Globalização – respeito ao consumidor no domínio das agências reguladoras

30 de abril de 2006

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O Muro de Berlim

A globalização teve na sua gênese dois fundamentais acontecimentos: o advento e a rápida expansão das novas tecnologias da comunicação e, no campo político, um acontecimento marcante, que emocionou o mundo pela força de seu simbolismo: a queda do muro de Berlim.

Este inesquecível episódio que acabou com a guerra fria, transformou o mundo bipolar em um grande terreno somente dominado pelos E.U.A.

Foram abolidas as fronteiras econômicas entre os povos dos diversos continentes e o capitalismo ganhou força no mundo moderno, comandado por modernas e poderosas empresas multinacionais com sedes nos países integrantes do bloco do primeiro mundo.

A superpotência expandiu seus limites, rompendo as barreiras dos países subdesenvolvidos. O poder político dos E.U.A., alicerçado na tecnologia, que possibilita a troca instantânea de informações e a manipulação de grandes capitais, desencadeou a vulnerabilidade de todos os mercados, traço que se agravou nos países do denominado “terceiro mundo”.

Neste contexto, restou seriamente prejudicada a capacidade de se concretizarem políticas econômicas diferentes e autônomas nos diversos países.

O novo mundo unipolar assistiu, perplexo, o desenvolvimento do poderio econômico das grandes empresas, o desaparecimento das fronteiras, a adulteração cultural dos povos, a forte pressão do consumo, a massificação dos estereótipos sociais do primeiro mundo imposta pela avançada tecnologia da comunicação social.

Surgiram novas realidades sociais em decorrência dos grandes acordos comerciais selados em nível mundial. A União Européia, assim como a América do Norte, transformou-se num palco de emigração massiva, fruto da procura da mão-de-obra pouco qualificada, de baixo custo, capaz de melhor atender a ganância especulativa das grandes potências econômicas.

Neste quadro, vozes começaram a pedir o fim da “globalização capitalista”.

Na constatação da irreversibilidade da globalização, o mundo clama por uma globalização solidária, num anseio de se colocar a tecnologia a serviço de uma maior regulação do mercado, capaz de produzir uma mais adequada distribuição de riquezas.

A Regulação no Brasil

Durante o período militar o governo brasileiro era o único responsável pela distribuição de energia elétrica, petróleo, gás e telefone. Estas atividades eram realizadas através das empresas estatais, que operavam sem fiscalização independente. O próprio governo militar, através de seus ministérios, monitorava o trabalho das companhias.

Neste quadro, sobressaiam fatos conhecidos e sempre destacados: a ineficiência dos serviços; a desenfreada inflação; o assustador crescimento da dívida pública; os abafados casos de enriquecimento súbito e sem causa.

As empresas estatais eram entregues aos apaziguados do círculo do poder, e eram vigiadas segundo critérios puramente políticos e não por critérios técnicos.

A privatização, tal como uma pílula dourada, foi ofertada como a grande solução deste processo. A iniciativa privada assumiu as atividades que vinham sendo realizadas pela administração pública, deixando que o Estado se preocupasse somente com educação e saúde. O governo abandonou o papel de fiscalizador das companhias privadas, que passou a ser exercido pelas agências reguladoras.

Com posse de Luiz Inácio Lula da Silva, as agências reguladoras passaram a ser alvo de críticas por parte dos integrantes da alta esfera do governo.

No modelo atual, as agências reguladoras brasileiras são departamentos autônomos que criam regras e fiscalizam o funcionamento das concessionárias de serviço público.

Uma das mais importantes atribuições das agências reguladoras brasileiras é monitorar as tarifas praticadas pelas concessionárias. É também atribuição das agências reguladoras a concessão de autorização para correção das tarifas e a fixação de parâmetros de qualidade para os serviços prestados.

Os presidentes das agências reguladoras têm o nome escolhido pelo governo, necessitam de aprovação do Senado e cumprem um mandato de prazo certo, o que visa evitar a interferência do Estado nas empresas privadas.

As agências reguladoras funcionam com verbas do orçamento da União, previamente aprovadas pelo Congresso Nacional, mas ficam sujeitas à liberação do governo.

