Inovação, conciliação e justiça social: os pilares da AGU

10 de abril de 2025

Da Redação

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Advogado-Geral da União, ministro Jorge Messias, destaca as estratégias para reduzir a judicialização, modernizar a atuação do Estado e defender a democracia

Em um cenário de constantes transformações e grandes desafios para o sistema de justiça brasileiro, a atuação da Advocacia-Geral da União (AGU) tem se destacado por buscar soluções inovadoras, promover a cultura da conciliação e enfrentar temas emergentes que impactam diretamente a sociedade. À frente da instituição, o ministro Jorge Messias conduz uma agenda voltada ao fortalecimento da democracia, à proteção dos direitos fundamentais e à modernização da atuação estatal, com especial atenção à redução da litigância contra o poder público.

Nesta entrevista exclusiva à Revista Justiça & Cidadania, o Advogado-Geral da União fala sobre as estratégias adotadas para desafogar o Judiciário, o uso da tecnologia e da inteligência artificial pelo órgão, as ações voltadas à proteção do meio ambiente e as prioridades da instituição para os próximos anos. Um panorama completo sobre o presente e o futuro da advocacia pública federal no Brasil.

Revista Justiça & Cidadania – Os últimos anos têm sido desafiadores quando falamos sobre o número de processos ajuizados na Justiça brasileira. Como tem sido a preocupação da AGU neste sentido e quais são as ações empreendidas pelo órgão para não sobrecarregar o Judiciário?
Ministro Jorge Messias –
O Judiciário entrou no ano de 2025 com 79,8 milhões de processos em tramitação, 4,5 milhões a menos que no início de 2024, o que representa um resultado esperançoso. Ainda assim, o número representa grande desafio para todas as instituições do sistema de justiça. As advogadas e os advogados públicos têm grande importância nessa tarefa, uma vez que cerca de 11% do total de casos pendentes no Judiciário têm as administrações públicas no polo passivo dos processos em curso. Como representante da União e suas autarquias e fundações, a AGU tem empreendido esforços para colaborar com a redução da litigância. 

Nos dois últimos anos, estamos fazendo uma correção de rumos, parando de utilizar, como era tradicional na advocacia pública, a estratégia dos recursos protelatórios para postergar o pagamento das obrigações da União. Com isso, entregamos os direitos a quem efetivamente os possui. Nesse sentido, realizamos desistências recursais em casos de matérias que não seriam acolhidas pela Justiça, seja por óbices processuais, seja pela jurisprudência pacífica formada na Corte. Tudo isso fundamentado em normas internas da AGU que autorizam a adoção dessas medidas. Em outra frente, investimos pesadamente na conciliação, priorizando a realização de acordos para encerrar processos, sempre que os casos se adequem às condições estabelecidas nos planos de negociação elaborados pela AGU. Damos tamanha importância à conciliação que instituímos, em 2023, a Procuradoria Nacional da União de Negociação (PNNE), celebramos acordo com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), solucionando definitivamente mais de 9.500 processos trabalhistas e instituímos, em 2024, a Plataforma de Autocomposição Imediata e Final de Conflitos Administrativos (Pacifica), para agilizar a realização de acordos extrajudiciais. Em 2024, foram celebrados 36.194 acordos que resultaram na extinção de 11.262 processos contra a União e, em relação a ações previdenciárias, foram celebrados 645.378 acordos.

JC – A AGU tem se posicionado em favor da mediação e da conciliação em litígios contra o Estado. Quais são os principais desafios para reduzir o número de processos contra a União e a importância dos métodos conciliatórios?
JM –
A prática da negociação surgiu como uma forma de a AGU alinhar sua atuação ao entendimento dos tribunais, contribuindo para a redução do número de processos em tramitação e tornando mais eficiente o custo para movimentar o sistema de Justiça. Em temas nos quais é conhecida a posição contrária do tribunal, ou quando a questão já está pacificada nas cortes superiores, frequentemente é mais produtivo propor um acordo à outra parte do que continuar a insistir em recursos que provavelmente seriam derrotados. 

