Justiça consolidada _ Entrevista com o Ministro Antonio José de Barros Levenhagen, presidente do TST

16 de setembro de 2015

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levenhagenHá pouco mais de um ano, o ministro Antonio José de Barros Levenhagen tomou posse na presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ao assumir o cargo, o magistrado de 61 anos de idade declarou que o foco de sua administração estaria na atividade fim, ou seja, as decisões do TST, um aspecto que pode ter como fundamento o aumento no volume de recursos destinados ao Tribunal, que cresceu 42,3% entre 2011 e 2013. O presidente também anunciou medidas para a redução do tempo de tramitação de processos naquela Corte, além de dedicar particular atenção ao Centro de Aperfeiçoamento de Assessores e Servidores do Tribunal (Cefast) – tudo com o objetivo final de tornar mais célere e efetiva a Justiça do Trabalho.

Mineiro de Baependi, formado em Direito em 1975 na Faculdade de Direito de Varginha (MG), com especialização em Direito do Trabalho, Direito Processual Civil e Direito Processual do Trabalho, ele ingressou na carreira da magistratura do Trabalho ao tomar posse como Juiz Substituto em junho de 1980. Seis anos mais tarde, foi transferido para o Tribunal Regional do Trabalho da 15a Região, com sede em Campinas (SP), tendo sido designado Juiz Substituto daquela Corte a partir de 1989. Em 14 de outubro de 1999, foi nomeado ministro do TST. 

Levenhagen também foi diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat) entre março de 2009 e março de 2011. Na carreira acadêmica, foi professor de Direito Comercial, Direito Processual Civil e Direito do Trabalho na Faculdade de Direito de Varginha.

Revista Justiça & Cidadania – Há pouco mais de um ano, o senhor assumiu a Presidência do TST. Quais foram as principais medidas adotadas – e cumpridas – em sua gestão e quais ainda faltam ser alcançadas? Quais são as metas até o final do mandato?

Ministro Antonio Levenhagen – No discurso de posse na presidência do TST, antecipei que a prioridade máxima da atual gestão seria a atividade fim, ou seja, o incremento no julgamento dos recursos que têm dado entrada nesta Corte, a fim de reduzir, tanto quanto possível, o passivo acumulado em anos anteriores. Para tanto, trouxe para a presidência o exame da admissibilidade dos agravos de instrumento, que são recursos contra decisões dos TRTs que negam seguimento aos recursos de revista e representam a maior parte dos processos que chegam ao TST (em 2014, foram julgados 182 mil). No primeiro semestre de 2015, julguei 8.056 agravos de instrumento que, anteriormente, teriam de ser examinados pelas Turmas, liberando-as dessa carga significativa de trabalho. Com isso, em relação à admissibilidade dos agravos, as Turmas têm apenas de examinar os possíveis agravos regimentais contra essas decisões, que representam um número inexpressivo de casos.

Além disso, instituí sistema que se pode considerar inédito de auxílio de desembargadores de Tribunais Regionais, mediante adesão espontânea. Eles passaram a receber 400 agravos de instrumentos por mês, utilizando-se do gabinete virtual. Em outras palavras, 16 desembargadores, de diferentes TRTs, passaram a atuar nas oito Turmas, dois em cada, sem necessidade de se deslocar para o TST, evitando despesas com diárias por dias corridos.

RJC – Como funciona o trabalho a distância dos desembargadores?

AL – Com o gabinete virtual, cada desembargador auxiliar passou a receber no seu Tribunal de origem os agravos distribuídos a eles, sem precisar se afastar do convívio familiar. De casa ou de seu gabinete, eles elaboram as minutas de votos e as encaminham online para as Turmas onde atuam. Eles só vêm ao TST às terças e quartas a cada duas semanas, para julgamento dos processos.

Com isso, houve diminuição de 40% no número de agravos de instrumento distribuídos aos ministros, de fevereiro a junho de 2015, tendo em vista que os desembargadores auxiliares receberam 25.426 agravos e julgaram 26.541.

RJC – Que outras ações têm sido desenvolvidas visando à celeridade dos julgamentos?

AL – A par dessas medidas tomadas no âmbito das atribuições da Presidência, o Órgão Especial aprovou proposta de Projeto de Lei visando à recomposição do quadro de analistas judiciários lotados nos gabinetes dos ministros, visto que desde 2007 não houve nenhuma iniciativa nesse sentido. A proposta foi aprovada por unanimidade pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o projeto de lei encaminhado à Câmara dos Deputados foi aprovado por unanimidade nas suas várias comissões e remetido ao Senado Federal para ser apreciado, em caráter terminativo, pela Comissão de Constituição e Justiça, com ampla probabilidade de aprovação e remessa ao Plenário em caráter de urgência.