Um típico “torniquete orçamentário” vem sendo utilizado como forma de controle das agências reguladoras e as que não atuam da forma aprovada pelo governo, têm mais dificuldade em receber o repasse de suas verbas.

Tal como no restante do mundo, a sociedade brasileira vem discutindo o papel das agências reguladoras, chegando à conclusão que seria um terrível retrocesso desfigurar o papel que vêm exercendo.

A criação das agências reguladoras no Brasil marcou o diferencial, eliminando o uso do poder regulatório de forma politiqueira, eleitoreira e demagógica. De recente memória as concessões de rádio e de TV promovidas pelo Ministério das Comunicações no governo de José Sarney, como forma de barganhar os cinco anos de mandato presidencial.

No modelo que serviu de inspiração ao brasileiro, as agências reguladoras prestam contas ao Parlamento, o que ainda não acontece no Brasil, vez que há um projeto de lei neste sentido tramitando no Congresso brasileiro.

Um termo novo, de significado um tanto ou quanto obscuro, tem sido utilizado com freqüência no meio econômico brasileiro. Fala-se no PPP, como parceria-público-privada. Pode ser sinônimo de “privatização prudente”, ou, quiçá, de “privatização pactuada”, mas os críticos do governo lulista já começam a falar de “privatização petista”.

Tenha um ou outro significado, há evidente receio do setor empresarial privado, desconfiado com a crescente e manifesta hostilidade demonstrada pela equipe governamental contra as agências reguladoras.

Neste clima, os indexadores utilizados nos contratos das concessionárias sequer tem escapado das severas críticas da equipe econômica alçada ao poder no governo petista e um fato, neste contexto, tem se mostrado evidente: o rápido crescimento do “risco regulatório” no mercado brasileiro.

Respeito ao Consumidor Brasileiro

A proteção do consumidor é, sem dúvida, um dos maiores desafios da nossa era e tem representado, em todo mundo, um dos mais atuais e discutidos temas do direito.

Não se pode esquecer que o homem, a partir do século XX, com a Revolução Industrial, vive um novo modelo associativo, que tem sido denominado de sociedade de consumo.

Se nas sociedades primitivas o fornecedor e o comprador comerciavam através da barganha, numa evidente situação de equilíbrio das partes; o fornecedor passou a exercer a figura do mais forte, o que dita as regras, desestruturando e desequilibrando a balança da estabilidade social.

Tornou-se necessária a intervenção do Estado nas suas três esferas, nestas relações típicas do direito privado. O Legislativo para formular as normas reguladoras das relações de consumo. O Executivo para implementar as normas. O Judiciário para dirimir os conflitos decorrentes da implementação das normas.

Tema que sempre suscita debate é o relativo à caracterização do perfil do consumidor, vez que há flagrante diversidade entre as noções nas variadas ordens jurídicas.

Sabe-se que consumidor não é uma mera atribuição de um status jurídico, mas o sujeito de uma relação jurídica, em decorrência do caráter dinâmico deste personagem da relação consumerista.

Importante destacar, outrossim, a finalidade ou destino do bem ou do serviço, que não pode ser aquele que tenha uso profissional.

Por fim, merece realce a qualidade daquele que ocupa o pólo passivo da relação consumerista, vez que a pessoa que fornece o serviço ou transmite o bem, deve fazê-lo com finalidade profissional.

As normas consumeristas, seguindo tendência mundial, consubstanciam um arcabouço, formando uma “sobre-estrutura jurídica multidisciplinar”, aplicável a todos os segmentos do mercado de consumo, não podendo ser afastado das demais relações jurídicas, mesmo que disciplinadas por leis especiais.

Como lei mais nova e da mesma hierarquia das anteriores que disciplinam a matéria, as normas elencadas no Código de Defesa do Consumidor prevalecem sobre as leis anteriores e se aplicam às relações que envolvem a prestação de serviços, sejam eles serviços essenciais ou não, públicos ou privados, prestados por empresas públicas ou por empresas privadas ou privatizadas.

Tratando-se de relação de serviços ou de consumo, as leis consumeristas são as que recebem do legislador maior, através do expresso de comando constitucional, a incumbência de estabelecer uma disciplina única e uniforme para todas relações, prevalecendo naquilo que inovaram.

