterização

15 de dezembro de 2013

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MarinaO desenvolvimento das empresas aliado à globalização da economia estreitou as relações mundiais e diminuiu as distâncias existentes entre os países e, consequentemente, entre as pessoas.

A facilidade de mobilidade dentro de um grupo empresarial aliado à necessidade das multinacionais em uniformizar sua política empresarial, em promover rodízios de empregados, em repartir experiências, disseminar cultura e práticas, fez com que a mobilidade internacional de empregados dentro de um mesmo grupo econômico se tornasse algo cada vez mais comum e corriqueiro. Essa movimentação, também chamada de expatriação, vem ganhando cada vez mais espaço no cenário empresarial e passou a ser um ponto de atenção nas grandes corporações.

O processo de expatriação, além de questões corporativas, também gera diversas consequências na vida do profissional, consequências essas: culturais, sociais, trabalhistas, previdenciárias, imigratórias, tributárias, dentre outras. A presente análise tem como foco as possíveis consequências tributárias advindas da expatriação de um residente fiscal brasileiro para o exterior, principalmente no que tange à entrega da Declaração de Saída Definitiva.

Necessidade de planejamento de uma expatriação

É importante que o processo de expatriação seja precedido de um planejamento, cuja principal finalidade é identificar as possíveis consequências tributárias decorrentes da expatriação, seja no Brasil, seja no país de destino.

Como o expatriado irá, em regra, exercer suas atividades no país de destino, além de estudar as consequências tributárias de sua expatriação no Brasil, a pessoa física deverá se preocupar também com as consequências tributárias no exterior. Por esse motivo, é imprescindível que a legislação tributária do país de destino seja estudada previamente, com o objetivo de delimitar as obrigações tributárias do expatriado no país onde será desenvolvida sua atividade.

Tendo em vista que a legislação tributária de cada país possui suas peculiaridades, cada expatriação deve ser analisada de forma casuística. Ademais, a análise combinada das legislações tributárias brasileira e do país de destino permite que seja elaborado um planejamento com vistas a evitar que o expatriado seja surpreendido com incidências tributárias em duplicidade sobre o mesmo rendimento.

Um dos principais critérios que influencia na tributação da renda da pessoa física é a sua caracterização (ou não) como residente fiscal.

Tributação no Brasil – Distinção: não residente fiscal X residente fiscal

No Brasil, a distinção entre pessoas residentes e não residentes no território nacional é de importância decisiva para definir a extensão das respectivas obrigações tributárias.

Com efeito, enquanto os não residentes, sejam pessoas físicas ou jurídicas, estão apenas sujeitos ao imposto quanto aos rendimentos provenientes de fontes situadas no Brasil, estando, assim, sujeitos ao regime da tributação limitada (com base na territorialidade), os residentes são tributáveis em função de seu rendimento mundial, quer se trate de pessoas físicas ou jurídicas – regime da tributação ilimitada (com base na universalidade da renda – world-wide-income)1.

De acordo com a legislação existente sobre o tema, os residentes fiscais devem fazer a sua Declaração de Imposto de Renda anualmente, sendo tributado de acordo com a tabela progressiva, cuja alíquota nominal máxima de tributação é de 27,5%, sendo admitidas deduções da base de cálculo do Imposto de Renda. Além disso, os residentes são tributados pelos seus rendimentos universais, ou seja, pela sua renda mundial, quer seja auferida no Brasil, quer seja auferida no exterior.

Já os não residentes, são tributados apenas em relação à renda oriunda de fonte brasileira (fonte de pagamento), em regra geral2, a uma alíquota definitiva de 25%, sem possibilidade de qualquer dedução da base de cálculo.

Em regra geral, a pessoa física residente e domiciliada no Brasil é considerada residente fiscal. A Lei autoriza outras formas de aquisição da residência fiscal no Brasil, como o ingresso em território nacional com o visto permanente2.