O primeiro desafio era a cultura de litigância.  Embora a lei que criou a AGU já previsse possibilidade de transação, essa prática não era muito frequente. Nossa gestão tem dado importância significativa a acordos e conciliações, pois, além de reduzir custos e ajudar a desafogar o Judiciário, conseguimos tornar mais ágeis as soluções dos conflitos. Isso também acelera o acesso do cidadão a direitos previstos em políticas públicas e reconhecidos pela Justiça.

JC – Quais são os temas de processos que mais impactam a atuação da AGU e que medidas podem ser adotadas para minimizar a judicialização desses casos específicos?
JM – As ações de servidores civis e militares e os processos previdenciários são os principais temas que impactam a atuação da AGU. Para minimizar a judicialização, a AGU tem investido na negociação com vistas à celebração de acordos para encerrar processos em tramitação. As ações de servidores civis e militares respondem por 41,5% dos acordos firmados pela Procuradoria-Geral da União (PGU), que representa a União e os órgãos da administração direta federal. Já os acordos previdenciários são de responsabilidade da Procuradoria-Geral Federal (PGF), que representa as autarquias e fundações públicas. Também é importante a atuação extrajudicial, ou seja, para evitar a chegada desses processos ao Judiciário. 

Para reforçar a atuação de nossa equipe nesse sentido, criamos a Plataforma de Autocomposição Imediata e Final de Conflitos Administrativos (Pacifica), que estará funcionando nos próximos meses. É uma ferramenta eletrônica para a celebração de acordos extrajudiciais em conflitos individuais de baixa complexidade e grande volume, como os benefícios previdenciários negados na esfera administrativa, por exemplo. 

JC – Recentemente, a AGU tem defendido o governo federal em temas como regulamentação da economia digital, inteligência artificial e combate à desinformação. Como a instituição tem se adaptado a essas novas demandas?
JM –
A AGU tem agido proativamente com esses novos cenários. Recentemente, em fevereiro, apresentamos à OEA (Organização dos Estados Americanos) os instrumentos que temos adotado para defesa da liberdade de expressão, dos direitos humanos e da democracia brasileira. Naquela ocasião, uma comitiva da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos visitou nossa sede para analisar o nosso trabalho com base nesses temas.

Tivemos a iniciativa inédita de criar a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, após amplo processo de consulta pública. Por meio dela, protegemos não só o governo, mas todo cidadão e toda cidadã dos prejuízos que as fake news trazem para nossa economia e para a sociedade como um todo. Em nossa avaliação, o debate sobre a regulação das plataformas digitais é fundamental porque as indenizações e a remoção de conteúdo não têm sido suficientes para lidar com esse sofisticado sistema de desinformação, que tem levado a atos concretos de violência no Brasil.  

JC – Em audiência pública, promovida no início deste ano, a AGU demonstrou interesse em colaborar com ideias para os processos que discutem a regulação das plataformas digitais e big techs no Brasil, em tramitação no STF. Como está o andamento deste trabalho?
JM –
Todas as contribuições recebidas da sociedade civil durante audiência pública realizada em 22 de janeiro último foram juntadas aos autos dos processos que tramitam no Supremo Tribunal Federal e que discutem a responsabilidade das plataformas digitais sobre publicações de seus usuários. Pedimos celeridade e prioridade no julgamento dessas ações. 

Defendemos que a decisão da Suprema Corte sobre o mérito dos processos, ao definir balizas seguras para a responsabilização das plataformas digitais por danos causados pelos atos ilícitos praticados por usuários inconsequentes, irá promover um ambiente digital seguro e caracterizado pelo respeito aos direitos fundamentais e aos valores democráticos. 

