Logística reversa, reciclagem e resíduos pós-consumo

19 de maio de 2014

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renato-monte-altoUma abordagem sob a ótica da Lei 12.305

A evolução do pensamento ecológico da sociedade brasileira, após um longo período de maturação, vem, enfim, tomando contornos mais definidos e começando a surtir os efeitos positivos que foram inicialmente imaginados.

A introdução de disciplinas escolares focadas na conscientização ambiental de nossas crianças, que encontra amparo no artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394/96), já faz parte da realidade educacional dos grandes centros urbanos.

Medidas de cunho educativo, idealizadas em diferentes formatos (artigo 2o, X, da Lei no 6.938/81), vem difundindo os conceitos ambientais para uma expressiva parcela da população que não se encontra mais em idade escolar e, em muitos casos, tem apresentado resultados práticos até mais eficazes do que alguns dos mecanismos de controle ambiental implementados pelo poder público.

A crescente participação da sociedade em programas de reciclagem e as inovações tecnológicas que vem permitindo, cada vez mais, tornar os processos de reaproveitamento dos resíduos pós-consumo viáveis sob o ponto de vista econômico-financeiro, também se amoldam aos princípios que orientam nossa Política Nacional de Meio Ambiente.

De toda sorte, em que pesem tais considerações, não resta dúvida de que ainda há muito a ser feito em prol da formação de uma consciência ambiental crítica e realmente esclarecida em boa parte da população brasileira.

Aquele modelo inicial que buscou levar ao conhecimento da sociedade as preocupações básicas relacionadas à questão ambiental precisa ser paulatinamente repensado e substituído por uma sistemática mais moderna, onde os princípios que norteiam a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei no 6.938/81) e a recente Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei no 12.305/10) possam ser absorvidos de uma forma mais efetiva pelos cidadãos.

A tábua axiológica que serve de alicerce para todas as normas que integram a ordem jurídica nacional ainda precisa ser compreendida, com a profundidade necessária, por uma significativa parcela da sociedade, viabilizando, assim, uma leitura correta do atual estágio de desenvolvimento de nosso sistema de proteção do meio ambiente e garantindo uma contribuição mais concreta da população nos mecanismos de controle implementados pelo Poder Público.

Como exemplo, podemos citar o próprio conceito de desenvolvimento sustentável (artigo 4o, I, da Lei no 6.938/81), que precisa ser difundido e introduzido de modo mais coerente no pensamento ecológico do cidadão, enquanto tenta compatibilizar o desenvolvimento econômico-social do País com o equilíbrio do meio ambiente, utilizando as inovações tecnológicas disponíveis e os programas de controle ambiental economicamente viáveis como suas principais ferramentas.

Artigo 4o – A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
I – à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico;

As linhas gerais desse princípio foram delineadas inicialmente em 1983, no Relatório Brundtland da Assembleia das Nações Unidas, tendo sido ainda bem sintetizadas na recente Conferência Rio+20 como “o modelo que prevê a integração entre economia, sociedade e meio ambiente. Em outras palavras, a noção de que o crescimento econômico deve levar sempre em consideração a inclusão social e a proteção do meio ambiente.”

É o desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades, significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os habitats naturais. (Relatório Brundtland – Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento da Assembleia das Nações Unidas – 1983).

Na mesma linha, urge a necessidade de se promover uma conscientização de toda a sociedade no que diz respeito à dicotomia existente entre a destinação adequada que deve ser dada ao simples resíduo urbano, isto é, ao “lixo” produzido todos os dias em nossas casas e na varrição das vias públicas, e ao resíduo pós-consumo que pode ser objeto de um processo economicamente viável de reciclagem ou reaproveitamento.

Mais do que isso, faz-se necessário conscientizar as pessoas que não é todo o resíduo resultante das atividades humanas em sociedade que será objeto de um processo de reaproveitamento, cabendo a realização de estudos prévios de viabilidade técnica e econômica com o objetivo de se apurar o benefício ambiental que poderia ser eventualmente alcançado ao final de cada mecanismo implantado.