Porém, a grande questão que se coloca é em relação ao tratamento dado a uma pessoa física brasileira até então residente e domiciliada no Brasil que se retire do país por um, dois, três, quatro, cinco anos. Ela será considerada residente ou não residente para fins fiscais brasileiros?

Da entrega da Declaração de Saída Definitiva do País

O art. 16 do Decreto no 3.000/99 (Regulamento do Im­posto de Renda – RIR) é a norma que regula a caracterização da não residência fiscal para fins brasileiros e estabelece duas regras: (i) os residentes ou domiciliados no Brasil que se retirem em caráter definitivo do território nacional no curso de um ano-calendário, além da declaração correspondente aos rendimentos do ano-calendário anterior, ficam sujeitos à apresentação imediata da Declaração de Saída Definitiva do País; e (ii) os residentes ou domiciliados no Brasil que se ausentarem do País sem requerer a Certidão Negativa para Saída Definitiva do País terão seus rendimentos tributados como residentes no Brasil, durante os primeiros doze meses de ausência, observado o disposto no §1o, e, a partir do décimo terceiro, na forma dos arts. 682 e 684 (ou seja, como não residente – tributação definitiva).

A Instrução Normativa SRF no 208/2002, com as alterações da Instrução Normativa no 1.008/2010, regula­menta a matéria e estabelece, no art. 3o combinado com o art. 2o, o conceito de não residente. Segundo essa Instrução Normativa, a perda da residência fiscal pode ocorrer, teoricamente, em dois momentos: (i) quando a pessoa física residente no Brasil sair em caráter permanente com a entrega da Comunicação de Saída Definitiva e, posteriormente, da Declaração de Saída Definitiva; e (ii) quando a pessoa física que se ausente do Brasil em caráter temporário, a partir do dia seguinte àquele em que complete doze meses consecutivos e completos de sua ausência.

Em relação à saída em caráter permanente com as modificações advindas pela Instrução Normativa RFB no 1.008/2010, a saída permanente restará configurada, com a apresentação da Comunicação de Saída Definitiva até fevereiro do ano-calendário subsequente ao ano da saída permanente e com a apresentação da Declaração da Saída Definitiva até o último dia do mês de abril do ano-calendário subsequente ao da saída definitiva.

Já, caso a pessoa se retire do Brasil em caráter temporário e permaneça no exterior por um período superior a 12 meses consecutivos, a mesma deverá, segundo a norma, apresentar a Comunicação de Saída Definitiva a partir da data da caracterização da condição de não-residente e até o último dia do mês de fevereiro do ano-calendário subsequente e apresentar a Declaração de Saída Definitiva do País relativa ao período em que tenha permanecido na condição de residente no Brasil no ano-calendário da caracterização da condição de não residente, até o último dia útil do mês de abril do ano-calendário subsequente ao da caracterização.

Com a leitura do disposto acima, pode-se chegar à conclusão de que a pessoa física que se ausente do Brasil em caráter temporário, após decorrido o prazo de 12 meses consecutivos e completos no exterior, será considerada não residente no Brasil sem que haja necessidade da entrega da Comunicação e da Declaração de Saída Definitiva, sendo assim, estará sujeita à tributação ordinária (alíquota 27,5 % sendo autorizadas deduções da base de cálculo, se cabíveis) nos primeiros 12 meses de ausência e, a partir do décimo terceiro mês, será tributada como não residente (alíquota de 25% sem direito à deduções da base de cálculo).

Por outro lado, existe a possibilidade de a pessoa física não entregar a Comunicação e a Declaração de Saída Definitiva. Caso isso ocorra, de acordo com a Instrução Normativa RFB no 208/2002, artigo 13, será aplicada uma multa no valor de R$ 165,74 (cento e sessenta e cinco reais e setenta e quatro centavos) em não havendo imposto devido; caso haja imposto devido, a multa observará os limites mínimo de R$ 165,74 (cento e sessenta e cinco reais e setenta e quatro centavos) e máximo de vinte por cento do valor do imposto devido.