JC – Este ano, com a COP sendo realizada no Brasil, o papel das instituições públicas na defesa do meio ambiente está em alta. Como a AGU atua na defesa de ações que envolvem questões climáticas e da proteção ao meio ambiente?
JM –
Temos reforçado nossas ações para a proteção do clima e do meio ambiente, especialmente no combate a crimes ambientais e responsabilização dos infratores. O resultado se reflete nos números, que demonstram ainda um esforço estratégico de expansão geográfica na recuperação dos biomas brasileiros. Só nos primeiros meses de 2025, já foram ajuizadas 13 ações civis públicas (ACPs) que buscam o pagamento de R$ 801 milhões para a recuperação de cinco biomas (Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Pampa e Pantanal), em 13 estados brasileiros.

Essas ações são resultado do AGU Recupera, grupo estratégico ambiental instituído em 2023 para atuação em demandas judiciais prioritárias, visando à proteção dos biomas brasileiros e do patrimônio cultural.

A outra ação cobra R$ 725 milhões de três infratores que causaram danos ambientais na cidade de Corumbá (Mato Grosso do Sul) e que impedem a regeneração do bioma Pantanal. A ação foi proposta no âmbito do AGU Enfrenta, que é o Grupo de Enfrentamento Estratégico aos Ilícitos e Crimes Ambientais, instituído em 2024, e resultado da articulação com a Polícia Federal (PF) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Nos últimos dois anos, foram mais de 120 ações civis públicas com pedido de indenização de R$ 3,7 bilhões.

A atuação da Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente (Pronaclima), criada em 2023, tem sido essencial nos resultados alcançados. Somente em 2023 e 2024 foram ajuizadas 116 ações civis públicas requerendo a recuperação de R$ 2,9 bilhões em todas as regiões do país.

JC – A AGU tem investido em inteligência artificial e automação na análise de processos? Quais são os avanços nessa área e como isso pode otimizar o trabalho da instituição?
JM –
Sim, a AGU tem investido significativamente em inovação e tecnologia. Podemos afirmar com segurança que somos uma das instituições de Estado mais digitalizadas do Brasil. Um exemplo é o Sapiens, um sistema de inteligência jurídica totalmente desenvolvido na AGU. Muitos acham que é um sistema de gestão documental, mas é muito mais que isso: é a espinha dorsal de uma série de ferramentas de dados que nos ajudam na tomada de decisões, na automação e na análise de processos. No ano passado, incrementamos o Sapiens com uma inteligência artificial que, entre outras coisas, possui um chat, como se fosse o ChatGPT, mas específico para a AGU. 

Não é por acaso que criamos o Laboratório de Inovação da AGU, cujo trabalho é incentivar desenvolvimento de inteligência jurídica e disseminar a cultura da inovação na advocacia pública como um todo. No ano passado, a Advocacia-Geral da União foi reconhecida como um Instituto de Ciência e Tecnologia. Isso representa marco estratégico e institucional para o órgão, que agora poderá levar sua expertise e experiências para procuradorias de todo o Brasil. Hoje nossos advogados pensam com a cabeça de criadores de soluções e inovações tecnológicas.

JC – Em meio a desafios políticos e institucionais, qual é a maior prioridade da AGU para os próximos anos?
JM –
Entre nossas prioridades, estão: incrementar a agenda de conciliação com a rede Resolve coordenada pela AGU e que envolve toda a administração pública federal; ampliar a capacidade de arrecadação da dívida ativa tributária e não tributária da União, suas autarquias e fundações; reduzir o risco fiscal judicial e, por consequência, o volume de precatórios e RPVs (Requisições de Pequeno Valor) pagos hoje, já que eles estão bem acima do desejado.

Enfim, nossa prioridade é que a AGU atue como uma instituição que promove, a partir do diálogo, justiça e reparação para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, com foco, principalmente, nas populações mais vulneráveis, a exemplo de quilombolas, populações indígenas e minorias na perspectiva da defesa dos direitos fundamentais e de direitos humanos. Nosso objetivo é tornar a AGU instituição engajada na defesa da democracia, do meio ambiente e do clima no nosso país.

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