Artigo 3o – Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

XV – rejeitos: resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada;

De nada adiantaria gastar milhões e milhões de reais na implantação de uma estrutura de coleta diferenciada, ou de reciclagem de determinado resíduo, se o atual estado de nosso desenvolvimento tecnológico e industrial ainda não dispõe de nenhum método que seja economicamente viável para reaproveitá-lo.

O dispêndio financeiro, o consumo energético e as emissões de gases causadores do efeito estufa durante o processo de reciclagem, aliados aos custos de obtenção da matéria prima e de deposição do produto, ocasionariam certamente um impacto ambiental muito maior do que sua disposição final adequada no meio ambiente.

Esse exemplo poderia ser dado apenas como ilustração, para uma série de resíduos urbanos em relação aos quais as tecnologias até aqui desenvolvidas ainda são apenas experimentais, incipientes ou não permitem um método ecoeficiente e economicamente viável de reciclagem em larga escala (fraldas descartáveis usadas, restos de cerâmica, gomas de mascar, bitucas de cigarro, papéis parafinados, entre muitos outros).

Em decorrência disso, revela-se de fundamental importância a conscientização do próprio consumidor acerca do papel preponderante que desempenha ao promover o descarte adequado desses rejeitos, cooperando e viabilizando que os serviços públicos de limpeza urbana possam promover sua posterior coleta, transporte e disposição final, prevenindo, desta forma, qualquer possível impacto adverso ao meio ambiente.

Fato é que, em muitos casos, o impacto ambiental visando a reciclagem ou reaproveitamento do resíduo pós-consumo é maior do que aquele oriundo de eventual destinação final ambientalmente adequada. Nesse sentido, fica claro que a participação ativa e a conscientização da população exercem um papel fundamental na busca de soluções ambientais viáveis e profícuas.

Como se vê, para que o ente titular dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos possa dar cumprimento à obrigação prevista no artigo 36, VI, da Lei no 12.305/10, a adoção de medidas socioeducativas que sejam aptas a promover uma efetiva conscientização da sociedade sobre a real importância que o correto descarte desses rejeitos desempenha revela-se essencial para o funcionamento do sistema de responsabilidade compartilhada estatuído pela Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Artigo 3o – Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

XVII – responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos: conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos termos desta Lei;

Recentemente, a municipalidade carioca deu um grande passo nessa direção, divulgando as diretrizes do Programa Lixo Zero, que visa conscientizar a população sobre a importância de não jogar qualquer tipo de lixo nas vias públicas, contribuindo para a melhoria da qualidade dos serviços de limpeza urbana na cidade, bem como para o regular funcionamento do sistema de responsabilidade compartilhada previsto em nossa legislação.

Na esfera ambiental, tais medidas educacionais, impõe-se repisar, possuem um aspecto valorativo ainda mais profundo, eis que, além de servirem como um eficiente difusor dos conceitos básicos de proteção ao meio ambiente, também tem apresentado, em muitos casos, resultados práticos mais fulgentes do que certos mecanismos de controle implementados pelo Poder Público.

Tão relevante quanto os assuntos acima abordados, a necessidade da formação de uma consciência crítica que consiga compreender, de forma precisa, os acertos e os limites da atuação do poder público na esfera ambiental em face da incidência dos princípios da prevenção, do desenvolvimento sustentável, da ecoeficiência e da proporcionalidade, também se aparenta premente.

Nesse horizonte, destaca-se o princípio da proporcio­nalidade, pois caso não fique demonstrada uma adequação razoável entre os motivos suscitados pelo poder público, a viabilidade técnico-econômica da metodologia proposta e, por fim, o benefício que tal medida poderia trazer de modo efetivo ao meio ambiente, o mecanismo de controle ambiental a ser implementado não se mostra adequado ao nosso sistema legal.

