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Juizados Especiais Federais: o resgate de uma dívida social

5 de novembro de 2001

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A criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, nos termos da lei 10.259, sancionada em 12 de julho pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, representará verdadeira revolução na prestação jurisdicional em benefício, sobretudo da tramitação das causas de interesse da porção menos favorecida da nossa população. A partir da instalação daqueles foros especiais, prevista para acontecer até o início do próximo ano, qualquer cidadão poderá obter em seis meses o desfecho de uma ação no valor máximo de 60 salários mínimos, o que hoje pode tomar até dez anos.  Para o Poder Judiciário, significará  uma redução drástica no volume de processos, contribuindo assim para maior celeridade de todo o sistema.

Fruto de iniciativa do Poder Executivo, o projeto original remonta ao ano de 1997.  Naquela ocasião, Ministros do Supremo Tribunal Federal encaminharam ao Executivo a sugestão de que apresentasse proposta de emenda constitucional destinada a solver as controvérsias entre aquela Corte e o Superior Tribunal de Justiça sobre o julgamento de ações de habeas corpus.

Por decisão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, a assessoria jurídica da Casa Civil, então por mim chefiada, elaborou Projeto de Emenda Constitucional que seria posteriormente encaminhado ao Congresso Nacional.  Ademais de pacificar aquelas controvérsias, o projeto autorizava criação dos Juizados Especiais Federais. A proposta do Executivo recebeu aprovação parlamentar, resultando em novo parágrafo único do art. 98 da Constituição (Emenda Constitucional nº 22, de 1999).

A referida proposta ganharia ainda maior amplitude com a decisão do Congresso Nacional de introduzir alteração no art. 100 da Constituição (EC nº 20, de 1999), permitindo o pagamento direto – sem precatórios – das causas de pequeno valor. Essa alteração libera os tribunais regionais de enorme volume de trabalho decorrente da expedição daqueles precatórios, a par de dispensar a parte vencedora da burocracia envolvida na expedição e execução de precatórios, que podem vir consumir período de até dois anos para o efetivo pagamento.  Vale acentuar que tal inovação só pode ser concebida em um ambiente de estabilidade macroeconômica, que permita ao ente público uma previsão orçamentária responsável sobre o montante a ser despendido com o pagamento direto, sem precatórios.

Por sua vez, o projeto de regulamentação dos Juizados Especiais resultou de esforço conjunto do Judiciário e do Executivo, tendo recebido também importante contribuição da Associação dos Juízes Federais do
Brasil – AJUFE.  Deve-se ressaltar que a elaboração da proposta original de regulamentação foi assumida pelo Superior Tribunal de Justiça, a cargo de comissão integrada por ilustres Ministros: Fontes de Alencar, Ruy Rosado de Aguiar, José Arnaldo da Fonseca, Sálvio de Figueiredo, Ari Pargendler e Fátima Nancy.

O propósito fundamental desse esforço conjunto foi a agilização dos processos judiciais de menor expressão econômica, “facilitando o acesso à Justiça e o ressarcimento das partes menos favorecidas nas disputas
contra a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, pois a solução de tais litígios dar-se-á rapidamente, e sem a necessidade de precatórios para a quitação dos eventuais débitos”, conforme registrou a própria Comissão. No âmbito penal, serão julgadas pelos Juizados Especiais as infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, os crimes a que a lei comina pena máxima privativa de liberdade não superior a dois anos, ou pena de multa.

Ao facilitar e ampliar o acesso à Justiça Federal, a nova lei fortalece a cidadania, ao mesmo tempo em que permite desonerar as vias ordinárias da Justiça de um sem número de processos. É que da decisão dos Juizados Especiais não caberá recurso para os tribunais regionais e só em casos excepcionais caberá a interposição de recurso para o STJ e o STF.  Contribui, assim, de maneira decisiva para desafogar a Justiça Federal ordinária de primeiro e segundo graus, bem como os tribunais superiores, em benefício sobretudo dos cidadãos de renda mais baixa, para os quais o acesso à Justiça via-se virtualmente bloqueado, seja em razão dos custos envolvidos, seja em decorrência da própria morosidade no andamento dos processos.

Para se ter uma idéia do alcance da nova Lei, basta observar que, no orçamento de 2001, foram incluídos 40.752 precatórios devidos pelo INSS, no valor total de R$ 51.682.228,90. Nesse universo, 33.204 precatórios possuem valor inferior ou igual a 60 salários mínimos, totalizando R$ 97.812.775,76. Ou seja, se por um lado cerca de 81,48% dos precatórios devidos pelo INSS possuem valor inferior ou igual a 60 salários mínimos, a soma de tais precatórios representa cerca de 17,73% do valor total dos precatórios devidos por aquela autarquia.

Não são diferentes os dados relativos aos precatórios expedidos contra a União (excluído o INSS). No orçamento de 2001 foram incluídos 64.119 precatórios expedidos em desfavor da União, no valor total de R$ 1.856.115.770,79. Nesse universo, 53.295 precatórios possuem valor inferior ou igual a 60 salários mínimos, totalizando R$ 141.742.481,79. Desse modo, vê-se que os precatórios de valor inferior ou igual a 60 salários mínimos representam cerca de 83,12% dos precatórios expedidos contra a União e cerca de 7,64% do valor total dos precatórios expedidos contra essa mesma pessoa jurídica.

De outra parte, a nova lei assegurará maior celeridade na tramitação das causas previdenciárias que, no modelo anterior, em decorrência da morosidade do sistema, eram não raro transformadas em questões sucessórias, uma vez que os postulantes muitas vezes faleciam antes de verem seus pleitos atendidos.

Por todas essas razões, os Juizados Federais representam transcendental contribuição para a superação da denominada “crise do Poder Judiciário”. Ao introduzirem elemento de maior racionalidade no sistema permitirão que as causas mais simples, de valor menos expressivo, passem a ter tramitação acelerada e desburocratizada, enquanto os Tribunais Superiores passam a dispor de mais tempo para examinarem questões mais complexas.  Trata-se, portanto, de medida que alcança importante e louvável resultado social, ao ensejar que causas de pequeno valor que afetam camadas significativas da população, como as previdenciárias e as administrativas, sejam decididas e executadas dentro de um prazo socialmente adequado.