O professor Pinto Monteiro apreciando a questão da extensão das normas consumeristas às pessoas coletivas, colocou, com propriedade, uma interessante questão: “será consumidor de serviço de telecomunicações a sociedade comercial que dispões de um serviço telefônico? E o advogado que se serve do telefone do seu escritório para contactar clientes?”.

A questão não é tão simples como possa parecer aos mais desavisados estudiosos do tema, pois, como ressaltado pelo mestre de Coimbra, busca-se saber se a proteção assegurada aos utentes dos serviços de telecomunicações deverá ficar subordinada a um conceito puramente técnico, como o de consumidor final, ou se a proteção deve abranger todo e qualquer utente dos serviços de telefonia.

O desembargador Sérgio Cavalieri Filho, um dos mais respeitados comentaristas dos direitos dos consumidores no Brasil, em acórdão proferido no julgamento da apelação cível n. 2002.001.10966, abordou o tema, ao se referir aos “bens de consumo intermediário”, dispondo:

“Pessoa jurídica. Prestação de serviços. Incêndio acidental. Caso Fortuito. Dano material. Prova segura. Recurso não provido. Consumidor. Pessoa Jurídica. Bens de consumo intermediário a pessoa jurídica é consumidora porque utiliza como destinatário final e não como mera intermediária ou insumidora. É, pois, de consumo, regida CDC a relação jurídica existente entre fornecedora de serviços telefônicos e seus usuários, ainda que pessoas jurídicas (…) Desprovimento de ambos os recursos. Sentença Confirmada”.

Uma excelente distinção entre definição de consumidor “geral” e consumidor “por equiparação”, pode ser encontrada no julgamento do agravo de instrumento n. 2002.002.07090, sendo relatora a desembargadora Maria Heleno Salcedo:

“Agravo de instrumento. Exceção de incompetência. Ação declaratória. Processual Civil. CDC. Entendimento do juízo agravado de que estaria caracterizada relação de consumo entre as partes, facultando o ajuizamento da ação no domicílio da autora. Impossibilidade. A regra do art. 29do CDC, que estabelece mais um conceito de consumidor por equiparação, refere-se, tão somente, à caracterização da relação consumerista, independentemente da existência de qualquer aquisição ou utilização. Ao contrário da definição do consumidor geral, constante do caput do art. 2º da mesma lei, aquela norma contenta-se com a simples exposição abstrata às práticas comerciais e contratos nela previstos, mas nem por isso tem a amplitude de alcançar relações não-consumeristas de âmbito civil ou comercial, nos moldes da teoria maximalista. Pessoa jurídica que não é destinatária final dos produtos comercializados pela vendedora agravante. Conquanto na relação jurídica travada entre as partes esteja presente o elemento objetivo produto e o subjetivo fornecedor, não há o outro elemento subjetivo, o consumidor, pelo que incide a regra do art. 100, IV, a , do Código de Processo Civil. Agravo o que se dá provimento. Decisão unânime”.

Relevante ressaltar,em tempo de remate, que a liberalização do mercado, devido à sua estrutura e às características próprias do processo de liberalização, assim como em decorrência das tecnologias utilizadas e da natureza dos serviços prestados pelas empresas submetidas à regulação pública, impõe aos operadores e aos prestadores de serviços regulados, certas e determinadas obrigações, que devem ser cumpridas, exigidas, cobradas, não só pelas autoridades reguladoras nacionais, como pelo usuários dos serviços e, principalmente, por todos os que se preocupam com o maior dos males desta época de globalização, a “concorrência selvagem” que visa somente o lucro, distanciada dos direitos das classes desprivilegiadas.

A advertência de Noam Chomsky é plenamente adequada:

“Em qualquer país, há alguns grupos detêm o verdadeiro poder. (…) Ele está basicamente concentrado nas mãos de pessoas que determinam as decisões de investimentos – o que é produzido e o que é distribuído. Eles em geral formam a equipe do governo que escolhe as estratégias e fixam as condições gerais do sistema doutrinário”.

“Uma das coisas que eles mais querem é uma população passiva e aquiescente. Então, uma das coisas que se pode fazer para lhes tornar a vida incômoda é não ser passivo e aquiescente”.