Em sua ideia central, o princípio da proporcionalidade traz ínsito que a autoridade administrativa, em seu poder discricionário, não deve limitar-se apenas ao aspecto formal da lei, impondo-se uma análise sistemática de todas as variáveis envolvidas, devidamente integrada pelos conceitos e valores que também compõe a ordem jurídica e, por tal motivo, precisam ser ponderados em conjunto, dentro de um critério de razoabilidade, para encontrar a melhor solução para o interesse público vislumbrado.

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello vemos que “as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para o cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas. Segue-se que os atos cujos conteúdos ultrapassem o necessário para alcançar o objetivo que justifica o uso da competência ficam maculados de ilegitimidade, porquanto desbordam do âmbito da competência, ou seja, superam os limites que naqueles caso lhes corresponderiam”.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, não destoa, lecionando que a atividade discricionária será ilegítima quando não guardar “uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei deseja alcançar, ou seja, que se trate de uma medida desproporcionada, excessiva em relação ao que se deseja alcançar”.

Ademais, faz-se necessário frisar que, ainda que se proceda com uma análise fria da legislação pertinente, diversos são os requisitos a serem atendidos para que se estabeleça eventual sistema de coleta diferenciada para um resíduo específico. O art. 33 da PNRS possui um rol taxativo, sendo que eventual acréscimo – que deveria se dar mediante lei federal – deve atender a uma séria de exigências fundamentais.

Nesse contexto, resta evidente que a implementação de qualquer programa de coleta diferenciada ou mecanismo de controle ambiental que não tenha sido precedida dos estudos técnicos necessários e não atente para uma visão sistemática da ordem legislativa em vigor não se mostra congruente com os princípios que servem de norte para a Política Nacional de Resíduos Sólidos (artigo 6o da Lei no 12.305/10).

O presente artigo, por óbvio, não tem a intenção de esgotar os debates sobre tão controvertida matéria, mas apenas de ressaltar aos leitores que a formação de uma consciência ambiental crítica e realmente esclarecida, hoje, é uma questão que se impõe.

Não devemos mais nos concentrar, portanto, apenas naqueles conceitos elementares, já há muito difundidos e absorvidos por grande parte do povo brasileiro, mas sim nos valores e princípios que servem de base para nossa Política Nacional de Meio Ambiente; em uma conscientização efetiva da sociedade acerca do papel preponderante que desempenha no funcionamento adequado dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos; e, por fim, no desenvolvimento de um senso crítico (artigo 5o, III da Lei no 9.795/99) sobre quais são as medidas de controle ambiental e social propostas que se revelam, de fato, razoáveis e atendem as finalidades de nossa ordem constitucional.

O progresso do pensamento ecológico de nossa sociedade é evidente e, qualquer retrocesso, hoje, seria impensável.

Mesmo assim, ainda há muito a ser feito na busca da formação de uma consciência ambiental realmente esclarecida por parte da grande maioria da população brasileira, o que, sem receio de dúvida, já desponta como o nosso próximo desafio.

Em suma, podemos afirmar:

1) Há casos nos quais o impacto ambiental de eventual processo de reciclagem é mais nocivo do que eventual destinação final considerada ambientalmente adequada;

2) O artigo 33 da PNRS possui um rol taxativo, sendo que qualquer alteração deve observar os ditames legais e ambientais aplicáveis;

3) Mesmo aos itens listados no referido artigo é necessário um estudo prévio de viabilidade – não só financeira, mas também ambiental;

4) Nem todo item pós-consumo pode ser considerado resíduo. Existem itens que assumem a qualidade de rejeito, não sendo passíveis de reciclagem no atual estado da arte.

Base legislativa e referências bibliográficas ______________________________________

Política Nacional do Meio Ambiente (Lei no 6.938/81);
Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei no 12.305/10);
Política Nacional da Educação Ambiental (Lei no 9.795/99);
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394/96);
Meirelles, Hely Lopes de. Direito Administrativo Brasileiro. Ed. Malheiros. 33a Edição (2007);
Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Editora Atlas. 24a Edição (2008).