Edição 265
Homens, combater a violência doméstica é papel de vocês
30 de agosto de 2022
Renata Gil Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)

Dois anos depois de um intenso trabalho de conscientização e mobilização, a campanha “Sinal vermelho contra a violência doméstica” – que incentiva mulheres vítimas de ameaças, abusos e agressões a pedir socorro em estabelecimentos de acesso público com um “X” desenhado na palma da mão – entrou em nova fase: agora, as mensagens têm como foco o público masculino, que também precisa se engajar na luta contra a discriminação e o preconceito.
O surgimento da iniciativa remonta à pandemia de covid-19, quando os governos decretaram medidas de isolamento social que forçaram mulheres a passar mais tempo com os agressores dentro de casa. Como resultado, cresceram os índices de violência doméstica – o que demandou pronta reação por parte da sociedade.
As estatísticas são assustadoras: cerca de 17 milhões de mulheres com mais de 16 anos sofreram violência física, psicológica ou sexual no Brasil entre agosto de 2020 e julho de 2021, dentre as quais 18% enfrentaram ofensas verbais; 6% receberam tapas, chutes ou empurrões; 5% passaram por algum tipo de ofensa sexual ou tentativa forçada de relação; 3% foram ameaçadas com faca ou arma de fogo, e, 2%, espancadas. Os dados constam do levantamento “Visível e invisível”, encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública ao Instituto Datafolha.
O quadro é preocupante não apenas no Brasil: segundo relatório divulgado pela Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (Cepal), pelo menos 4.091 mulheres morreram vítimas de feminicídio em 26 países da região em 2020. Felizmente, tal número representa uma queda de 10,6% em comparação com 2019.
Em junho de 2020, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) lançou, em conjunto com o Conselho Nacional de Justiça, a campanha “Sinal vermelho contra a violência doméstica”. Desde então, diversos exemplos de mulheres salvas pelo “Sinal vermelho” repercutiram na Internet, ajudando a minimizar uma situação de degradação que ainda persiste no País. Farmácias, shoppings, agências bancárias e repartições públicas aderiram ao projeto, que já se tornou programa de cooperação previsto em lei federal e nas legislações de 18 estados e do Distrito Federal.
A Lei nº 14.188, de 28 de julho de 2021, restou aprovada em prazo recorde pelo Parlamento a partir de uma sugestão da AMB, o “Pacote Basta!”, que, entre outras inovações legislativas criminalizou a violência psicológica contra a mulher. Também levamos, nos últimos meses, a campanha “Sinal vermelho” ao conhecimento de autoridades da Espanha, dos Estados Unidos, da Itália e do Reino Unido.
A violência doméstica é um ciclo que começa no silêncio da vítima e se perpetua na certeza da impunidade do criminoso. Com a falta de amparo do Poder Público, as intimidações se tornam ataques – que podem, se não combatidos, evoluir para casos de feminicídio. Cumpre a todos abraçar a causa da defesa dos direitos das mulheres para que a criminalidade de gênero seja efetivamente superada. E os homens não podem se furtar do papel primordial que têm nessa missão.