Caso seja aprovado no Senado e sancionado pela presidenta da República, não haverá mais necessidade de medidas paliativas, uma vez que os gabinetes de ministros contarão com colaboradores em número suficiente para ajudá-los na elaboração de minutas de votos e contribuir significativamente para redução do resíduo de processos que se encontram ainda no TST.

RJC – Essas medidas já surtiram efeito em termos da produtividade do Tribunal?

AL – Apesar do aumento paulatino do movimento processual ocorrido em 2014, no primeiro trimestre de 2015 houve uma diminuição de 8,2% no resíduo processual, em relação ao mesmo período de 2014.

Esses resultados foram inclusive motivo de elogio da corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi. Numa coluna que assina no site do CNJ, chamada “Nosso Aplauso”, ela observou que, com uma ação simples, mudamos a realidade do julgamento dos agravos de instrumento, reduzindo o tempo médio de entrada no TST e baixa desses processos. A ministra percebeu bem minha preocupação com os agravos de instrumento desde a minha posse, e, além da iniciativa do exame de admissibilidade pela presidência, ela ressalta o acordo de cooperação técnica que viabilizou a colaboração dos desembargadores auxiliares, assinalando que essas medidas proporcionaram celeridade aos julgamentos, diminuindo o tempo de tramitação e possibilitando o aumento do número de processos julgados.

RJC – Como está a evolução do processo judicial eletrônico, que também deve contribuir para aumentar a celeridade? 

AL – Durante todo ano de 2014, o Comitê Gestor Nacional do PJe passou a ter uma interlocução constante com os Comitês Gestores Regionais, a fim de que, somados os esforços de todos os envolvidos nesse projeto de grande envergadura, fossem corrigidas inconsistências naturais do sistema.

Norteados pelo binômio segurança e confiabilidade, o Comitê Gestor Nacional e os Comitês Gestores Regionais de vários Tribunais firmaram vários convênios para agregação de novas funcionalidades. Alcançados, no final de 2014, a estabilidade e a confiabilidade do sistema, apuramos que 16 Tribunais Regionais e suas respectivas Varas já funcionavam no PJe em 100%, e que os oito remanescentes apresentaram cronogramas para implantação do sistema em 100% das Varas ou em percentual muito próximo deste, até o final de 2015.

RJC – O TST desenvolve também programas institucionais. Quais são, e o que fazem?

AL – Sim, ao lado dessas atividades ligadas à função jurisdicional, atuamos em duas frentes – o combate ao trabalho infantil e a promoção do trabalho seguro – por meio de dois programas republicanos, desenvolvidos pelo TST a título de colaboração com o Executivo, na perspectiva da harmonia constitucional entre os Poderes. No Programa Trabalho Seguro, realizamos uma grande campanha de conscientização com a veiculação de propaganda por todos os meios de comunicação, com o apoio da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert). O objetivo é despertar a consciência dos empregadores, empregados e sociedade em geral para as graves consequências dos acidentes do trabalho, que atualmente atingem mais de 700 mil trabalhadores.

RJC – O senhor é natural de um município no interior de Minas. Quando começou na magistratura, também atuou em pequenas cidades do interior de São Paulo. Qual a avaliação que faz hoje do trabalho dos magistrados que atuam em locais como esses? Quais as dificuldades (ou benefícios) de atuar na magistratura do trabalho na 1a instância?

AL – Realmente, sou natural de Minas Gerais. Nasci na pacata cidade de Baependi e me mudei posteriormente para Varginha, no sul de Minas, onde concluí o curso de Direito. Logo em seguida ingressei por concurso público na Promotoria de Justiça de Minas Gerais e fui aprovado em concurso público para Juiz de Direito daquele Estado. Não assumi o cargo por ter optado pela magistratura do trabalho, ao ser aprovado em concurso público do TRT da 2a Região, com sede na capital paulista. Em 1986, pedi remoção para o TRT da 15a Região, com sede em Campinas, onde fui promovido por merecimento para integrar aquela Corte e de onde fui nomeado ministro do TST em 1999. Na magistratura de 1o grau, incentivado pelo meu saudoso pai, Antônio José de Souza Levenhagen, juiz de Direito de Minas Gerais e jurista de renome nos idos de 70 e 80, passei a atuar como substituto na então Junta de Conciliação e Julgamento de Taubaté, para a qual mais tarde fui promovido por merecimento.