Todavia, como relatamos anteriormente, o Brasil adota o princípio da universalidade para os residentes fiscais no País e o da territorialidade para os não residentes. Sendo assim, caso uma pessoa física seja residente fiscal no Brasil será aqui tributada pela sua renda mundial incluindo qualquer renda recebida no exterior, e caso seja um não residente, o Brasil só tem competência para tributar aquela renda oriunda de uma fonte de pagamento no Brasil.

Assim, imaginemos que uma pessoa física seja expatriada por um período de 5 (cinco) anos, sem a entrega da Comunicação e da Declaração de Saída Definitiva após decorridos doze meses, e que a fonte de pagamento seja transferida para o exterior. Imaginemos, ainda, que essa pessoa física, que passou cinco anos no exterior e não entregou nem a Comunicação nem a Declaração de Saída Definitiva, apresentou anualmente a sua Declaração de Imposto de Renda, contemplando todos os valores por ela percebidos, e pagou o Imposto de Renda corretamente como residente no Brasil (renda universal). Qual seria o interesse das autoridades fiscais brasileiras em desconsiderarem a residência fiscal dessa pessoa física?

Ao que parece nenhum. Isso porque, considerando a hipótese acima, a pessoa deverá pagar uma multa de
R$ 165,74 (cento e sessenta e cinco reais e setenta e quatro centavos) em razão da não apresentação da Comunicação e da Declaração de Saída Definitiva, e em contrapartida a Receita Federal deverá restituir o Imposto de Renda pago por essa pessoa corrigido, a partir do segundo ano de ausência no Brasil. Logo, não há interesse das autoridades fiscais brasileiras em não permitir que uma pessoa física domiciliada e com seu centro de interesses vitais no exterior seja residente fiscal no Brasil.

A primeira leitura da norma pode dar a impressão de que a entrega da Declaração de Saída Definitiva é facultativa e de que, não havendo essa entrega, a pessoa física passa à condição de não residente, automaticamente, passados os 12 meses de permanência ininterrupta no exterior, ficando sujeita nesse caso somente à multa que esse artigo estabelece em face do não cumprimento de obrigações acessórias (não entrega da Comunicação e da Declaração de Saída Definitiva).

Todavia, não desposamos desse entendimento, primeiro porque não há interesse das autoridades fiscais em desconsiderarem a residência fiscal brasileira da pessoa física que é regida pelo princípio da universalidade e segundo porque entendemos que a entrega da Comunicação e da Declaração de Saída Definitiva é o momento em que o contribuinte manifesta sua intenção (animus) de ser considerado não residente. Caso essa manifestação não ocorra, as autoridades fiscais não serão informadas dessa intenção, não podendo de ofício modificar o status da residência fiscal da pessoa física.

Conclusão 

Sendo assim, caso a pessoa física se retire do Brasil sem a entrega da Declaração de Saída Definitiva do País, irá se sujeitar à tributação ordinária de seus rendimentos (auferidos no Brasil e exterior), nos primeiros doze meses, à alíquota nominal máxima de 27,5% (admitidas deduções da base de cálculo), como os demais residentes. A partir do 13o mês, somente com a entrega da Declaração e da Comunicação de Saída Definitiva, a pessoa física passa a ser tributada como não residente (tributação definitiva, cuja alíquota nominal e efetiva é, regra geral, de 25% incidente sobre os rendimentos auferidos no Brasil), não havendo tributação sobre os rendimentos auferidos no exterior. Todavia, para que seja adquirida a condição de não residente fiscal no Brasil, é necessário que o animus da pessoa física implemente essa condição, que só irá ocorrer efetivamente com a entrega da Comunicação e da Declaração de Saída Definitiva.

Nota _____________________________________________________________________

1 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 291.

2 Há alíquota diferenciada de 15% para ganho de capital e rendimento de aluguel auferidos por não residente fiscal.