Na ocasião, o juiz do trabalho não dispunha de nenhuma ajuda do Tribunal a que se encontrava vinculado. Sua atuação era solitária e hercúlea, conduzindo grande volume de processos tanto na fase de conhecimento quanto na de fase de execução. Em vários momentos tive de solicitar a colaboração dos prefeitos para consertos do prédio, que era alugado.

RJC – E hoje, essa situação mudou?

AL – Atualmente, o Judiciário do Trabalho ganhou estatura institucional relevante, e está disseminado por todo território nacional, com 24 Tribunais Regionais com jurisdição sobre número expressivo de Varas do Trabalho. Os juízes titulares contam quase sempre com a ajuda de juiz substituto, em condições de imprimir agilidade no julgamento dos processos e dar maior efetividade à execução, com as tecnologias que hoje estão disponíveis, como o BACEN-JUD, INFRAJUD e outras ferramentas correlatas.

RJC – A execução continua a ser um gargalo na Justiça do Trabalho?

AL – Embora ainda seja um tormento para o Judiciário do Trabalho e, de modo geral, para todo o Judiciário Nacional, progressivamente temos conseguido que as execuções se mostrem mais efetivas, com o pagamento do crédito devido aos exequentes.

RJC – Que medidas vêm sendo adotadas nessa fase processual?

AL – Para tornar mais bem-sucedida as execuções trabalhistas, o TST propôs projeto de lei que inova os procedimentos inerentes à execução forçada. O projeto se encontra sob exame na Comissão de Assuntos Sociais, em que é relatora a senadora Ana Amélia.

Paralelamente, várias medidas vêm sendo buscadas para debelar a elevada taxa de congestionamento de processos nessa fase. Entre elas está a atuação da Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista junto com os TRTs para implementar medidas que deem maior efetividade à execução, como a Semana da Execução Trabalhista e a Semana Nacional da Conciliação Trabalhista, eventos anuais que realizam audiências conciliatórias e leilões.

Outra ação foi a criação dos Núcleos de Pesquisa Patrimonial nos TRTs, voltados para a localização e constrição de bens de devedores, com o uso sistematizado de ferramentas eletrônicas, e o acordo de cooperação técnica com a Procuradoria Geral da República para viabilizar a utilização, pela Justiça do Trabalho, do Sistema de Investigação de Movimentação Bancárias (Simba).

Também realizamos, no ano passado, o I Seminário Nacional sobre Efetividade da Execução Trabalhista, que reuniu doutrinadores para a discussão de teses capazes de ampliar os horizontes da temática.

RJC – Há quem diga que a Justiça do Trabalho é a única que “funciona” no País. Por outro lado, há quem diga que é uma “Justiça menor”. Qual é afinal, do seu ponto de vista, o papel da Justiça do Trabalho no Brasil de tempos atuais?

AL – Não se pode afirmar que o Judiciário do Trabalho seja o único que funciona no País. Todos os demais ramos funcionam dentro de suas capacidades, considerando o aumento superlativo da litigiosidade, que atualmente chega, em todos os níveis do Poder Judiciário, a mais de 100 milhões de processos.

A questão de a Justiça do Trabalho ter sido qualificada como uma Justiça menor remonta aos idos de 1980, em razão da sua escassez orçamentária, e sobretudo de uma visão míope sobre a sua principal atuação, com ênfase na conciliação. Essa faceta, no entanto, acabou por se impor aos demais ramos do direito, e hoje é obrigatória a tentativa de acordo no atual CPC e naquele que entrará em vigor em breve. A importância da conciliação, antes menosprezada, como atividade jurisdicional expressiva foi reconhecida, inclusive, pelo próprio CNJ, ao criar, de início, o Programa “Conciliar é Legal” e, depois, a conhecida e universal Semana Nacional da Conciliação.

Hoje, a Justiça do Trabalho está consolidada como ramo do Judiciário nacional e como órgão jurisdicional indispensável à solução, negociada ou não, dos litígios trabalhistas, com o objetivo de imediata restauração da paz social, de que tanto necessita o país para o seu desenvolvimento social e econômico. Especialmente nesse período de intensificação da crise econômica e política, aumenta a importância das Varas do Trabalho, dos Tribunais Regionais e do Tribunal Superior do Trabalho, como uniformizador da jurisprudência trabalhista em âmbito nacional.